Carta a meu filho

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Meu filho querido,

Você sabe, porque já te contei, que eu soube da vida que crescia em mim na mesma manhã ensolarada em que ela foi plantada. Você deve estar lembrado também que ainda hoje, tanto tempo depois, posso sentir teus pezinhos nas minhas costelas quando te guardava quentinho dentro de mim. Acho que você já deve estar bem cansado de saber, porque sou muito repetitiva (Ah… Desculpa,  eu me repito!), como tenho orgulho de você, como te amo e como sou grata por você ter chegado no momento em que chegou. Desculpa as vezes em que não soube como agir nem o que dizer. Desculpa a ansiedade, meu falar pelos cotovelos, as ordens, as repetições, eu dizendo o que você deve fazer porque é o melhor pra você, pra sua saúde etc, etc, porque eu sei: não paro de falar e de me repetir. Pra ser sincera, eu não tinha planos de ser tão clichê nem tão dramática quando tinha tua idade. Aos 17 anos minha timidez e ingenuidade não eram obstáculos à minha arrogância. Pensei que quando tivesse um filho quase adulto seria sábia  e madura o suficiente pra saber sempre o que dizer e como me comportar. Pensei que os anos me trariam a palavra no momento certo, a força no segundo exato em que os que mais amo precisassem e a calma necessária a quase todas as circunstâncias. Seria talvez mais bonito dizer que o futuro da menina lhe tenha trazido o equilíbrio na dose certa. Mas é bem mais verdadeiro dizer que ela tenta. Ela tenta. Tenta ser uma pessoa boa e uma mãe presente. Mas há algo, filho, que ela nunca tentou: ela nunca se esforçou para amar. Depois de uns anos complicados, o amor veio calmo, surgindo aos poucos, crescendo a cada dia na forma de um menino que achava já ser homem. Depois o amor se transformou num pedaço deles dois que mudou a vida inteira por completo. E esse novo amor veio vindo. No primeiro olhar pra criaturinha ainda vermelha e inchada, na primeira tentativa de alimentar ao seio enfaticamente rejeitada, na primeira noite sem dormir:

– Enfermeira, você pode ajudar? – Qual o problema, senhor? – É que ele não dorme e não para de chorar. – Ah… senhor… É assim mesmo. Vocês vão se acostumar.

Gargalhada sonora do outro lado da linha. Duas jovens caras  assustadas aqui desse lado. Uma mãe de primeira viagem que pega o bebezinho de menos de um dia e decide dormir com ele agarrada feito dois macaquinhos. O olho assustado do pai de vinte anos e pouquinho que sabe como ela se mexe e como ela vai poder matar o bichinho naquela mesma primeira noite. Mas a mãe não mexe nem um dedo essa noite inteira. E os três dormem juntos, na santa paz: mamãe e bebê numa cama estreita de hospital, papai na cadeira ao lado. 

O amor foi crescendo, filho, sem esforço algum no primeiro riso, no primeiro passo, no primeiro corte de cabelo (papai e mamãe chorando disfarçados com pena dos cachos tão pretos espalhados pelo chão. Guardaram um num saquinho de plástico como se quisessem trancar o tempo e o amor pela eternidade).

O amor não diminuiu, filhinho, mas se multiplicou em outros dois seres que chegaram depois, em outros tantos milhares de dias que vieram depois. O amor se tornou ainda maior nas viagens que fizemos, nas vitórias que tivemos, nas vezes em que choramos e em que rimos. O amor se tornou imenso nos jantares e almoços que compartilhamos, nos dias de festa, nos dias de trabalho, por causa dos mal-entendidos e das reconciliações, por causa das dores e das alegrias. E, por causa do amor ele mesmo, nossa vida é o que é hoje.

Nesse dia das mães eu queria te dizer que posso passar todos os meus próximos dias das mães sem precisar ganhar presente. Posso passá-los todos sem que você precise trabalhar desde as seis da manhã porque quer me preparar um almoço especial com direito à aula de história pra que eu entenda a origem de cada prato. Poderia passar esse dia sem que você precisasse ter saído ontem e ido no shopping mesmo com o corpo doendo e a cabeça cheia. Saiu pra fazer algo "que não podia me contar¨. Poderia ter passado um dia das mães sem tudo isso, embora cada gesto teu tenha enchido meu coração de alegria e de amor. Mas o que eu não posso, meu filho, ou o que posso, mas muito mal, de maneira muito sofrida, muito doída é te ver sem sorrir ou achando que a vida não vale a pena. Ou que o futuro tem um ar cinzento. Ou que você não é capaz de viver teus sonhos. Isso, filhote, eu não posso. Ou posso de uma maneira muito sofrida, de uma maneira muito doída. Por isso, filhinho, escute tua mãe: conheça todos os países que você quer conhecer, ame todas as pessoas que você deseja amar e permita que o amor venha calmo, intenso, verdadeiro. Cuide do seu corpo como o mais dedicado dos fiéis cuida de seu templo. Cuide da sua alma. E seja grato, meu filho. Não esqueça nunca, por favor, de ser grato. 

Com amor,

Tua mãe. 

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