Conheça histórias de amor de quem descobriu EM no início da juventude
Os pais de Isabelle Pereira Torres estavam viajando quando ela sentiu uma dormência na nuca. A sensação foi descendo para o braço até ela perder totalmente a força, a ponto de não conseguir levantar um copo. “Foi bem assustador para quem nunca teve problemas de saúde. Liguei para minha tia e ela disse que eu deveria procurar um neurologista”, afirma a estudante de Psicologia, de 20 anos, que mora em Fortaleza, no Ceará.
O diagnóstico de Esclerose Múltipla foi praticamente imediato. Ela tinha 18 anos na época e o namorado, Walter, sempre esteve presente. “Mas eu meio que me privava de deixar ele ver esse lado vulnerável quando eu estava internada. Não deixei ele me visitar. Eu o barrava. Acho que era um bloqueio que eu tinha no comecinho e foi complicado. Ainda estou com o mesmo namorado, vai fazer três anos. Quando aconteceu o primeiro surto, ele estava comigo e não entendeu bem. Quando fui fazer a consulta com a neuro e ela já foi falando que eu tinha Esclerose Múltipla, liguei pra ele pra falar. Eu estava chorando tanto que eu nem conseguia falar direito. Ele ficou bem preocupado”, lembra.
Isabelle se sentia vulnerável, afinal, sempre se considerou independente e forte. Ela conta que o namorado se informou muito sobre EM quando soube do diagnóstico dela. “Ele ajudou a cuidar do meu emocional. Ele pesquisou muito. Quando percebi, ele já sabia o que era e entendia direitinho. E eu não tinha que explicar pra ele, porque é uma coisa que me incomoda muito ter que explicar. Não consigo explicar a EM. As pessoas perguntam “o que você sente?”. E eu digo: “ Ah, eu sinto sintomas invisíveis que você não vê mas eu sinto”. É cansativo”, desabafa.
Ter o amor de Walter foi fundamental para que Isabelle conseguisse lidar com a situação. “Ele foi, pra mim, um elo com o mundo real. Até hoje eu sinto que o diagnóstico é um pesadelo e que vou acordar e não vai ter nada disso. Enquanto eu tava surtando, ele estava calmo. Não importava quanto ele estava enlouquecendo por dentro, ele mantinha a paciência, aguentou meu estresse, ignorância e as minhas raivas, que não foram poucas. Saber que você tem uma doença incurável dá uma certa sensação de impotência”, reflete.
Quando descobriu que tinha Esclerose Múltipla, Isabelle estava com 18 anos, ou seja, na exata transição da adolescência para a juventude. A psicóloga Fernanda Alarcão avalia que esta é uma fase repleta de inseguranças: “A adolescência, com seus impasses, já é uma condição de encruzilhadas próprias. Conviver com uma condição de uma doença crônica traz uma complexidade ainda maior. Esta condição, lidar com limitações na autonomia que advém de tratamentos, também levanta uma outra variável que é a da vulnerabilidade. Conviver com esta realidade de fragilidade assim tão presente, de que não somos infinitos, pode abalar o percurso de um jovem de diferentes maneiras”.
Aos 14 anos de idade, Milena Teodoro começou a sentir dormência na sobrancelha somente de um lado do rosto. Os sintomas foram piorando. Ao procurar um neurologista, fez o exame do liquor da coluna e descobriu a Esclerose Múltipla. “Eu nunca tinha ouvido falar dela. Fiquei assustada e com muito medo porque não tinha noção do que seria. Me senti triste, fraca, sem rumo pra falar vem a verdade. Naquele momento eu perdi minhas forças pra fazer qualquer coisa, mas mesmo me sentindo assim, tentei me manter firme. Tive muito apoio da minha família, dos meus amigos. Na época eu era nova ainda, mas já namorava e ele me ajudou bastante também. Ficou do meu lado o tempo todo, deu muita força pra mim. Só que acabamos não dando certo por outros motivos”, lembra.
Milena conta que foi difícil para o então namorado passar por todos os processos junto com ela. Atualmente, aos 20 anos de idade, ela está em outro relacionamento. “E ele é incrível pra mim. Já tive muitos surtos da EM e todos ele estava comigo. Ele fica triste por ver passar por tanta coisa, sabe, mas nunca me deixou na mão”, afirma.
Milena sente que o diagnóstico de Esclerose Múltipla a fortaleceu. Paralelamente a isso, apesar de o namorado sempre segurar sua mão, às vezes, nem tudo são flores. “Ele é uma pessoa que me faz me sentir bem. Mas confesso que teve vezes dele não conseguir entender completamente o que eu sinto em relação a EM. Mas isso até eu tenho dificuldade de entender algumas vezes. Até hoje penso como alguém consegue gostar tanto de mim mesmo sendo alguém doente e com tantos defeitos. Me sinto mal e frágil. Mas, depois que comecei a namorar o João, que é o meu namorado hoje, tento falar disso e ele me mostra que não é assim. Ele sempre me falou que a doença não faz a pessoa que eu sou”, ressalta.
