A história de uma patologia como a Esclerose Múltipla vem de longa data. Foram séculos de estudos, pesquisas e evolução científica para chegar ao conhecimento que temos hoje sobre sintomas, diagnóstico, tratamento e o que deve ser feito para melhorar a qualidade de vida de quem tem a condição. Neste texto é contado um pouco dessa história e como se chegou ao conhecimento científico atual. Boa leitura!
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A Esclerose Múltipla (EM) é uma doença autoimune que afeta o sistema nervoso central do corpo. Na EM, o sistema imunológico ataca a bainha de mielina, ou revestimento protetor, dos nervos do cérebro, medula espinhal e olhos.
Esses ataques causam lesões (ou tecido cicatricial), que levam a sintomas como tremores, dormência, fadiga, problemas de visão e disfunção cognitiva.
Embora a Esclerose Múltipla provavelmente exista há séculos, não foi até o século 19 que os cientistas começaram a reconhecer padrões nos sintomas das pessoas que indicavam um processo específico de doença. Acreditava-se que a EM fosse de origem neurológica, mas suas causas eram desconhecidas.
Hoje, os cientistas estão mais perto de entender completamente a doença. Avanços na medicina e estudos mais recentes levaram a melhores tratamentos e resultados.
Do século 19 até hoje
A história da EM remonta a 1882, quando se acredita que Augustus d’Este, neto do rei George III, tenha sido o primeiro caso documentado da doença. D’Este manteve um diário de seus sintomas, que foi estudado minuciosamente ao longo dos anos.
Um dos que estudaram o diário foi o famoso neurologista Jean-Martin Charcot (GARRARD & PETERS, 2012). Em 1868, Charcot começou a palestrar sobre uma nova doença do sistema nervoso: a Esclerose Múltipla (ZALC, 2018).
Charcot, professor de neurologia da Universidade de Paris, examinou uma mulher com tremores e outros sintomas neurológicos, incluindo fala arrastada e movimentos anormais dos olhos. Depois que ela morreu, ele foi capaz de examinar seu cérebro e descobrir as lesões da Esclerose Múltipla (ROLAK, 2003).
Embora a primeira palestra de Charcot sobre sua descoberta da doença tenha ocorrido há mais de 150 anos, a EM tem sido relativamente pouco estudada. Somente na metade do século 20 que os tratamentos para os sintomas, como os hormônios, se tornaram disponíveis.
Foi somente nos últimos 30 anos que surgiram novas terapias para tratar e retardar a progressão da EM (CERQUEIRA, et al, 2018).
Cientistas notáveis que estudaram a Esclerose Múltipla
Enquanto Charcot foi o primeiro a escrever uma extensa descrição da doença e suas alterações no cérebro, outros contribuíram significativamente para a compreensão da Esclerose Múltipla:
- Em 1878, o Dr. Edward Seguin dos Estados Unidos reconheceu que a EM era uma doença específica. Durante este tempo, os desenvolvimentos estavam sendo feitos na compreensão da biologia e do sistema imunológico da patologia.
- Em 1906, o Dr. Camillo Golgi e o Dr. Santiago Ramon y Cajal receberam o Prêmio Nobel por aperfeiçoarem novos produtos químicos para melhorar a visibilidade das células nervosas sob um microscópio.
- O Dr. James Dawson, usando a descoberta do Dr. Golgi e do Dr. Cajal, foi o primeiro a observar a matéria cerebral sob um microscópio em 1916. Suas observações específicas nos pacientes com EM foram incrivelmente completas. Ele foi o primeiro a reconhecer a inflamação ao redor dos vasos sanguíneos e os danos à bainha de mielina ao redor dos nervos causados pela EM. Suas descrições desse processo foram tão significativas que ainda são usadas hoje.
- Em 1925, Lord Edgar Douglas Adrian fez o primeiro registro da transmissão nervosa. Ele recebeu seis prêmios Nobel por seus estudos sobre a atividade dos nervos e todo o sistema nervoso. Ele foi o primeiro a reconhecer que os nervos com mielina danificada não funcionavam corretamente.
