Esclerose múltipla demanda atenção especial com a higiene bucal
Por Valentina Bressan, da Redação AME/CDD
Quem vive com esclerose múltipla precisa ter uma atenção redobrada com a higiene bucal. Tanto os sintomas físicos da doença quanto os efeitos colaterais dos remédios podem piorar o estado da boca e dos dentes – e, neles, é possível que periodontite, cáries e outras encrencas causem complicações.
Embora existam poucos estudos grandes sobre o tema, há evidências de que pacientes com essa doença autoimune são mais acometidos por problemas bucais. Por exemplo: uma pesquisa publicada em 2019 na revista Community Oral Dental Epidemiology com 1 523 pacientes na Austrália indica que, no geral, esse pessoal relata taxas maiores de sintomas como secura na boca, sensibilidade nos dentes, alterações no paladar e dor em várias áreas do rosto.
“Os principais achados nesses pacientes são cáries e doenças periodontais”, explica Julia Kohane, cirurgiã dentista especializada em Periodontia pela Universidade de São Paulo (USP). Segundo ela, as evidências mais consolidadas referem uma relação entre a doença periodontal, que acomete as gengivas, e a esclerose múltipla.
Há hipóteses para explicar esse elo entre esclerose múltipla e pior saúde bucal. Alguns profissionais alegam que cuidar da higiene oral é mais complicado em estágios mais avançados da esclerose múltipla, que comprometem as habilidades motoras significativamente.
Efeitos colaterais dos medicamentos também favoreceriam pioras na saúde oral. Alguns remédios suprimem o sistema imune, tornando-o mais suscetível a bactérias oportunistas, que também habitam a boca à espera de uma oportunidade para causar cáries, gengivites e afins.
No mais, os fármacos comumente reduzem a produção de saliva (quadro chamado de xerostomia). Além de contribuir para o mau hálito, a falta de saliva facilita o surgimento dos problemas bucais citados acima. Aliás, outro estudo, esse de 2020 e realizado na Polônia, aponta que os sintomas bucais mais frequentes de pessoas com esclerose múltipla foram boca seca e sangramento das gengivas.
Outras infecções oportunistas, como a candidíase oral, podem se aproveitar dessa situação toda. Segundo uma dissertação de mestrado de 2019 realizada na Universidade Estadual Paulista (Unesp) que avaliou com 55 voluntários, a presença do fungo Candida spp na cavidade bucal desses pacientes foi maior do que em indivíduos sem a doença.
E há uma preocupação por trás disso: quadros como a periodontite podem deflagrar complicações no corpo inteiro, inclusive no coração. Em um organismo com o sistema imune comprometido, esse risco é potencialmente maior.
A higiene adequada
Diante da esclerose múltipla, é preciso ficar especialmente atento a sinais que denunciem a deterioração da higiene bucal. O principal é o acúmulo de placa, aquela camada amarelada que aparece nos dentes e é chamada pelos dentistas de biofilme. Manchas na mucosa bucal e nódulos também alertam para infecções, como a candidíase.
Para se prevenir, não há segredo: é necessário reforçar a escovação e o uso de fio dental. A cirurgiã-dentista Julia Kohane destaca a importância da autonomia nesse processo: “É importante que o próprio paciente faça esse autocuidado até o ponto que ele conseguir. E, em um segundo momento, algum familiar ou cuidador pode fazer a higienização mais precisa de regiões da boca que o indivíduo não consiga”.
O dentista também deve orientar eventuais adaptações na escovação, de acordo com a capacidade motora. Às vezes, escovas elétricas são grandes aliadas, bem como dispositivos específicos para manter a boca aberta durante a higienização. Em alguns casos, antissépticos bucais como a clorexidina são receitados para driblar infecções no local.
Outra dica é prestar atenção ao cardápio. “É indispensável adotar uma dieta equilibrada e controlar a ingestão de açúcar e outros carboidratos, que aumentam o risco de cárie”, explica Kohane. Além disso, alimentos muito condimentados, ácidos ou gaseificados dificultam a produção de saliva e deveriam ser ingeridos com moderação.
As visitas ao dentista devem ser reforçadas de acordo com a situação de cada pessoa. Dependendo do caso, podem ser feitas visitas domiciliares ou consultas no ambiente hospitalar. Kohane destaca que “é importante que os dentistas tenham o conhecimento das doenças degenerativas”.
Isso, claro, ajudaria no cuidado a essa turma. Mas mais do que isso: se o dentista notar sintomas como parestesia (dormência) no rosto, paralisia facial momentânea ou disfunções temporomandibulares, ele pode contribuir com o diagnóstico precoce da esclerose múltipla. “Todos esses sinais e sintomas servem de alerta para encaminhar para o médico neurologista”, conclui Kohane.