por Andrew Solomon
Eu tenho depressão e ansiedade. Estas condições são bem controladas na maior parte do tempo, mas quando tenho um declive profundo, ninguém facilita nada para mim a não ser que eu explique tudo a eles – um esforço desagradável na melhor das hipóteses, e fora das minhas possibilidades na pior. Quando a minha depressão aflora, eu tento ficar desaparecer, caminho tão perto dos prédios que meu ombro chega a ficar sujo. Como meus sintomas intermitentes são invisíveis, no meio de tudo eu sinto vontade de desaparecer. Não espero e nem recebo compaixão dos outros. Essa insensibilidade social é endêmica na vida de pessoas que convivem com algum sintoma ou uma deficiência permanente, que afetam seu dia a dia e que também não tem nada que sinalize externamente sua condição.
A palavra “deficiência” evoca a imagem de rampas, banheiros acessíveis, barras de apoio e outras mudanças toleradas no cenário arquitetônico. Mas um sem-número de pessoas tem sintomas que geram dificuldades que não precisam necessariamente de uma vaga de estacionamento específica. Uma pessoa com dificuldades em caminhar, mas não usa nenhum tipo de suporte, pode ser hostilizada na rua como qualquer outra. Uma pessoa autista ou com alguma doença mental, pode passar por chacota, ou mesmo ser atacada por algum comportamento específico ou antissocial.
Sintomas invisíveis podem ser mais fáceis que os evidentes de certa forma, mas podem também ser mais difíceis de outras. Eles têm as vantagens e desvantagens de serem ocultos.
A Lei dos Americanos com Deficiência, que já tem mais de 30 anos, requer que empregadores, empresas, locais públicos, meios de transporte e telecomunicações façam adaptações para pessoas com deficiências físicas ou mentais em suas atividades diárias. Mas mesmo que as adaptações para pessoas com deficiências ou sintomas invisíveis sejam obrigatórias por lei, o que constitui uma deficiência e o que constituem as adaptações é muito vago. Para muitas pessoas esta lei é um instrumento genérico e engessado que nem sempre serve às suas necessidades específicas.
Como ninguém é obrigado a revelar suas condições de saúde, não há como saber ao certo o quantas pessoas enfrentam tais problemas. Temos estimativas sobre o número de pessoas com lúpus ou fibrose cística, por exemplo, mas algumas destas pessoas podem considerar que tem deficiências, enquanto outras não. De acordo com a OMS, cerca de um bilhão de pessoas no mundo tem deficiências. Dos 61 milhões de adultos com deficiência nos EUA, um relatório do censo mostra que apenas cerca de 6% usam suportes visíveis, como cadeira de rodas ou bengala. Outros dados sugerem que 10% dos norte americanos tem algum tipo de deficiência invisível, incluindo pessoas com condições crônicas de saúde.
Com a pandemia de COVID-19, estes números devem aumentar, considerando que muitas pessoas enfrentaram problemas de saúde física e mental.
A reação da sociedade à sintomas invisíveis pode ser dura. Alguns pais de crianças com autismo relatam a dificuldade de estar em público com uma criança que parece neurotípica, mas que de repente pode ter um colapso por causa de uma superexposição sensorial. As pessoas param e encaram, dão conselhos não solicitados ou repreendem os pais por sua reação frente ao comportamento da criança. Pessoas com esquizofrenia foram poupadas de parte das reações com a invenção dos telefones celulares e fones de ouvido: ficou mais difícil dizer quem está conversando com pessoas imaginárias na rua. Porém, pessoas com psicoses não tratadas são raramente perigosas, mas seu comportamento pode ser errático ou chocante, e como nem sempre é compreendido como problema de saúde mental, pode provocar reações desagradáveis ou violência.
O que podemos fazer em relação a uma pessoa que precisa evitar muito estresse, pois pode ter uma crise de epilepsia quando é muito pressionada? O que fazer quando uma pessoa tem um quadro depressivo que a impede de ser eficiente no trabalho em alguns dias?
Estudantes que precisam de tempo extra para realizar uma prova, sofrem com olhares cínicos dos colegas, alguns podem optar por não requisitar tal acomodação por temerem o estigma. Pessoas que precisam de ambientes específicos no trabalho – uma pessoa autista que pode precisar de um escritório que não tenha luz fluorescente, por exemplo – podem atrair ceticismo ou mesmo zombaria.
Wayne Connel fundou a Associação De pessoas com deficiências invisíveis (Invisible Disabilities Association) em 1996 depois de sua esposa ter sido diagnosticada com esclerose múltipla e doença de Lyme. Ele ficou frustrado com a percepção dos outros de que ela não tinha uma condição de saúde real.
