EM e eu (Parte I) – Uma vida-problema

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Segundo a numerologia estou no meu ano 5, um período de instabilidades, mudanças e conturbações; com seus aspectos positivos e negativos inerentes. Sem querer definir o que vivo pela numerologia, coincidentemente esses ciclos costumam casar com as minhas experiências pessoais. No momento atual de debilidade e dependência, em que sinto que apesar da ajuda de todos só eu posso fazer algo por mim, novamente me deparo com um ano 5. Assim, acredito que, se conseguir atravessar as turbulências da tempestade atual, navegarei por águas mais calmas nos próximos anos.

Dessa forma, essa série pretende pensar o eu, o self, dessa relação. É uma virada sobre mim mesmo, um olhar mais subjetivo sobre a questão. De inicio me questionei se não seria enfadonho e pouco útil escrever e ler sobre mim; algo muito restrito e até egoísta. Mas a verdade é que percebi que sempre fiz isso! É a partir da escrita que tento organizar as caixinhas que foram bagunçadas e estão fora do lugar.

Em todos os textos que escrevi até aqui estava procurando entender ou enfrentar certas condições pelas quais passava, mas que não por isso diziam respeito somente a mim ou que eram indiferentes a outros. Assim, procurei refletir sobre a possibilidade de ação e a experiência de ser cuidado. Igualmente, aconteceu com essa série “EM e X” que escrevo desde o início de 2016 e que sinto que finalmente chegou ao seu ponto derradeiro.

É como um pêndulo que gira em torno de seu eixo. Primeiramente afastado de seu centro, mas que aos poucos, em um movimento centrípeto, que vai de fora para dentro, reduz seu raio terminando em um giro sobre si mesmo. Desde 2016, tentei tratar de assuntos mais materiais ou ideológicos que atuam e interferem na vida de um sujeito e sua relação com a EM: a sexualidade, o gênero, a classe, o clima, o trabalho, a educação. Depois procurei refletir sobre as relações pessoais que se modificam com o diagnóstico: as amizades, as familiares e os relacionamentos amorosos.

A partir de 2017, comecei a pensar em questões mais pessoais: o meu papel como pai. Se antes o objetivo era refletir sobre as coisas que me atingiam, de fora para dentro. Desde o nascimento do Francisco passei a ser mais propositivo. A lógica não estava mais no que precisava aprender, mas no que desejava ensinar. Não adiantava mais só pensar a realidade, teria que atuar sobre ela. Há uma passagem da mera reflexão para a ação.

Todo esse processo parece muito coerente, bem organizado, mas a verdade é que nem imaginava o rumo que a coisa tomaria desde 2016. De início, não imaginava que a série ia durar tanto tempo, que teria de dividir os assuntos em várias partes e posts, além de que o Francisco era apenas uma ideia quando comecei a escrever sobre o tema. Falar sobre paternidade nem estava no horizonte, mas devido a uma questão prática que se colocou fiz isso: precisava pensar e aprender sobre o que era ser pai, ainda mais sendo tão dependente. Há um historiador* que gosto muito que diz que um autor é a sua própria coruja de minerva, que voa ao final do dia, tentando dar sentido àquilo que fez.  Essa nova série é um pouco isso: eu olhando do fim para o que já foi feito, mas tentando pensar no que vem pela frente.

Agora em 2018 sinto que preciso pensar sobre mim, principalmente nesse segundo semestre. Sou consciente que tenho uma doença progressiva e degenerativa, que, de certa forma, andou à galope nos últimos anos. É preciso refletir, como diria o Chico Buarque, “devagar e urgentemente”. Quem me conhece pessoalmente ou convive comigo sabe que piorei bastante de uns tempos pra cá. Mesmo reconhecendo o auxílio de todos, acho que cheguei a um ponto extremo de decadência do corpo (e isso não é uma régua usada para apontar o dedo para aqueles em condições melhores ou julgar aqueles em condições mais desfavoráveis).

A questão é que o corpo, embora seja a experiência que me motivou a pensar sobre a minha atual condição, nesse caso, não pode ser tomado como referência, só a reflexão interna. O movimento deve ser de dentro para fora, obrigatoriamente. Esse é um pouco o drama do corpo doente: se inserir em um mundo que lhe é avesso, física e mentalmente, e, ao mesmo tempo, caso aceite a tarefa de ir além do corpo, denunciar a doença dessa sociedade que lhe exige o mesmo ritmo e as mesmas escolhas dentre aquilo que é considerado normal. Assim, levo a vida como um problema. Não no sentido de ver a minha existência como uma dificuldade ou adversidade; algo que atrapalhe. Mas como uma investigação necessária; um objeto de análise constante.

* O historiador em questão é o John Pocock.

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