Avaliar a cognição pode ajudar a monitorar a fadiga na Esclerose Múltipla

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A disfunção cognitiva é um aspecto comum e negligenciado da Esclerose Múltipla (EM). Existe uma grande necessidade de novas formas de mensurar para que as pessoas com EM e os(as) seus(uas) médicos(as) possam monitorar o declínio cognitivo.

Um estudo apresentado no congresso demonstrou como avaliações via internet, baseada em sistemas computadorizados, sobre memórias episódica e de trabalho e funções executiva e sócio-cognitiva, podem avaliar com precisão os domínios cognitivos que normalmente são afetados em pessoas com EM (Thorp et al, 2022).

Os dados foram coletados online através de um sistema desenvolvido pela Cambridge Cognition. Foram recrutados 102 participantes, mais da metade dos quais havia auto-relatado diagnóstico de EM Recorrente Remitente (EMRR). Ao todo, os resultados mostraram níveis significativos de comprometimento em todos os domínios cognitivos avaliados em vários participantes. No geral, os pesquisadores concluíram que as avaliações cognitivas baseadas na web podem avaliar remotamente o funcionamento cognitivo em pessoas com EM.

A pesquisadora de pós-doutorado e psicóloga do King’s College de Londres, Federica Picariello, falou sobre os mecanismos de fadiga em pessoas com EM com base em apresentações realizadas no  38º Congresso do Comitê Europeu para Tratamento e Pesquisa em Esclerose Múltipla (ECTRIMS) de 2022, realizado de 26 a 28 de outubro, em Amsterdã, Holanda.

Neurology Live: O que você considera ser o aspecto mais importante do tratamento da fadiga para as pessoas com EM?

Federica Picariello, PhD: Bem, tendemos a ignorar não apenas o tipo de estrutura geral da fadiga. Como psicóloga, concentro-me nos fatores transdiagnósticos: fatores cognitivos, emocionais, comportamentais que perpetuam a fadiga ao longo do tempo. Em nosso grupo, traçamos uma distinção muito útil em relação aos fatores que precipitam o aparecimento da fadiga. Então você tem gatilhos – que na EM ou em qualquer outra condição de longo prazo farão parte da natureza fisiológica, mas então você tem um que perpetua. Estes são fatores que são modificáveis no tratamento sem remédios, que é o que focamos.

O que infelizmente tende a não acontecer nos ensaios, é que não estamos olhando o modelo de forma abrangente. Tendemos a não estudar realmente a fisiopatologia da fadiga em detalhes. Mas também, quando estamos avaliando ensaios de intervenções não farmacológicas, os resultados fisiológicos raramente são incluídos. No entanto, será muito interessante observar todo o caminho de como o início da fadiga é precipitado e também como é mantido. Quando visamos os fatores perpetuadores da fadiga, o que acontece? Isso também muda alguns dos resultados fisiológicos? Então isso é uma parte importante do trabalho e é algo que é esquecido.

A outra coisa é, e acho que vai ser muito relevante para os médicos e para os que trabalham com pessoas com EM, é o fato de que muitas vezes não consideramos os mecanismos na prática e nos serviços. Muitas vezes nos concentramos nos indivíduos e queremos que a intervenção seja aceitável para eles. Da mesma forma, precisamos considerar como a intervenção vai funcionar na rotina de cuidados, como os profissionais de saúde vão interagir com ela, como vão rastrear a fadiga, como vão oferecer diferentes tipos de intervenções, de acordo com as necessidades. Isso é algo que tendemos a ignorar, então existe esse modelo de fadiga que precisamos entender melhor, mas também esse modelo fica no sistema. Isso é algo que não estamos realmente fazendo direito no momento.

***

Nota da AME:

Alguns sintomas podem fazer com que algumas pessoas se tornem hiper-vigilantes e isso pode aumentar a percepção aos sinais e sintomas das patologias. No caso da fadiga e a EM, um profissional de saúde poderá ajudar através do entendimento das crenças e atitudes, relacionadas com a disfuncionalidade da pessoa. Leia mais sobre possíveis fatores perpetuadores aqui.

Como os pesquisadores pretendem começar a abordar esses mecanismos subjacentes como a cognição para que possam ser criadas intervenções para melhorar a fadiga?

Em termos de motivar as pessoas a praticar exercícios, você precisa realmente explorar o que o indivíduo deseja. Os tratamentos farmacológicos são mais fáceis no sentido de que você está apenas tomando uma pílula, mas infelizmente não temos uma cura mágica para a fadiga. Requer mais esforço na hora de oferecer intervenções não farmacológicas, mais esforço do ponto de vista das pessoas com EM.

O que precisamos fazer é sempre considerar: qual é o ângulo para aquele indivíduo e o que ele quer alcançar? Não se trata de reduzir a fadiga ou praticar exercícios, mas o que eles querem fazer e o que querem ser capazes de fazer se estiverem menos cansados.

