Paralimpíadas: Uma visão de quem quase não viu.

Compartilhe este post

Compartilhar no facebook
Compartilhar no linkedin
Compartilhar no twitter

Em regiões de interior como a que eu moro, quem não tem antena parabólica nem tv por assinatura como eu, que ainda tenho tv de tubo conectada num conversor digital furreca e a uma antena UHF ainda mais furreca, tem pouquíssimos canais à disposição. Na minha casa só tenho sinal de dois. Então a televisão ainda me faz companhia, mas cada dia dou menos importância à ela, até mesmo as novelas eu acompanho mais pelas notícias da internet do que realmente assistindo aos capítulos. Noticiário, filmes, séries, vejo tudo na internet porque a tv já não tem nada de bom pra me oferecer.

A maior bola fora da TV aberta foi ignorar solenemente as paralimpíadas. Só nos noticiários e programas esportivos se fica sabendo o que aconteceu no dia e as histórias de um ou outro atleta. Nada de cobertura jornalística e transmissão ao vivo das competições, nem mesmo dos esportes mais populares, nem mesmo daqueles envolvendo brasileiros e nem sequer daqueles com potenciais medalhas brasileiras em jogo. Se eu não tivesse internet, não veria ou saberia quase nada.

Eu já não entendo essa separação de eventos. Deveria ser uma coisa só. Um evento criado para unir os povos e para ser inclusivo, ser separado do evento principal e ter tão menos importância jornalística dispensada é no mínimo contraditório. Inclusão sem visibilidade é como nos convidar para uma festa onde não podemos aparecer nas fotos.

A abertura foi linda. Simples, mas emocionante. Até o fato da atleta Márcia Malsar cair enquanto carregava a tocha (e se levantar sozinha, o mais rápido que pôde) (leia mais sobre isso aqui) foi lindo, porque ali já pudemos sentir a grandeza do espetáculo que viria: gente que o mundo considera incapaz, inútil, estorvo, mostrando que é só gente, atleta, capaz.   

Nada de histórias de coitadinhos. Nada de histórias de "superação" (sério, cada dia pego mais implicância com isso), apenas histórias de atletas, de gente. Se tem alguma coisa diferente das histórias desses atletas para os outros ditos normais, é que para esses certamente tudo foi mais difícil e se eles têm algum mérito é o de não terem desistido de si mesmos. De resto não tem nada de muito diferente.  É esporte, é espetáculo, são vitórias e derrotas, são medalhas, pódios e hinos. Tudo lindo e emocionante igual ao evento principal. E eu não entendo a falta do televisionamento amplo e aberto desse evento já que a tv costuma explorar ao máximo a emoção das pessoas.  

Numa conversa com minha amiga Bruna que é muito melhor com as palavras do que eu, ela traduziu bem o que sinto de diferente e mais emocionante nas paralimpíadas: Nas olimpíadas, víamos patrocinadores, universidades, instituições militares e entidades de apoio sendo reverenciadas por seus atletas vencedores. Nas paralimpíadas, víamos em todos os casos, os pais, a família. Porque foram os pais e as famílias que viram nos seus filhos "condenados" à uma condição deficiente, que a maioria da sociedade vê como inútil e cruz a ser carregada, um ser humano como outro qualquer. Um ser humano que tem mais dificuldade que a maioria para executar determinadas tarefas, mas que com adaptação e apoio, são pessoas perfeitamente capazes de realizar muitas coisas, coisas que muita gente considerada "normal", não faz. Foram as famílias, mas mais particularmente os pais que investiram tempo, dinheiro e dedicação para que seus filhos não aceitassem o lugar de coitadinhos que a sociedade sempre quis lhes impor, para que não aceitassem que suas deficiências, sejam em que grau, fossem uma condenação, um sofrimento, uma prisão.

Este evento, visto por mim mais de perto dessa vez (juro que só soube que existiam paralimpíadas nas duas últimas edições, sendo que só na última que vi notícias enquanto elas aconteciam) proporcionou um envolvimento maior, uma torcida por atletas que não são conhecidos pelo grande público mas que tem inúmeras vitórias em seus currículos. Foi interessante perceber que apesar das poucas notícias sobre eles na tv eu conhecias muitos nomes e sabia suas histórias. E foi uma lição de vida pra mim. Porque estou de saco cheio de histórias de superação, de gente que é mostrada como tendo vencido na vida sozinha. Porque gente que diz que venceu na vida sozinha é muito ingrata! Gosto de histórias. De histórias de vida! De histórias de gente que saiu do fundo do poço até o alto de um pódio olímpico mas que é grato até às pessoas que lhe viraram as costas e lhes negaram ajuda porque essas pessoas fizeram com que a vontade (teimosia) de vencer se incendiasse e os carregassem pra frente!

Não acho que um diagnóstico como o de Esclerose Múltipla possa ser bom pra ninguém. Não é. É doído, é triste, traz dor, sofrimento, dúvidas e muitas mudanças nos nossos planos. Mas não é uma sentença condenatória! E como diz o ditado: "O que não tem remédio, remediado está." Se a EM ainda não tem cura, se eu recebi este diagnóstico, se vou ter que conviver com isso, então que eu faça isso da melhor forma possível e tente ao máximo tirar algo bom dessa nova realidade. E tem gente, sempre tem! Pra mim, esses quase 11 anos me trouxeram muitos amigos novos, gente especial que me ensina a cada dia e tem me feito aprender muito, a ver a vida com outros olhos, outras perspectivas. Nem sempre é fácil. Nem sempre consigo me lembrar dessas coisas boas e interessantes e caio, escorrego na depressão. Mas as coisas boas existem e me ajudam a levantar, sacudir a poeira e continuar a caminhada.

Se esses jogos nos mostram algo é que tudo é possível pra quem crê em si mesmo. Aquele papo furado de que basta só querer é mentira. Precisa apoio. TODO MUNDO precisa apoio, principalmente nos momentos mais difíceis. Mas querer e acreditar em si mesmo é essencial. Sem isso, nem todo apoio do mundo te carrega.

E nós aqui da AME estamos aqui pra isso. Para uns apoiarem os outros. A pouco tempo eu precisei de ajuda e os meus parceiros e vocês que nos leem me ajudaram muito. E eu espero com minhas experiências e minhas opiniões também ser capaz de ajudar alguém. Porque todos somos capazes de coisas grandiosas, mas sozinhos ou espalhados ficamos fracos, não temos voz, ninguém nos vê. Por isso o nosso lema é "Juntos somos mais fortes" que não é só uma frase bonita, mas uma verdade, uma realidade que experimentamos todos os dias. E eu espero que tanta gente falando sobre as paralimpiadas faça com que os organizadores repensem a visibilidade que dão a esse evento.

=========================================================

Não deixe de assistir o vídeo no final do post. Nele, uma amostra do que é a vida: Uma caminhada incerta, mas sempre em frente. É precisar de apoio para caminhar. É cair e levantar. E continuar andando.

=========================================================

N.E.: No dia da abertura das paralimpíadas, 07/09/2016, fiquei curiosa sobre a atleta que caiu com a tocha. Fiz uma pesquisa no google e as únicas referências que encontrei eram as recentes notícias sobre seu tombo na abertura e esse link aqui da página oficial do evento. Ainda hoje, tantos dias depois, a recém criada (14/09/2016) página do wikipédia com a qual linkei o nome dela, tem pouquíssimas informações. 

 
 

https://www.youtube.com/embed/9cSQ68NKK_Q

Explore mais