Estudo revela que vírus Epstein-Barr pode ser uma das causas da Esclerose Múltipla

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Embora a relação entre o vírus Epstein-Barr e a Esclerose Múltipla não seja nova (estudada desde a década de 70), pesquisadores de Harvard apresentaram os resultados mais robustos até hoje publicados.

Um estudo realizado por pesquisadores de Harvard foi publicado na revista Science na última semana (13 de janeiro de 2022) fornecendo evidências importantes de que o vírus Epstein-Barr (EBV) seria uma das causas principais para o desenvolvimento da Esclerose Múltipla (EM).  De acordo com a neurologista Raquel Vassão, do conselho científico da AME & CDD, este é o primeiro artigo que consegue fazer uma relação mais robusta entre a infecção pelo vírus e o desenvolvimento de EM.

“Eles acompanharam milhares de militares americanos ao longo do tempo e estudaram aqueles que tiveram a EM a partir da infecção pelo EBV, comparando-os com um grupo de pessoas que não tiveram o diagnóstico. Os cientistas perceberam que a grande maioria das pessoas que recebeu o diagnóstico de Esclerose Múltipla havia sido infectada por esse vírus cerca de 10 anos antes, em média. O risco era 32 vezes maior de desenvolver a Esclerose Múltipla naquelas pessoas que foram infectadas pelo EBV”, explica.

No entanto, o vírus é muito comum na população em geral, cerca de 95% das pessoas já tiveram a infecção em algum momento da vida, sendo que o EBV também é relacionado a outras doenças autoimunes.

“É importante salientarmos que somente a infecção pelo vírus não determinará se a pessoa terá ou não a EM. Para ter a Esclerose Múltipla, a pessoa provavelmente terá o vírus e também outro(s) fator(es) de risco, tais como: questões genéticas, estilo de vida, tabagismo, absorção de vitamina D, obesidade na infância, etc”, frisa Raquel.

Leia mais sobre as causas da EM aqui.

Para calcular a relação de causalidade entre o vírus e a EM, os pesquisadores precisavam acompanhar um número grande de pessoas ao longo do tempo, antes mesmo das pessoas serem expostas ao vírus e de desenvolverem a EM. Isso porque, neste caso, a causalidade implica em dizer que algumas pessoas que tiveram a Esclerose Múltipla ao longo dos anos, após a infecção por EBV, não teriam a EM, caso não tivessem sido infectadas com o vírus.

A pesquisa foi viabilizada pois foram utilizadas amostras armazenadas através de uma colaboração com as forças armadas dos EUA, chamando a atenção pelo longo período de levantamento de dados (amostras coletadas durante 20 anos, de 1993 a 2013) e pela enorme quantidade de participantes (cerca de 10 milhões de pessoas). Dos militares testados, apenas 5,3% dos indivíduos tinham EBV negativo no momento da primeira amostra. Destes, 955 pessoas desenvolveram a EM durante a carreira militar e apenas um indivíduo que teve a EM não apresentou infecção por EBV.

Como funciona a infecção por Epstein-Barr?

O vírus Epstein-Barr é um tipo de vírus do herpes que se espalha principalmente pela saliva. Ao “pegar” o vírus, a pessoa pode apresentar uma infecção leve, com mal-estar e outros sintomas inespecíficos, podendo ficar também assintomático. Apenas em alguns casos, principalmente quando o contato com o vírus ocorre na adolescência, pode-se apresentar a mononucleose, também conhecida como a “doença do beijo”, que é uma infecção viral importante, com o aumento de amígdalas, de linfonodos em geral, pode ter aumento do baço e do fígado, por causa da infecção em si. “Mas a maioria não tem essa forma de infecção”, explica Raquel. Uma vez que o vírus entra nas células imunes chamadas células B, permanece no organismo sem provocar manifestações clínicas. O EBV também tem relação direta com alguns tipos de câncer e outras doenças autoimunes.

No caso da Esclerose Múltipla, a infecção pelo EBV é a provável causa do aumento dos neurofilamentos, que são marcadores da destruição neuronal. O aumento dos níveis de neurofilamentos aparecem muito precocemente alguns anos antes do desenvolvimento da EM. “Eles viram que nas pessoas que têm EM os neurofilamentos só aumentaram depois da infecção pelo EBV”, comenta Raquel. “Essa é mais uma relação de que a destruição neuronal começou a ocorrer nos participantes, pois antes da infecção por EBV, no grupo avaliado, ninguém tinha níveis diferentes de neurofilamento em relação à população geral”, complementa.

Existem também teorias relacionando outros vírus a EM, mas neste artigo, ao testarem diferentes vírus como o citomegalovírus (outro herpesvírus) não encontraram diferença nos níveis entre aqueles que desenvolveram EM e aqueles que não desenvolveram. “Existem outros fatores que terão relação com a EM, mas o EBV não é fator de confusão e sim, está muito relacionado a EM”, coloca Raquel.