- Em 1935, o Dr. Thomas Rivers criou um modelo animal que mostrou que o tecido nervoso estava no centro da causa da EM, não um vírus. Essa demonstração passaria a ser conhecida como encefalomielite alérgica experimental (EAE), que se tornaria o modelo usado para estudar a EM no futuro próximo (ROLAK, 2003).
Avanços no Tratamento e Diagnóstico
Nos primeiros anos, tudo o que se sabia sobre a EM era o que se podia observar. Na época, acreditava-se que a doença era mais comum em mulheres, não era herdada diretamente e poderia produzir uma variedade de sintomas neurológicos.
Com o tempo, descobriu-se que a EM era muito mais complexa e começou a ser estudada mais de perto. No início do século 20, os cientistas acreditavam que a EM era causada por uma toxina ou veneno no sangue. Como a maior parte dos danos da doença foi encontrada ao redor dos vasos sanguíneos, a teoria assumiu que as toxinas circulavam no sangue e vazavam para o cérebro.4
Com o advento da EAE em 1925, desenvolveu-se uma maior compreensão da EM. Esse modelo permitiu que os pesquisadores aprendessem como o próprio sistema imunológico do corpo atacava a mielina nos nervos. Também se tornou o modelo usado para desenvolver terapias modificadoras da doença (TMDs) (CONSTANTINESCU, et al., 2011).
Tratamentos para Esclerose Múltipla da época
Nos primeiros anos da pesquisa da EM, não havia tratamento padrão ou significativo. O tratamento consistiu principalmente em repouso e evitar o calor. Diagnosticar a doença levou anos de observação.
Tratamentos para Esclerose Múltipla de agora
Embora não haja cura para a Esclerose Múltipla, hoje existem tratamentos para ajudar a reduzir o número de recaídas e retardar a progressão da patologia.
O tratamento para EM inclui:
- TMDs: Os tratamentos modificadores da doença são projetados para retardar a progressão da EM, modulando ou suprimindo o sistema imunológico e os aspectos inflamatórios da doença.
- Crises: Os tratamentos para ajudar nas crises incluem hormônios ou troca de plasma para reduzir a inflamação e a gravidade da recaída.
- Medicamentos diversos: Atualmente, existem mais de vinte medicamentos aprovados pelo FDA (órgão regulador americano) para tratar especificamente a EM. Existem também muitos medicamentos que podem ajudar com sintomas como espasticidade, tremores, fadiga e problemas de bexiga.
Diagnosticando a Esclerose Múltipla
Hoje, o diagnóstico de Esclerose Múltipla (EM) é realizado usando os critérios de McDonald, que procuram principalmente lesões no cérebro (SCHWENKENBECHER, 2019). Médicos e neurologistas também usam ressonâncias magnéticas, punções lombares e outros exames neurológicos para auxiliar no diagnóstico de EM.
Avanços na Identificação do Risco da População
A observação de que as mulheres são mais propensas a desenvolver EM ficou clara desde os primeiros estudos da doença no século 19, mas os avanços foram capazes de mostrar possíveis razões. Acredita-se que os hormônios desempenham um papel na determinação da suscetibilidade de desenvolver EM.
Hormônios sexuais, como estrogênio, progesterona, prolactina e andrógeno, foram observados como tendo um efeito sobre a frequência e o curso da doença. Esses hormônios influenciam muitos processos biológicos nas mulheres (YSRRAELIT & CORREALE, 2019).
Isso pode explicar certos fatores de risco para as mulheres desenvolverem EM, incluindo:
- Gravidez, particularmente ter filhos mais tarde na vida
- Começando a puberdade cedo
- Menopausa
Embora não haja cura para a Esclerose Múltipla, há esperança para o futuro. Nos últimos 10 anos, vários novos medicamentos foram aprovados para tratar a EM e retardar sua progressão. A compreensão das doenças autoimunes está aumentando e os cientistas estão constantemente realizando pesquisas para desenvolver novas opções de tratamento, entender a causa da EM e reduzir o tempo de diagnóstico.
