ESCLEROSADA E… DOIDA?! E AGORA?

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Dizem que, de louco, todo mundo tem um pouco, não é mesmo? Mas e quando a loucura toma conta da realidade???

É a primeira vez que escrevo sobre isso em detalhes, pois é difícil conseguir transformar em palavras aquilo que nem mesmo eu consegui entender direito. Mas vamos lá: hoje vou falar do surto psicótico que tive quando recebi meu diagnóstico, o presente de grego que ganhei em minha primeira pulsoterapia.

*** Pra quem não sabe, pulsoterapia significa a administração de altas doses de medicamentos por curtos períodos de tempo. Na esclerose múltipla utiliza-se a pulsoterapia com corticoides sintéticos no tratamento das exacerbações de sintomas (surtos), que possui o intuito e diminuir a inflamação associada com o processo de desmielinização, acelerando a recuperação de um ataque agudo.

Acredito que uma das notícias mais assustadoras que recebi na vida foi o diagnóstico da esclerose múltipla. Junto com ele vêm muitas incertezas, inseguranças, dúvidas e medos. O diagnóstico, por si só, pode ser um grande motivo para nos enlouquecer. E quando falo em loucura, estou falando de alterações de comportamento, mudanças psicológicas e psiquiátricas, que prejudicam nossas faculdades mentais e raciocínio. Mas minha loucura, mal sabia eu, ainda estava por vir.

Sempre fui uma pessoa racional, apesar de ser também bastante emocional, contudo, nunca havia tido qualquer alteração de humor ou comportamento que me fizesse necessitar de auxílio psicoterapêutico – hoje sei que faz bem pra todo mundo, a qualquer momento! – Pra falar a verdade, tinha até um pouco de preconceito. Era daquelas que pensava que depressão era falta do que fazer (que vergonha!!!). Mas a realidade veio me mostrar que “doença da cabeça” é coisa séria, muito séria.

Ainda no hospital, quando comecei a receber as primeiras doses de corticoide, já apresentei algumas manifestações psiquiátricas estranhas, como ansiedade, insônia, agitação e labilidade de humor – parecia uma montanha russa.

Mas até aí, tudo dentro do esperado. Nunca havia tomado corticoide e, muito menos em doses tão altas. Além disso, acabara de receber o diagnóstico de uma doença crônica, grave e imprevisível. Quem não pirar com uma notícia dessas, talvez, é que seja louco, não é verdade?

Contudo, com o passar dos dias a coisa foi piorando. E, apesar de ter uma família (que não saía de perto de mim) bastante instruída, todos pensavam que aquilo era resultado do próprio diagnóstico, uma reação natural. Os médicos, apesar de estarem alertas, não conseguiram notar a magnitude da coisa. Até porque eu conseguia disfarçar muito bem. Tinha meus momentos de lucidez e, neles, não deixava transparecer que estava ficando, literalmente, insana.

Falando em termos médicos, eu tive alucinações visuais e auditivas, euforia, desorientação temporal, alterações intermitentes de memória, distúrbios de imagem corporal, irritabilidade, apatia, delírios e alguns outros distúrbios psiquiátricos. Falando em miúdos: tive “mania de perseguição”, “síndrome do pânico” e “crise de identidade”, isso tudo em um estado extremo de euforia.

Como eu disse, demorou um pouco para que as pessoas a minha volta percebessem que aquilo não era normal. Minha família soube que eu precisava de ajuda psiquiátrica quando uma amiga psicóloga me visitou em casa, e depois de 2 horas de conversas desconexas, ela soube que aquelas alterações não eram apenas o resultado do difícil diagnóstico que eu havia recebido dias atrás. E eu, como estava totalmente alheia a tudo que acontecia à minha volta, não compreendia que estava em surto psicótico. Teria, então, minha primeira consulta psiquiátrica, que levaria ao tratamento que me fez voltar à realidade depois de cerca de um mês de extrema loucura.

É difícil falar, hoje, o que e como eu me sentia. Muito do que vivi ficou confuso, “nublado”. Mas a verdade é que eu não sabia distinguir o que era real ou não. As poucas horas que tinha de sono se transformavam em um grande martírio para minha família, pois acordava pensando que meus sonhos eram a realidade, e que a realidade era a fantasia. Por isso, precisava de vigília 24h, com direito a dormir (quando dormia, normalmente à base de remédios) amarrada com alguém… Um certo dia sonhei que estava voando (quem não sonha com isso?) e moramos no 7º andar de um edifício. Resultado: todas as janelas trancadas e a família em completo desespero e estado de alerta. Felizmente, logo esqueci daquele “sonho” e fui para o próximo delírio.

Cada dia era uma loucura diferente: memórias e traumas do passado voltavam à tona; tinha medo de coisas que não existiam; via rostos diferentes nas pessoas a minha volta; não reconhecia meus familiares e amigos; criava realidades alternativas à minha; me projetava em personagens de filmes e livros que já havia assistido/lido; questionava religiões e me sentia um deus onipotente, que sabia tudo e não aceitava ser contrariada.

Desde o meu diagnóstico, tive muita sorte com os profissionais que cruzaram meu caminho, e com o psiquiatra não foi diferente. Ele não teve dúvidas de que eu estava em surto psicótico e precisava voltar para realidade à base de medicamentos. Com o passar dos dias – e consultas –, ele concluiu que a causa foi realmente o corticoide, e não uma propensão à transtorno bipolar ou esquizofrenia desencadeados com o trauma do diagnóstico, por exemplo.

Mas não pensem que parou por aí… Com o tratamento, fui voltando aos poucos à realidade, à dura realidade, e me vi com falta de força do lado direito do corpo e visão dupla – o que só veio a regredir totalmente com muita dedicação e fisioterapia; cerca de 10kg a menos (que, hoje, analisando bem, não seria nada ruim!); infeliz com minha vida pessoal; extremamente estressada em relação à vida profissional; e com uma doença ainda desconhecida, que carregaria para vida toda. Ou seja, depois do surto psicótico, em estado de extrema euforia, tive um efeito rebote e uma grave depressão.

Em razão da depressão, que me acompanhou até pouco tempo, fiz acompanhamento psicológico e psiquiátrico por meses à fio. Aquela pessoa que pensava que depressão era falta do que fazer, teve que aprender, à duras penas, que transtornos psiquiátricos, como depressão, esquizofrenia, transtorno bipolar, são doenças, graves doenças, que devem ser respeitadas e tratadas.

Hoje, toda vez que tenho um novo surto da esclerose múltipla, depois de consultar com o neurologista e antes de começar a pulsoterapia, me consulto com o psiquiatra, que me acompanha de perto. Normalmente, faço um tratamento medicamentoso preventivo, junto com a pulso, para evitar novos surtos psicóticos. E, por enquanto, isso tem funcionado.

Tudo isso que vivi serviu para que eu e minha família quebrássemos paradigmas e preconceitos. Foi um enorme susto, um período de grandes incertezas e medos, que felizmente foram compartilhados e, por isso, diminuídos. Aqueles que sofrem calados, certamente, sofrem muito mais. 

 

Quer ler mais sobre este assunto? Vai lá no meu Blog que continuo falando sobre surto psicótico: www.EMparaLeigos.com.

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