Pessoas jovens e aparentemente saudáveis, mas com sintomas invisíveis, são frequentemente acusadas de fingir sua condição ou de sugar o sistema, e precisam lutar para que seus desafios sejam reconhecidos. Algumas mulheres ouvem que são “bonitas ou atraentes demais para ter uma deficiência”.
Pessoas com sintomas ocultos podem passar por dores físicas ou psíquicas que podem não ser visíveis para outros. A especialista em ética aplicada N. Ann Davis explica que “Não há razão para acreditar que a invisibilidade de uma deficiência impacta menos ou faz ela ser menos séria”, uma deficiência, não é uma questão puramente factual, mas está sempre sendo definida ou redefinida em relação as mudanças das normas e arquitetura social. Se a legislação não aceita nuances, as deficiências e sintomas invisíveis aceitam.
Na era vitoriana, as pessoas enlutadas usavam uma faixa preta no braço ou vestiam-se de com roupas pretas conhecidas como “luto de viúva” para que os outros soubessem que elas deveriam ser tratadas com afetuoso respeito. Abandonamos estes marcadores de luto profundo. No dia seguinte a morte da minha mãe, eu estava a caminho da funerária, ninguém por quem eu passei na rua fazia ideia da minha agonia emocional, e sua ignorância aumentou minha angústia. Com frequência, a privacidade é uma desvantagem e não uma vantagem.
Conforme a expectativa de vida aumenta, os critérios de diagnósticos se expandem e a medicina salva mais pessoas que poderiam ter morrido, a proporção de pessoas com deficiências aumenta. Existe pouco reconhecimento para deficiências invisíveis nas regras e legislação trabalhista, nos EUA, no entanto.
Algumas pessoas tentam esconder sua condição mesmo de familiares. Pessoas que tem reconhecimento no lar, tem a tendência a ter melhor autoestima e a se sentirem mais confortáveis em falar sobre sua condição de saúde no local de trabalho, no entanto não há garantia que isso será positivo para eles. Revelar um diagnóstico segue sendo uma exceção e não regra. Como a acadêmica norueguesa Susan Lingson observa resumidamente “As convenções sociais ajudam o silêncio.”
A crença de que sintomas e deficiências sérios são evidentes é internalizadas pelas pessoas que se sentem mal por causa da comparação. E acham difícil lidar com as reações dos outros quando expõe sua condição de saúde. Pessoas que abrem o jogo no trabalho, correm o risco de perder promoções e ter salários menores. Pessoas que abrem o jogo socialmente, correm o risco de rejeição.
Deficiências invisíveis podem ser invisíveis mesmo para as pessoas que são afetadas por elas. Roy Richard Grinker, professor de antropologia, relações internacionais e ciências humanas na Universidade George Washington, fala sobre uma estudante que sempre se sentiu inadequada até entrar na faculdade: “Receber o diagnóstico de TDAH foi um dos melhores momentos do meu ano como calouro”, ela contou a ele e a colegas, “alguém viu que eu não era burra, nem preguiçosa, eu só precisava de tratamento”.
A pandemia trouxe a tona alguns problemas particulares das pessoas que enfrentam deficiências invisíveis. Muitas pessoas em clínicas de assistência precisaram sair devido ao risco de contágio e precisaram se virar sozinhas, ou encontrar um parente que cuidasse delas. Quando uma pessoa que precisa de um andador sai de uma comunidade de assistência residencial, o andador não é confiscado. Mas para aqueles com sintomas mais sutis, o sistema de cuidado é em si uma prótese, e foi confiscado.
Muitos que se “recuperaram” de COVID-19 vão seguir enfrentando problemas de saúde significativos pelo resto da vida. Em um momento que, de acordo com um estudo, cerca de um terço dos americanos está passando por algum problema psicológico, pode ser difícil encontrar candidatos a uma vaga com um histórico de saúde perfeito.
A pandemia pode ter aumentado o grupo dos que vivem com alguma deficiência, mas após este pico de angústia social, muitos irão retornar a norma social ostensiva (e ilusória) do capacitismo, e bem-estar generalizado. Não será surpresa se as pessoas escolherem não revelar suas limitações “recém adquiridas”, e optar por carregar o peso do segredo. O estigma da doença não derreteu durante a quarentena. Não há dúvidas que adaptação a deficiências é custoso. Porém, a não adaptação também é custosa. Pesquisas mostram que manter problemas de saúde em sigilo pode ser custoso psicologicamente e fisicamente.
Esta estratégia de manter tais questões na individualidade não traz vantagem alguma: nem a pessoa afetada, nem ao empregador, e nem a sociedade que é privada das contribuições reais que uma pessoa com sintomas invisíveis de saúde pode fazer.
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Traduzido e adaptado pela Redação AME
Texto publicado originalmente no New York Times em julho de 2020