Vulnerabilidade. Fragilidade. Impotência. Tristeza. Palavras comuns entre adolescentes, mas que são potencializadas naqueles que recebem o diagnóstico de Esclerose Múltipla. E, na adolescência, todos esses sentimentos podem atrapalhar a autoconfiança e a busca pelo amor. “Alguns estudos apontam, por exemplo, que uma condição de doença crônica tem maior associação com depressão quando comparada aos índices de depressão com jovens saudáveis. Tratar em casa ou no hospital, ter apoio familiar ou não, contar com recursos de saúde, enfim, tudo isso impacta o enfrentamento de uma doença crônica. Por outro lado, também pode enriquecer sua trajetória de vida, no sentido de ter interações voltadas para o autocuidado e uma apreciação da vida. Freud tem uma citação conhecida que é mais ou menos assim: ‘Há uma sabedoria em encontrar saídas, possibilidades, reinvenções diante das condições de vida. Dependendo como enfrentamos os conflitos, podemos sair enriquecidos diante das experiências’”, diz a psicóloga Fernanda Alarcão.
Thiago Henrique Matias Dutra, tem 16 anos, e mora com os avós na cidade de Sabará, em Minas Gerais. Nunca namorou, mas sabe o que é se apaixonar por alguém. “Flertes tenho constantemente. Acho que essa fase da idade é realmente para conhecer pessoas, sentir tudo isso”, avalia. Ele descobriu que tem Esclerose Múltipla no fim de 2018, ao sentir um embaçamento na vista. “Tudo começou no réveillon. No dia 3 de janeiro do ano passado, eu comecei a ficar com a vista do meu olho esquerdo embaçada, como uma névoa ou mancha. Contei para minha mãe e tomamos as devidas providências, claro, por ser um problema visual fomos ao oftalmologista. Fiz diversos exames e não resultaram em nada. Depois disso consideramos entupimento das carótidas. Fiz ultrassom e também não era e estava tudo bem também. Ainda restava o exame sanguíneo e estava tudo bem. Por fim, apelamos para um neurologista. Rapidamente fui encaminhado pra ressonância e, enfim, lesões desmielinizantes encontradas”, lembra Thiago, que teve o diagnóstico de EM confirmado praticamente três meses depois dos primeiros sintomas.
Sobre a relação com o diagnóstico e a possibilidade de se apaixonar por alguém, o estudante revela que tem receio por causa do estereótipo criado em torno da doença: “Quando conheço uma pessoa, eu ainda tenho um pé atrás em dizer sobre. Não por insegurança, mas pela falta de conhecimentos de muitos. Quando digo ‘tenho esclerose múltipla’, tenho medo de despertar na outra pessoa medo, seja de ser contagioso, de ser perigoso ou da pessoa não gostar de mim por influência da mesma. Quando eu conto pra alguém sobre isso, tento explicar o máximo que sei para evitar que a pessoa pesquise por si. Afinal, como todos os médicos dizem, cada corpo é um corpo, diferentes reações, graus, medicamentos, surtos, então, o que acontece com os outros não necessariamente acontece comigo. Acho melhor deixar a pessoa sempre ciente disso. E, até então, todas as pessoas que me apaixonei e acabei falando sobre a EM foram super compreensivas”.
A psicóloga Fernanda Alarcão acredita que, apesar as relações atualmente terem um caráter descartável, quase ‘líquidas’, é plenamente possível construir laços e vínculos que nos sustentam em uma rede afetiva diante da vida. A especialista aconselha: Prestem atenção a isso. A construção desta ‘trama’ exige entrega, cuidado e investimento, que terão percalços e também sofrimento no caminho, mas que vale à pena. Como diria o poeta Vinícius de Moraes: ‘a vida só se dá pra quem se deu, pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu. Quem nunca curtiu uma paixão, nunca vai ter nada, não’”.
Sobre o amor, Thiago considera necessário: “Minha opinião sobre o amor é sempre positiva. Amar é lindo e necessário, todos precisam disso. Acho que já amei alguém sim, uma única vez. Sei que era amor porque insisti durante anos naquilo (risos), o famoso “crush”. Tivemos conversas, temos até hoje aliás, que inclusive futuramente pode resultar em algo. E ela é super compreensiva, sabe da minha doença, me motiva, incentiva, tá sempre bem. Não temos nada, mas, agimos como se “tivéssemos”. Aquela preocupação boba se o outro está bem, onde está. Os textos de madrugada, os choros por ciúme. Relações normais da adolescência. Costumo ser bem calmo com tudo que faço. Só tenho aquele medo de às vezes de dar errado, mas nada que não seja recuperável depois”, confessa.
Mantendo as inseguranças e o ‘friozinho na barriga’ sob controle, o estudante dá um conselho para todos que receberam diagnóstico de esclerose múltipla e estão com medo de se aventurar no amor. “Não se apresse, conheça essa pessoa, desfrute do sentimento de amar, se aventure, mergulhe nisso. E quando tiver certeza de que é amor, chame a pessoa para uma conversa, de preferência pessoalmente, não precisa criar muita confusão ou ficar aflito. Deixa que saia naturalmente, explique os pontos importantes, que está tudo bem, que isso não é nada demais, e que não mudará nada no amor de vocês. Tente ser compreensivo também e deixar a pessoa confortável. E lembre-se sempre que está tudo bem, não devemos temer a EM. Ouvi uma vez a seguinte frase: “Eu tenho esclerose múltipla, mas ela não me tem”. E assim que devemos agir. Seja você, não tenha medo do amor, muito menos de sua doença. Vai ficar tudo bem”, ensina o jovem de 16 anos, que dá uma verdadeira aula de sabedoria à todos nós.