“Encanto” fala da busca por si mesmo, da honestidade em sermos vulneráveis, lidando com as nossas imperfeições. A profundidade do filme fez Calie Wyatt, mulher com Esclerose Múltipla, mãe de trigêmeos, assisti-lo centenas de vezes, o que resultou em uma bela reflexão sobre a vida e a condição da EM. Boa leitura!
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Meus trigêmeos têm dois anos e meio agora e estão obcecados com o novo filme da Disney, “Encanto”. É um filme acolhedor, familiar e agradável. Segue a história dos Madrigal, uma família colombiana que recebeu dons mágicos após sobreviver à uma tragédia.
Já assistimos a “Encanto” centenas de vezes até agora. Posso ver como me identifico com muitos dos personagens e percebo uma nova mensagem a cada vez.
Se você não viu, este artigo terá alguns spoilers. Eu sinto que como alguém com Esclerose Múltipla (EM) ou alguém que luta com a autoestima e sentimentos de solidão, “Encanto” é um belo filme com o qual muitos podem se identificar.
[Nota da AME: contém spoilers do filme “Encanto”]
Encontrando a magia
Após a tragédia de perder o marido, a abuela Alma deve fugir com seus trigêmeos, que são bebês na época. Durante esta jornada desafiadora, ela se depara com uma vela mágica. Enquanto suas lágrimas de tristeza pingam na vela, ela descobre que a vela ganha vida. A vela contém uma grande parte do enredo; não foi um achado incidental. Era um farol de esperança. Permitiu à sua família refúgio e segurança quando eles passavam por tempos difíceis. Ajudou a dar-lhes a sua Casita mágica, a sua casa.
A vela também deu dons mágicos para seus filhos, e também aos seus netos. Cada filho e neto usa seu dom único para servir e apoiar a comunidade. Os dons variam desde controlar o clima à mudar de forma, ter força extrema, curar através da comida, criar flores e beleza nos ambientes, capacidade de ver o futuro, ouvir os pensamentos das pessoas e conversar com animais. Cada filho e neto recebe seu dom através de uma cerimônia. Durante essa cerimônia, a criança abre a porta de seu quarto designado. Uma vez que eles tocam a maçaneta, a revelação de seu dom único começa. Uma sala é revelada atrás de cada porta, adaptada a cada pessoa e seus talentos mágicos.
Quando você sente que é diferente
No entanto, quando uma Mirabel criança (a personagem principal) abre a porta durante sua cerimônia, ela descobre que não recebeu um dom. Nada de especial acontece quando ela toca a porta, deixando-a confusa e desapontada. Esses sentimentos são especialmente aparentes vindos de sua abuela.
Mirabel quer contribuir e ajudar sua família; no entanto, ela sente que fica aquém porque não tem um dom. Mirabel luta para permanecer otimista e sente que não se encaixa com sua família. Ela muitas vezes involuntariamente se sente isolada e sozinha porque é diferente de sua família. Na cerimônia de seu primo Antônio, enquanto ela vê a alegria de todos quando o dom do menino é revelado, fica evidente como Mirabel se sente sozinha. Ela canta a música “Só um milagre pode me ajudar”, versão brasileira da cantora Mari Evangelista, (a versão em inglês é chamada “Waiting for a Miracle”, interpretada por Stephanie Beatriz):
“Eu me sinto tão só
Já cansei de sofrer
Esperando pra ver a porta brilhar, pra um dia entrar
Só queria mudar
Só queria tentar
Só queria fazer você me enxergar
Abra o olhar
Abra o olhar
Abra o olhar
Ergueria os montes
E faria florescer
Só preciso entender o que fazer
Um milagre pode me ajudar, me ajudar
A curar as mágoas
Só assim iriam ver
Quem eu me tornei
O que eu vou fazer?
Cadê um milagre pra me ajudar?