Embora viver com uma doença imprevisível como a EM possa ser difícil, você ainda pode manter uma forte qualidade de vida. A maioria das pessoas com EM pode esperar atingir uma expectativa de vida normal.
Perguntas – e respostas – frequentes sobre Esclerose Múltipla e sua história
Quem teve o primeiro caso conhecido de Esclerose Múltipla?
Augustus D’Este, neto do rei George III, é conhecido como o primeiro paciente a ter Esclerose Múltipla (GARRARD & PETERS, 2012).
Quando a neurologia se tornou um campo acadêmico?
A neurologia, ou a ciência do cérebro, começou na década de 1860, quando John Hughlings Jackson formou um método neurológico completo para estudar o cérebro e o sistema nervoso (STEINBERG, 2014).
Como os cientistas identificaram anteriormente os primeiros sintomas da EM?
Muitos anos atrás, os pesquisadores usavam o teste do “banho quente” para identificar os primeiros sintomas neurológicos da Esclerose Múltipla. O calor é conhecido por piorar os sintomas neurológicos em pacientes com EM. Esse efeito é conhecido como sinal de Uhthoff.
No entanto, na década de 1980, à medida que mais testes diagnósticos se tornaram disponíveis, o teste do “banho quente” provou não ser confiável (ROLAK & ASHIZAWA, 1985).
Existe cura para a Esclerose Múltipla?
Não há cura para a EM, no entanto, existem tratamentos que podem retardar a progressão da condição.
Referências:
- NATIONAL Multiple Sclerosis Society. Definition of MS.
- GARRARD, P. & PETERS, T.J. Multiple sclerosis or neuromyelitis optica? Re-evaluating an 18th-century illness using 21st-century software. JRSM Short Rep. 2012, v. 3, n. 1, p. 1.
- ZALC, B. One hundred and fifty years ago Charcot reported multiple sclerosis as a new neurological disease. Brain. 2018, v. 141, n. 12, p. 3482-3488.
- ROLAK, L.A. MS: the basic facts. Clin Med Res. 2003, v. 1, n. 1, p. 61-62.
- CERQUEIRA, J.J.; et al. Time matters in multiple sclerosis: can early treatment and long-term follow-up ensure everyone benefits from the latest advances in multiple sclerosis? J Neurol Neurosurg Psychiat. 2018, n. 89, p. 844-850.
- CONSTANTINESCU, C.S.; FAROOQI, N.; O’BRIEN, K.; GRAN, B. Experimental autoimmune encephalomyelitis (EAE) as a model for multiple sclerosis (MS). Br J Pharmacol. 2011, v. 164, n. 4, p. 1079-1106.
- NATIONAL Institute of Neurological Disorders and Stroke. Multiple sclerosis: hope through research.
- SCHWENKENBECHER, P.; et al. Impact of the McDonald criteria 2017 on early diagnosis of relapsing-remitting multiple sclerosis. Front Neurol. 2019;10:188.
- YSRRAELIT, M.C.; CORREALE, J. Impact of sex hormones on immune function and multiple sclerosis development. Immunology. 2019, v. 156, n. 1, p. 9-22.
- STEINBERG, D.A. The origin of scientific neurology and its consequences for modern and future neuroscience. Brain. 2014, v. 137, n.1, p. 294-300.
- NATIONAL Multiple Sclerosis Society. Heat & temperature sensitivity.
- ROLAK, L.A.; ASHIZAWA, T. The hot bath test in multiple sclerosis: comparison with visual evoked responses and oligoclonal bands. Acta Neurol Scand. 1985, v. 72, n. 1, p. 65-67.
Leia mais no site da AME:
- Sobre Terapias modificadoras da doença (DMTs)
- Saiba como é feito o diagnóstico da Esclerose Múltipla
- Conheça os tratamentos para a Esclerose Múltipla
Tradução e adaptação: Redação AME – Amigos Múltiplos pela Esclerose
Fonte: Very Well Health
Escrito por Cory Martin, revisado pelo Nicholas R. Metrus, médico, atualizado em 16 de setembro de 2021.