A hipótese levantada pelos autores ao final do artigo é de que a infecção por EBV e um dos genes que é identificado para a EM podem agir de maneira sinérgica para o desenvolvimento da desregulação que vai levar à doença autoimune Esclerose Múltipla. “Ou seja, o EBV parece ser um fator de risco que trabalha em conjunto com o fator genético, levando ao desenvolvimento da doença.”, analisa.

Leia mais em nosso site sobre o vírus Epstein-Barr e sua relação com a Esclerose Múltipla aqui e aqui.

O que muda na vida de quem tem EM hoje?

De acordo com Raquel, não muda a vida de quem tem EM hoje, mas talvez possa mudar o rumo de pesquisas futuras. “O artigo dá forças para ampliarem as pesquisas relacionadas ao vírus EBV e também nos tratamentos e na prevenção. Hoje em dia a maior parte das terapias de mais alta eficácia para a EM já atuam nas células B, que são células importantes para a orquestração da resposta imune, e também abrigam o EBV, ainda que ele não esteja ativo no  nosso corpo ”, explica.

Sempre é bom lembrar: a EM não é contagiosa!

Apesar de estar relacionada ao vírus Epstein-Barr, a Esclerose Múltipla não é um vírus e não é contagiosa, ou seja, não se “pega”. “É muito importante frisar e deixar claro que o fato de uma infecção viral estar relacionada ao desenvolvimento da EM, não quer dizer que você pega a EM de alguém”, salienta Raquel.

O que acontece é que você vai ter um aumento do risco do desenvolvimento da doença junto com esse vírus, além dos fatores genéticos, ambientais, etc”, finaliza.

Qual é o posicionamento da AME sobre o artigo?

De acordo com o fundador da associação Amigos Múltiplos pela Esclerose (AME), Gustavo San Martin, o momento é de cautela. “O artigo é, de fato, original, publicado em uma revista muito prestigiada e por uma equipe de cientistas igualmente respeitada. O trabalho é importante para entendermos como a doença se desenvolve e para a elaboração de futuros tratamentos para a Esclerose Múltipla”, afirma.

“No entanto, do ponto de vista clínico, não muda em nada o tratamento neste primeiro momento, ou seja, as pessoas com EM devem continuar suas terapias da mesma forma que antes. Busque o seu médico e converse sobre isso se ainda restarem dúvidas sobre a relação do EBV com a EM”, salienta Gustavo.

Na ciência, os achados precisam ser replicados por diferentes pesquisadores, de forma independente e isso ainda pode levar um tempo, mas apenas assim será possível desenvolver novos tratamentos com a segurança e qualidade necessárias. Para se ter uma ideia, a relação do Epstein-Barr com a Esclerose Múltipla foi primeiramente levantada nos anos 70 e, de lá para cá, muitos artigos e pesquisas precisaram ser feitas para chegar em um dado robusto, como este encontrado. Portanto, ainda são necessárias mais pesquisas para confirmar a relação de causalidade apontada no artigo.

Vacina contra o EBV está na primeira fase de desenvolvimento

Independentemente destes achados, o EBV tem relação conhecida com outras doenças autoimunes. Portanto, já existem laboratórios desenvolvendo uma vacina para o EBV, com o objetivo de evitar a infecção na população e impedir o início destas doenças. Recentemente, a Moderna informou que está na primeira fase do desenvolvimento da vacina de mRNA, iniciando testes em cerca de 270 pessoas. Já o National Institute of Allergy and Infectious Diseases (NIAID) do National Institutes of Health (NIH) planeja lançar a primeira fase de sua vacina em fevereiro.

  

Referências:

Kjetil Bjornevik, et al.Longitudinal analysis reveals high prevalence of Epstein-Barr virus associated with multiple sclerosis. Science, online.13 Jan 2022.

Lydia Denworth. Epstein-Barr Virus Found to Trigger Multiple. Scientific American, online. 13 de janeiro de 2022.

Marta Figueiredo. Epstein-Barr Virus May be Leading Cause of MS, Raising Risk by 32 Times. Multiple Sclerosis News Today, online. 14 de janeiro de 2022.

Nicole Rura. Epstein-Barr virus may be the leading cause of multiple sclerosis. Harvard School of Public Health, press-release, online. 13 de janeiro de 2022.

Revista Galileu. Vírus pode ser a causa principal da esclerose múltipla, aponta estudo. Online. 14 de janeiro de 2022.

Robert Hart. Moderna starts human trials of mRNA vaccine for virus that likely causes multiple sclerosis. Forbes, online. 14 de janeiro de 2022.

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