Nesse texto, o escritor Trevis Gleason conta como se viu sendo moldado pela Esclerose M e pela idade em uma pessoa totalmente diferente do que teria sido ou do que pensou que seria. É muito delicado entender como uma condição crônica como a EM pode mudar a vida. Mais ainda é tentar se reencontrar depois de tantas transformações. Boa leitura!
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Não há muitos acontecimentos na vida – além, talvez, de um grande acidente – que alterem nosso eu físico rapidamente.
Claro, muitas horas no sol podem nos dar o tom de marisco cozido, uma caixa de tinta de cabelo pode mudar sua cor de castanho para loiro (e além), e certamente a temporada de férias pode adicionar alguns quilos concentrados na barriga.
Mas a maioria das mudanças em nossa aparência externa ocorre lentamente, ao longo do tempo.
A Esclerose Múltipla nos muda gradualmente
Como a idade, a Esclerose Múltipla (EM) joga a longo prazo, pois muda nossos corpos. Ela apenas joga mais rápido do que o envelhecimento.
Eu tive exacerbações que diminuíram minha funcionalidade, segundo a Escala Expandida de Estado de Incapacidade (EDSS), mas o tempo e os corticosteróides trouxeram ela de volta – até certo ponto.
Mas, em geral, nos encontramos crescendo relutantemente acostumados com o novo normal e apenas seguimos em frente… até darmos uma olhada no espelho.
Podemos precisar olhar de perto para ver quem éramos e ainda somos
Há uma cena comovente no filme Hook, de Steven Spielberg, de 1991, que me veio à mente outro dia, enquanto eu raspava minha barba, no fim do inverno.
Cortei e raspei seis meses de cabelo, que era muito mais branco do que eu esperava, do meu queixo e bochechas na frente do espelho do banheiro. Normalmente eu faço a barba no chuveiro. Para essa evolução, no entanto, foi necessária uma grande atenção ao meu reflexo, pois apliquei espuma e a removi com aço afiado.
Foi quando reencontrei meu rosto e parei um segundo. Foi naquele exato momento que eu vi, não o eu outonal de quando comecei a deixar a barba crescer, mas um rosto primaveril que havia avançado meio ano.
Todos nós já olhamos para um espelho para endireitar nossa gravata ou ter certeza de que nosso jeans não fez nossa bunda parecer muito grande. Você pode até olhar mais de perto ao aplicar maquiagem ou procurar um cílio errante preso em seu olho. Mas raramente olhamos e vemos quem está olhando por trás.
Meu rosto e estrutura foram alterados pela idade e minha doença neurológica. A natureza progressiva de ambos mordiscou os aspectos físicos do meu “eu”. Eu não vou dizer que eles não tiveram uma ou duas mordidas do “eu” emocional e cognitivo também.
A EM me mudou em quase todos os aspectos da minha vida. A idade também, mas de uma maneira mais previsível, suponho – uma que provavelmente esperamos (se não aceitar totalmente).
Mas assim como um dos Garotos Perdidos, que sabia enquanto esticava e dobrava o rosto muito adulto de Robin Williams até que ele pudesse vê-lo como seu eu mais jovem, Peter Pan (“Ai está você, Peter!”) – em algum lugar lá dentro, ainda sou eu.
Sou diferente por causa da idade e da Esclerose Múltipla, mas ainda sou eu
Tenho menos cabelo em cima (e, estranhamente, mais cabelo em outros lugares), me movo mais devagar e meu corpo diminuiu de uma maneira que a idade não teria feito por pelo menos mais duas décadas.
Eu tive que parar de fazer coisas que eu amava (e sei que ainda adoraria fazer) e comecei a fazer outras coisas que eu preferia que não fossem exigidas de mim. Eu experimentei muitas coisas que eu não esperava e permaneço ingênuo em algumas coisas que eu já deveria ter feito.
A EM (e a idade) me moldaram em uma pessoa diferente do que eu teria sido ou pensei que seria… e talvez do que eu poderia ter sido.
Mas quando eu olho – realmente olho – ainda estou lá.
Por todas as dificuldades, provações e fracassos, por todos os tropeços, quedas e vezes que não consegui voltar para onde estava antes. Por tudo isso, fui machucado e encurvado e às vezes, em alguns lugares, até um pouco quebrado. Por tudo isso e isso tudo… ainda estou aqui. E “você” ainda está em você.
Desejo a você e sua família muita saúde.
Trevis
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Tradução e adaptação: Redação AME – Amigos Múltiplos pela Esclerose
Fonte: Everyday Health
Escrito por Trevis Gleason/Life With Multiple Sclerosis, em 14 de fevereiro de 2022.