A alteração de bula do medicamento betainterferona 1a, com a exclusão da contraindicação de uso por gestantes foi um dos motivos que levou a Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde a propor a consulta pública de atualização do PCDT de esclerose múltipla. Além disso, a inclusão de informações sobre o rastreio de tuberculose latente no monitoramento dos pacientes em uso de medicamento modificador do curso da doença também precisa ser incorporada ao documento.
“A portaria do atual protocolo data de 2019, o que gera aí quatro anos da última revisão. Nunca os tempos da gestão são os mesmos da necessidade dos pacientes. Gera aí a necessidade de sensibilização dos gestores, profissionais de saúde e sociedade civil para revisão dos protocolos e incorporação de terapias mais modernas e necessárias”, afirma Mário Moreira, especialista e consultor em Saúde.
A Conitec abriu consulta pública para avaliar a atualização do Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas da EM até o dia 8 de maio; para participar, clique aqui.
A esclerose múltipla é uma doença inflamatória, desmielinizante e neurodegenerativa, que envolve a substância branca e a cinzenta do Sistema Nervoso Central e envolve fatores genéticos e ambientais. Até o momento, as interações entre esses vários fatores parece ser a principal razão para diferentes apresentações da EM, bem como diferentes respostas aos medicamentos.
Serão incluídos nesta atualização do PCDT os pacientes com diagnóstico de EM nas formas remitente recorrente (EMRR) ou secundariamente progressiva (EMSP); com evidência de lesões desmielinizantes comprovadas por neuroimagem (ressonância magnética) e diagnóstico diferencial com exclusão de outras causas.
Para o natalizumabe, devem-se observar os seguintes critérios de classificação da alta atividade da doença em pacientes com EMRR: incidência de dois ou mais surtos incapacitantes com resolução incompleta e evidência de pelo menos uma nova lesão captante no gadolínio ou aumento significativo da carga da lesão em T2 no ano anterior em pacientes não tratados; ou atividade da doença no ano anterior, durante a utilização adequada de pelo menos um MMCD, na ausência de toxicidade (intolerância, hipersensibilidade ou outro evento adverso) ou não adesão ao tratamento, apresentando pelo menos um surto no último ano durante o tratamento e evidência de pelo menos nove lesões hiperintensas em T2 ou pelo menos uma nova lesão captante de gadolínio.
Para o alentuzumabe, além dos critérios de classificação da alta atividade da doença em pacientes com EMRR, deve-se observar a ocorrência prévia de falha terapêutica ou contraindicação especificada em bula ao uso do natalizumabe.
Na 116ª Reunião do Comitê de PCDT da Conitec, realizada no dia 16 de março de 2023, os técnicos fizeram uma recomendação preliminar favorável à publicação deste protocolo.
O que dizem os especialistas
O neurologista Denis Bichuetti, do conselho científico da AME-CDD, ressalta que não consta, nesta nova versão do PCDT de EM, nenhuma nova incorporação de medicamento. “Não tem nem mudança no protocolo e não incorporou ao SUS nem o ofatumumabe e nem a cladribina”, acrescenta. Para ele, a atualização por causa da bula do betainterferona poderia ter ocorrido bem antes: “Já está incorporado na bula internacional das betainterferonas que elas são absolutamente seguras na gravidez desde antes da pandemia. Me lembro de ter participado de eventos em 2019 ou 2018, se não me engano, onde se discutia já o uso da medicação na gestação com segurança. Esta recomendação no PCDT está, pelo menos, há quatro anos atrasada”.
O médico enfatiza: “Todos os medicamentos para o tratamento de EM devem estar disponíveis para decisão individual, com base nas características clínicas e biológicas, perfil de contraindicação e decisão médico-paciente”. Na avaliação de Denis Bichuetti, falta, no mínimo, incorporar um bloqueador de célula B e a cladribina como medicação de indução imunológica e resposta a longo prazo. “Com isso, nós temos uma gama de tratamentos com mecanismo de ação e benefício para diferentes perfis de pacientes”, conclui.
A neurologista Raquel Vassão, integrante do conselho científico da AME-CDD, acredita que é importante ter registrado no PCDT para esclerose múltipla a alteração de bula do medicamento betainterferona 1a, com a exclusão da contraindicação de uso por gestantes. “Isso porque a gente tem que pensar naqueles pacientes que não estão sendo tratados em centros de referência e que, às vezes, o médico que está atendendo pode se embasar nesse referencial”, diz.
Sobre incorporação de novos medicamentos, a especialista lembra que o alentuzumabe deveria estar sendo oferecido nacionalmente, mas isso não ocorre na prática. “Há alguns estados que ainda não têm disponibilização de alentuzumabe, mas é uma medicação de altíssima eficácia, que deve ser usada em pacientes selecionados, principalmente aqueles que tenham grande atividade de doença apesar do natalizumabe”, considera.
Raquel Vassão aponta que outras melhorias poderiam ser feitas neste PCDT. “Por exemplo, hoje em dia, para pessoas com doenças altamente ativas, a gente só tem a opção de começar com o natalizumabe em primeira linha. A gente não tem a possibilidade de, por exemplo, utilizar o ocrelizumabe, cladribina, ofatumumabe ou mesmo começar com o alentuzumabe. Novamente a forma primariamente progressiva de EM fica fora do rol, apesar de termos no Brasil e no mundo uma medicação que é aprovada para o tratamento da forma primariamente progressiva que é ocrelizumabe”, lamenta.
A médica concorda com Bichuetti e enfatiza que os especialistas gostariam de ter mais opções para tratar seus pacientes, levando em conta a peculiaridade de cada caso e como a pessoa reage diante das medicações para esclerose múltipla.
Para o advogado Paulo Benevento, especialista em Saúde, as principais melhorias para o paciente de esclerose múltipla não dependem exatamente da revisão do PCDT, mas da efetiva incorporação ou ampliação de uso de certas tecnologias e da promoção de acesso efetivo às tecnologias já incorporadas: “Por exemplo, não existem medicamentos modificadores do curso da doença incorporados para tratamento das formas progressivas da EM. O ocrelizumabe foi aprovado pela ANVISA, para o tratamento de esclerose múltipla primeiramente progressiva e poderia, em tese, ser incorporado ao SUS. Em 2018, a fabricante submeteu a tecnologia ao processo público de avaliação e não obteve sucesso”.
Benevento aponta, por outro lado, que há uma disparidade entre o sistema público e o sistema privado. “Por exemplo, o alentuzumabe e o ocrelizumabe estão incorporados na saúde suplementar, para tratamento de esclerose múltipla secundariamente progressiva, mas nenhum dos dois medicamentos está incorporado ao SUS, com esta indicação”, explica.
Saiba como participar da consulta pública
A consulta pública para atualização do PCDT de esclerose múltipla vai até o dia 8 de maio. Para dar opinião sobre o assunto e participar da consulta, acesse o portal da Conitec.