Caso cantora Anitta: como histórias mal contadas podem afetar a vida de pessoas com EM

Cantora afirmou que o vírus Epstein-Barr, o causador da mononucleose, também seria o responsável pelos casos de EM. Desinformação gerou medo e falsas esperanças

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No início de dezembro, a cantora Anitta revelou ter sido diagnosticada com o vírus Epstein-Barr (EBV). A fala ocorreu durante um evento de exibição do documentário “Eu”, em que a atriz Ludmila Dayer aborda como é viver com a esclerose múltipla (EM). Com mais de 63 milhões de seguidores no Instagram, a cantora disse ter contado com o apoio de Ludmila para deter o vírus “no começo”, em alusão ao fato de que, caso contrário, ele provocaria a EM nela. O episódio culminou em diversos conteúdos na internet – alguns dos quais provocaram desespero e esperanças falsas. 

Antes de chegar a esse ponto, no entanto, cabe destacar que a AME produziu um conteúdo no Instagram esclarecendo essa associação (confira aqui).

Resumiremos aqui: o EBV não é a causa da esclerose múltipla. Pesquisadores avaliam diferentes possíveis fatores que contribuem para o aparecimento dessa doença autoimune. Entre eles, estão a genética (com mais de 100 alterações possíveis), tabagismo, obesidade abdominal na adolescência, alimentação desequilibrada e outros tantos. Em outras palavras, são várias questões possíveis – às vezes agindo em conjunto – que podem estar por trás de um caso de EM, e isso provavelmente varia de paciente para paciente. Além disso, os pesquisadores precisam investigar mais essa seara. 

Dito isso, o EBV realmente integra a lista de fatores associados à esclerose múltipla. A relação ainda não está totalmente compreendida. “Se um paciente tem o conjunto de fatores genéticos e estilo de vida favoráveis ao desenvolvimento de esclerose múltipla, contrair o EBV aumenta em 33 vezes o risco de desenvolvê-la esclerose múltipla”, esclarece o neurologista Denis Bichuetti, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Mas muitas pessoas têm predisposição genética, entram em contato com o vírus e, ainda assim, não desenvolvem a doença”, afirma. 

O efeito da desinformação

Cerca de 95% da população mundial tem contato com o Epstein-Barr, que é responsável pela mononucleose, também conhecida como “doença do beijo”. Se a infecção por ele sempre desencadeasse a EM, teríamos 7,4 bilhões de pessoas com essa doença– estima-se que a esclerose múltipla atinja, na verdade, cerca de 2,8 milhões de pacientes. Ou seja, um número 2 660 vezes menor.  

Essa conta serve para mostrar o tamanho do erro e, acima de tudo, o potencial de desespero que uma informação descontextualizada pode provocar. Sem orientação adequada, muita gente que já teve doença do beijo ou sabe que carrega o EBV no organismo se desesperou, acreditando que alguma hora a esclerose múltipla daria as caras.

Na contramão, alguns pacientes com EM viram na notícia um atalho para a cura. Ora, bastaria eliminar o vírus ou o que ele provoca para sumir com essa doença autoimune. “É compreensível que quem tenha um diagnóstico de doença incurável queira se apegar a alguma coisa”, pondera Bichuetti. Mas não é o caso: a esclerose múltipla é complexa e não será resolvida por um passe de mágica. O problema é que esperanças falsas como essa alimentam teorias conspiratórias e pensamentos mágicos que, no fim das contas, fazem muitos indivíduos abandonarem os medicamentos realmente eficazes. Apesar de ainda não ter cura, o tratamento para a EM evoluiu e hoje proporciona maior qualidade de vida e controle dos sintomas. 

Houve também quem defendesse a busca por uma vacina contra esse agente infeccioso como cura. Isso, entretanto, também não faz sentido. “Se o vírus é um fator de risco, não adianta se vacinar depois de ter tido o contato com ele”, esclarece o médico. “Pode-se esperar que uma potencial vacina para o EBV diminuiria o número de pessoas que desenvolverão esclerose múltipla no futuro, mas isso é uma hipótese, e não interfere na vida de quem convive com a doença”, arremata. 

Não é a primeira vez…

Há outras notícias falsas que circundam o universo da esclerose múltipla. No Brasil, a mais disseminada é a de que doses elevadíssimas de vitamina D controlariam (ou mesmo curariam) a enfermidade como nenhum outro tratamento disponível. E que isso só não é aplicado em larga escala por interesses econômicos. Apesar de a ciência não sustentar essa teoria, ela fez com que pacientes abandonassem o tratamento convencional para embarcar nessa aventura, o que terminou em agravamento de sintomas e perda de qualidade de vida. Fora que altas concentrações de vitamina D favorecem o acúmulo de cálcio nos vasos sanguíneos, o que aumenta o risco de diferentes problemas cardiovasculares.  

Conclusão: certifique-se de que as informações disponíveis vêm de fontes confiáveis.

Escrito por Bettina Gehm, da Redação AME

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