Refletindo sobre a ação

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A princípio, pensamento e ação são colocados como polos opostos, coisas contraditórias. Dizem que quem muito pensa, pouco age. Assim, parece algo sem sentido refletir sobre algo que simplesmente se faz. No entanto, tal questão me tem sido recorrente. Ao depender dos outros para tarefas simples é que você vê que agir não é algo tão natural quanto se pensa e passa a dar mais atenção e refletir sobre seus limites. Às vezes, uma simples ida ao banheiro exige reflexões e estratégias que antes não figuravam como motivo de preocupação. 

Lembro-me da peça Hamlet, de William Shakespeare, talvez o texto do dramaturgo inglês em que mais a ação é pensada. O príncipe da Dinamarca passa toda a trama bolando estratégias para descobrir a verdade sobre seu tio e o fantasma de seu pai assassinado. A vingança não desaba em uma ação irrefletida, mas é cuidadosamente analisada. No meio da peça, profere o conhecido solilóquio do “ser ou não ser”, e parece sofrer por pensar demais. O indagamento e inação de Hamlet é pertinente. Apesar da demora em levar a cabo sua tarefa vingadora, evita uma ação imprudente e age com certeza. Negocia o tempo todo com o mundo à sua volta: as hierarquias e cerimônias que deve seguir; os riscos políticos sob os quais estão postas suas ações; a credibilidade que podia por nas palavras do fantasma. A negociação é necessária e estratégica.

Isso certamente se aplica a alguém que vive a experiência de uma doença crônica, pois deixamos de possuir um mundo que nos era conhecido e passamos a ter que se adaptar a novas rotinas, condições e a desenvolver novas estratégias. Mesmo no melhor dos casos, a esclerose nos exige um ritmo de vida mais leve e, no possível, menos estressante.  Nesse sentido, como disse mês passado, nossas ações precisam ser negociadas, seja para se conformar ou negar o que nos é conhecido. No entanto, queria deixar mais claro nesse post o que digo por negociação e pensar a ação em si e as experiências que lhe cercam. Para mim, qualquer ação, mesmo que se dê de forma inconsciente, carrega 6 fundamentos básicos, que são cíclicos e que podem nos auxiliar a refletir sobre essa questão:

1. Descritivo (o que é) – esse é o ponto mais simples da ação. Apenas uma descrição daquilo que se pretende realizar.

2. Intencional (o que se pretende) – esse ponto procura indicar as intenções que levaram uma ação a ser executada. Às vezes, descrição e intenção são equivalentes (você pode descrever que quer ir ao banheiro e ter verdadeiramente essa intenção), outras não (você pode dizer que quer ir ao banheiro para fugir de uma conversa desagradável).

3. Reflexivo (como) – Esse é o momento em que são analisadas as condições apresentadas e se pensa as estratégias para efetuar uma ação. Por exemplo, se quisermos ir ao banheiro, será preciso analisar o caminho e como fazer para chegar até lá: há escadas? Há onde se apoiar? Há alguém para nos ajudar ou estamos por nossa conta? Precisamos realmente de ajuda?

4. Psicológico (relação daquela ação com o “Eu”) – o que aquela ação inspirou em nós: medo, euforia, ansiedade, tristeza, alegria etc. Ao fim, descreve como vivenciamos aquela ação e suas consequências. Por exemplo, uma experiência que se iniciou com medo pode ter-se transformado em euforia, tendo como consequência a alegria de uma conquista a respeito de algo que você mesmo não acreditava ser capaz ou a tristeza e a dor moral do fracasso. Como lidamos individualmente com isso?

5. Social (relação daquela ação com os outros) – quando realizamos ou deixamos de executar uma ação ela tem repercussão no mundo que nos cerca. Ao mesmo tempo, esse mundo coloca sobre nós o peso de tudo aquilo que existe. Quando agimos precisamos lidar com medos, estereótipos, estruturas física, discursos, modos de produção etc. Material ou imaterialmente entramos constantemente em negociação com dispositivos que interditam ou impulsionam uma ação. Assim como o preço é um limitante para uma ação (compra), uma escada pode ser para um cadeirante ou histórias de terror para uma criança.

6. Reativo (a reação gerada por sua ação) – Nossas atitudes ao desafiarem ou se conformarem ao que aí está, geram reações. Algumas vezes por nós desejada e esperada, (conseguir chegar a algum lugar, obter algo, gerar certo sentimento em uma pessoa etc), outras nem tanto (um tombo, uma pessoa ou obstáculo no trajeto, uma atitude inesperada etc). Esse aspecto, na verdade, é a resposta dada à sua ação e dialoga com todos os outros princípios anteriores. A sua intenção inicial pode não ser bem recebida ou compreendida. Aquela atitude pode não sair como era esperada, seja no plano que traçou (o arrumar a mesa pode acabar em um prato quebrado) ou na sensação que esperava sentir (algo que era para ser alegre se torna extremamente desagradável ou o contrário). Os outros (a sociedade) não aceitam bem tal ação ou a impulsionam e a expandem. E aí, como você lida com isso? Como você lida com as respostas que lhe foram dadas?

Enfim, em cada tópico poderia escrever um monte de exemplos, mas não é o objetivo aqui. Cada ação realizada seria algo individual, dependendo da condição e da pessoa, ocasionando uma infinidade de variantes. E isso vale também para o destinatário direto ou indireto dessa atitude. Quem recebe pode ter igualmente distintas e inesperadas reações.  Por isso, há de se prestar atenção principalmente no que chamei de ponto 6 (reativo). Ao efetuar uma ação é gerada uma reação (esperada ou não) e novas estratégias e negociações são necessárias, fechando o ciclo. Voltamos à descrição da nova ação que pretendemos realizar, precisando refletir sobre sua execução e sentimentos que serão tratados individual e socialmente. 

Não quero dizer, com isso, que esses 6 tópicos estão em nosso pensamento o tempo todo. Senão viveríamos um “drama hamletiano” em cada movimento. Pareceríamos aquele antivírus que deixa o computador lento porque escaneia o mínimo movimento do mouse. O que quero dizer é que mesmo que inconscientemente nossas ações, em negociação com o mundo, dialogam com isso. Nesse sentido, não há fórmulas prontas. Cada um terá suas próprias estratégias para as mais distintas tarefas cotidianas e às reações dos outros frente as nossas atitudes. Às vezes, a EM nos força a pensar nisso, unindo pensamento e ação, polos que antes pareciam contraditórios.

 

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