Acho que sempre, em termos de trabalho clínico – quando fornecemos terapia para pessoas com condições de longo prazo que experimentam fadiga – esse é sempre o aspecto principal. O que você quer alcançar? Como seria sua vida se você não estivesse tão cansado?

Em termos de melhorar a fadiga de forma mais global, acho que é sobre trabalhar em conjunto. Acho que é isso que falta. Psicólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, a gente meio que trabalha de um lado e os neurologistas trabalham do outro lado, a gente não se comunica o suficiente. Acho que o que precisa acontecer na prática é quase como um caminho de tratamento ou recomendações claras.

A primeira coisa é medir a fadiga no atendimento de rotina porque no momento isso não está acontecendo na prática. Não estamos obtendo uma imagem de quem precisa de tratamento. De acordo com quem precisa de tratamento, precisamos ter algumas perguntas para entender qual tratamento é o mais adequado para as pessoas com EM e isso requer tanto pesquisa, mas também serve como desenvolvimento. Essa é uma visão de longo prazo.

Qual é o impacto da fadiga na saúde mental em pessoas com Esclerose Múltipla e como isso cria um desafio adicional?

Eu acho que é o principal quando se trata de humor. A relação entre humor e fadiga é que eles são bidirecionais, mas separados. Acho que às vezes há um equívoco e às vezes sinto que a Terapia cognitivo-comportamental (TCC) está sendo oferecida para tudo. Há muitos equívocos sobre o que é a TCC, tanto da perspectiva dos profissionais de saúde quanto da comunidade médica e das pessoas com EM.

A TCC é uma ótima terapia e é muito eficaz, mas é uma constelação de diferentes técnicas, que tem um modelo de lógica de tratamento subjacente no qual a maneira como você pensa e sente e o que faz em resposta aos pensamentos e emoções, o levará a agir de determinadas maneiras que podem contribuir para como você se sente. O protocolo de tratamento precisa ser adaptado ao problema apresentado. Portanto, a TCC para depressão e ansiedade será muito diferente da TCC para fadiga.

Como seria a TCC para a fadiga?

Acho que às vezes existe aquele equívoco, que é muito importante para eu pensar e me comunicar com muita clareza. Nós, como psicólogos, precisamos fazer isso melhor. Por exemplo, a TCC para humor, o foco será abordar pensamentos negativos em relação a si mesmo, ao mundo e aos outros e chamamos isso de tríade negativa. Mas isso não é relevante para a fadiga. Alguém com fadiga experimentará pensamentos negativos em relação à autonomia e à atividade.

Quando não se sentem cansados, podem pensar que é um sinal de que vão ter uma recaída. O tratamento precisa ser adaptado a esses pensamentos específicos. Além disso, a TCC para fadiga colocaria muito foco na atividade: como alguém se envolve em uma atividade no dia a dia? Eles estão fazendo intervalos para descanso de forma excessiva e não se envolvendo nas atividades? Eles estão evitando atividades? Ou eles estão fazendo muito em um dia bom e nada em um dia ruim? Portanto, esses serão alvos de tratamento muito importantes da TCC para fadiga, mas não da TCC para depressão. Acho que isso é algo que a gente realmente precisa deixar bem claro na hora de oferecer esse tipo de tratamento.

Qual você acha que é o motivo da falta de instrumentos para mensurar a cognição e a fadiga na Esclerose Múltipla?

É falta de tempo, mas também é um pouco assustador contar a alguém que você está sentindo cansaço, e não há nada que eu possa fazer sobre isso. No entanto, é também sobre a confiança do ponto de vista dos profissionais de saúde. Então ter algo a oferecer, porque pode ser muito assustador identificar um problema e não poder oferecer nenhum tratamento para aquele problema. Além disso, a mensuração é muito difícil porque a medição da fadiga é subjetiva, é uma sensação muito complexa e subjetiva.

Embora existam tantos questionários diferentes, alguns podem ser melhores que outros, a escolha de qual seria o mais apropriado ainda não foi determinada. Há muito trabalho em andamento em relação aos resultados relatados pelas pessoas com EM e à padronização deles internacionalmente, o que é fantástico. Isso será importante. Eu acho que em termos de triagem, tem que ser algo breve e é algo que a pessoa com EM pode preencher antes de ir para a consulta. Não é algo que eles irão preencher durante a consulta e precisamos ter um sistema em que alguém possa acompanhar de acordo com sua pontuação. Pode até ser que o atendimento de um neurologista não signifique necessariamente que ele tenha que oferecer tratamento porque pode não ter tempo e ter outras prioridades.

Referências:
  1. Thorp E, Cotter J, Searle A, Cormack F, Cree F. Remote web-based assessment of cognition, mood and fatigue in people with multiple sclerosis. Presented at: 2022 ECTRIMS Congress; October 26-28; Amsterdam, the Netherlands. Poster 491
Leia mais no site da AME:

 

Tradução e adaptação: Redação AME – Amigos Múltiplos pela Esclerose

Fonte: Neurology Live, direto do #ECTRIMS2022

Entrevista transcrita por Isabella Ciccone, em 7 de novembro de 2022.

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