A Esclerose Múltipla (EM) é uma condição neurodegenerativa crônica caracterizada por uma ampla gama de sintomas. Conhecida por ter um prognóstico imprevisível, caracteriza-se por causar lesões no sistema nervoso central, o que dificulta o envio de sinais pelo cérebro para o resto do corpo. Ainda sem cura, há controle para os sintomas e a progressão da doença.
Os sintomas variam entre fadiga, dificuldade para caminhar, problemas de visão e discurso. De maneira geral, não existe uma manifestação neurológica típica, porém alterações visuais, fraqueza nos membros, desequilíbrio, descoordenação, alterações de sensibilidade e distúrbios urinários são as queixas mais frequentes.
A rotina e as tarefas da vida diária se tornam mais complexas na medida em que a EM progride, o que pode afetar a qualidade de vida das pessoas com a condição. Muitas vezes, as pessoas precisam de ajuda dos cuidadores ou familiares, o que pode transformar as relações sociais, também no trabalho e na dinâmica social.
Esse impacto na qualidade de vida depende ainda de múltiplos fatores, relacionados ao nível de impedimentos que a pessoa tem, além de fatores individuais, como suporte social, educação, idade ou emprego.
Um estudo de 2020 realizou uma revisão sistemática nas principais bases de dados científicas do mundo e analisou 106 artigos escritos em inglês, entre 2014 e 2019. De acordo com eles (Gil González, et al), os fatores clínicos e psicossociais de risco (deficiência, fadiga, depressão, deficiência cognitiva e desemprego) e de proteção (alta autoestima, autoeficácia, resiliência e apoio social) são importantes para a qualidade de vida na EM.
Confira o que a ciência tem a dizer sobre os fatores de risco e proteção à qualidade de vida na EM:
Dor física (fator clínico)
Alguns estudos mostram que há uma correlação entre a dor física e a redução da qualidade de vida. A dor é um sintoma frequente na EM, observado em aproximadamente 50% das pessoas.
Prejuízo funcional (fator clínico)
Uma das causas que mais diminuem a qualidade de vida na EM é o prejuízo funcional, a capacidade de realizar tarefas do dia a dia. O tempo de duração da doença, o tipo de progressão, início e recaídas nos últimos meses também são fatores relevantes, que afetam negativamente a qualidade de vida.
Fadiga (fator clínico)
A fadiga, um sintoma encontrado em cerca de 80% das pessoas com EM, foi identificada como um dos principais fatores de risco para diminuição da qualidade de vida.
Deficiências motoras e sensórias (fator clínico)
A paralisia, a dificuldade para se locomover, o equilíbrio, a rigidez e espasmos, especificamente a dor e a espasticidade, além da baixa sensibilidade sensorial são importantes fatores que influenciam a qualidade de vida.
A espasticidade é um distúrbio motor devido a danos no sistema nervoso. Essa condição altera a rigidez do músculo, ou seja, há um aumento no tônus muscular, causando contração involuntária dos músculos; dificuldade para dobrar as pernas ou braços; dor nos músculos afetados; cruzamento involuntário das pernas; deformidades nas articulações e até mesmo espasmos musculares.
Outras disfunções (fator clínico)
Problemas da bexiga, disfunção intestinal, problemas sexuais e de sono contribuíram para uma menor qualidade de vida.
Prejuízo cognitivo (fator clínico)
Diversos prejuízos cognitivos, como fadiga cognitiva, perda de memória e diminuição da capacidade de se planejar e se organizar foram relacionados com grande risco para a qualidade de vida.
Problemas x estabilidade emocional (fator psicossocial)
Alguns estudos relacionaram os problemas com os sintomas emocionais com um efeito prejudicial para a qualidade de vida. Os sintomas emocionais mais estudados foram depressão e ansiedade, e outros foram altos níveis de estresse, expressão da raiva e apatia. Todos estes foram considerados fatores de risco, já a estabilidade emocional foi relacionada a um aumento da qualidade de vida.
Exercícios e qualidade de física (fator clínico)
Muitos pesquisadores determinaram que exercícios e atividades físicas estão correlacionados com a melhoria da qualidade de vida de pessoas com EM e que a implementação da reabilitação física também pode ajudar em uma melhora significativa.
Personalidade (fator psicossocial)
O papel dos domínios da personalidade foram explorados em diferentes estudos e os temperamentos ciclotímico (variação entre o humor eufórico e depressivo) e depressivo foram associados a uma menor qualidade de vida na EM. Já o temperamento hipertímico (personalidade otimista, com boa disposição) foi associado a uma maior qualidade de vida.
Estratégias de enfrentamento (fator psicossocial)
O enfrentamento ativo, através da resolução de problemas, com planejamento de resolução de problemas, reestruturação cognitiva positiva, com apoio social emocional e instrumental, expressão emocional, aceitação e crescimento foram relacionados a uma maior qualidade de vida na EM. Aprender a usar estratégias de enfrentamento de emoções desagradáveis pode ajudar.
Já as estratégias evitativas, com desengajamento comportamental, distanciamento, auto distração, negação, focadas na emoção e desabafo, retração social, pensamento ansioso, autocrítica, estratégias de autocontrole foram associados a uma menor qualidade de vida.
Outros fatores psicossociais
A aceitação da doença e a resiliência foram relacionadas como fatores protetivos para a qualidade de vida. Altos níveis de autoconfiança nas atividades, autoestima, aceitação e engajamento com a doença e senso de coerência se correlacionaram com maior qualidade de vida.
Fatores sociais e demográficos
O apoio social e a participação foram positivamente relacionados com a qualidade de vida. Ter um emprego foi o principal fator sociodemográfico que influencia nessa qualidade. Vários estudos exibiram uma associação entre desemprego e uma qualidade de vida inferior. Outros mostraram uma correlação positiva entre empregos adaptados à deficiência, compatibilidade com o emprego e satisfação no trabalho.
Um baixo status socioeconômico e dificuldades financeiras foram relacionados a fatores de risco para menor qualidade de vida. Não ter acesso a um tratamento farmacológico adequado também coloca essa qualidade em risco. Além disso, outro grupo de pesquisadores encontrou que uma experiência de tratamento positiva seria um fator de proteção à qualidade de vida.
Outros fatores relacionados a uma menor qualidade de vida na EM foram o gênero (masculino), pessoas com mais idade e solteiras, enquanto que ter Ensino Superior foi um fator de proteção.
Conclusão
Ao falarmos em qualidade de vida na EM, é importante levar em conta um amplo espectro de abordagens, tais como fatores clínicos, intervenções psicológicas, como atenção plena, terapia cognitivo-comportamental, grupos de autoajuda e autogestão.
Por fim, os autores do artigo (Gil-González) explicam que uma avaliação biopsicossocial adequada é de vital importância para tratar os riscos e promover a qualidade de vida nas pessoas com EM.
Fonte: Gil-González I, Martín-Rodríguez A, Conrad R, et al. Quality of life in adults with multiple sclerosis: a systematic review. BMJ Open 2020;10:e041249.
Tradução e adaptação: Redação AME – Amigos Múltiplos Pela Esclerose