Me ajudar
Eu consigo
Sei que eu consigo
Eu só quero que contem comigo
Toda nossa família ganhou o seu dom
Mas ninguém pode me ajudar
Talvez não dê mais pra me ajudar”
[Nota da AME: Selecionamos o trecho da música em português conforme seleção original da autora deste texto, em inglês. Ver artigo original aqui.]
Você pode estar se perguntando: o que “Encanto” tem a ver com a Esclerose Múltipla?
Tantas vezes, eu senti o que Mirabel expressa nesta música. Não tenho nenhum desejo de ficar à margem sendo vista de forma diferente. Quero que as pessoas vejam tudo que sou capaz. Para ver como estou desejando brilhar apesar da Esclerose Múltipla.
É através da Mirabel que nos relacionamos com a busca da autoaceitação. Através dela, vemos a honestidade em ser vulnerável e aprender a ser diferente no mundo. Para abraçar nossas imperfeições.
Aprender a trilhar nosso caminho apesar de não nos encaixarmos nos outros ou nos sentirmos excluídos. Ao longo do filme, você também vê como, apesar de receber dons únicos, os outros membros da família Madrigal também têm suas lutas. Para Mirabel, eles podem parecer extraordinários, mas a pressão que esses dons exercem sobre eles pode ser um fardo. Nem sempre é mais verde do outro lado.
A lição que não percebemos que precisávamos
Eu amo cada personagem do filme, e eu amo a mensagem por trás do filme. A trilha sonora é incrível, e cada música é aberta para interpretações. No entanto, acho que o que mais amo é que a magia que os Madrigal têm não é aleatória, nem vem de um lugar de felicidade. Sua magia se manifesta apesar da abuela e seu marido passarem por imensas tragédias e traumas no passado.
“Encanto” termina com um final feliz, mas não é o final feliz mágico e irreal típico da maioria dos filmes da Disney. É um final feliz em que Mirabel encontra autoestima e felicidade ao reunir sua família novamente. Apesar de suas diferenças e do sentimento de que ela não se encaixa com todos em sua família, Mirabel encontra sua magia em ser fiel a quem ela é e se aceitar.
Como alguém que muitas vezes se sentiu diferente devido à Esclerose Múltipla e à idade do meu diagnóstico, Mirabel é uma inspiração. Ela é uma personagem que mostra garra e determinação. Ela é inspiradora para muitos que já se sentiram como um pária ou se sentiram menos do que isso. Ela prova que ser vulnerável em suas diferenças pode parecer solitário e isolado, mas também pode ser bonito.
Através dela, aprendemos que a vida é cavar fundo e encontrar nossa magia interior, apesar de parecer que ela vem facilmente para todos os outros. Ela mostra que a vida nem sempre é o que imaginamos, mas temos a magia e o poder de viver uma vida linda.
Não só isso, mas podemos ajudar outras pessoas no processo. No início do filme, uma garotinha diz para Mirabel que ela deve estar triste porque não tem um dom. Mirabel responde: “Bem, meus amigos, não estou triste porque com ou sem dom, sou tão especial quanto todos os outros”.
Devemos falar sobre…“Encanto” e Esclerose Múltipla
Muitas vezes quero mergulhar em sentimentos de tristeza devido à Esclerose Múltipla. Os sentimentos de ter uma doença e as diferenças pesam. Mas, vou terminar com isso:
Bem, meus amigos, não estou triste. Porque, com ou sem EM, sou tão especial quanto todos os outros. A EM pode mudar minha saúde, mas certamente não precisa mudar quem eu sou ou quem desejo me tornar. Eu sou tão especial, e espero que você se lembre de que todos vocês também são.
Se você assistiu ao filme e gostou, eu adoraria saber sua opinião! Com qual personagem de “Encanto” você mais se identifica?
Beijos e abraços
Cali
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Tradução e adaptação: Redação AME – Amigos Múltiplos pela Esclerose
Fonte: Multiple Sclerosis
Escrito por Calie Wyatt, em 3 de maio de 2022.