A ciência, a saúde, o médico e o paciente

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O que um médico pode, ou não pode escrever em blog de uma associação de pacientes? Ou melhor, o que um médico deve, ou não deve escrever, em um blog de uma associação de pacientes? Recebi sugestões e dicas, mas resolvi aproveitar este primeiro espaço para mostrar como, em alguns momentos, é tão difícil traduzir o conteúdo científico para quem está sentado à nossa frente e, como outras, a criatividade e experiência do médico devem ser consideradas a frente desta ciência.

Vamos começar com um exemplo simples, em um diálogo:

Denis: mas meu amigo, entenda, a medicina não é uma ciência exata…

Amigo: Dê, mas você não conhece as taxas de complicações e sucesso de alguns tratamentos?

Denis: bom, é verdade, se tomarmos o exemplo de um cateterismo, por exemplo, as taxas de complicações variam de 0,5 a 2%, dependendo do paciente e da situação clínica.

Amigo: viu, dá para quantificar e ser um pouco mais preciso!

Denis: pois é, amigo, mas quando algo errado acontece, e neste caso estamos falando de intercorrências previstas e não erro médico, para aquela pessoa que tinha 2% de risco e a intercorrência aconteceu, para ela, é 100%!

O diálogo acima, travado com um de meus melhores amigos há mais de 10 anos, serve para exemplificar como pode ser difícil extrapolar que aqueles “45% de redução de risco relativo de progredir”, “50% na taxa de redução de atrofia cerebral”, ou “3% de risco de herpes”, ou “5/1.000 de desenvolver LEMP”, é às vezes difícil de quantificar objetivamente e prever (ou provar) o que vai acontecer com aquela pessoa na nossa frente. É fácil discutir e apresentar a casuística de um grupo, de um trabalho cientifico com 1.000 pacientes em cada braço (droga A vs. droga B ou droga A vs. placebo), mas nem sempre é fácil saber em qual destes “braços” de porcentagem aquele paciente irá cair.

Alguns sabem que eu comecei minha carreira como médico de família, não formalmente, mas nos últimos 3 anos de faculdade eu acompanhei um grupo que trabalhava nesta área, atendia em serviços como voluntário e com eles aprendi muito. Segui uma especialidade, e depois uma sub-especialidade, por também gostar de pesquisa e da área neurológica, mas a base de toda atividade clínica parte de um conceito geral, de ver a pessoa como um todo e entender todas as suas necessidades, e por isso que, algumas vezes, médicos diferentes podem dar opiniões diversas sobre uma doença e seu tratamento, e em muitas vezes todas as opções são possivelmente corretas. Isso será cada vez mais verdade quantas mais opções de tratamento existirem para uma certa doença, e isso sim valerá para os anos a nossa frente no tratamento da esclerose múltipla. Excelente, fico muito feliz com drogas novas, melhor e mais opções a nossos pacientes, mas isso significará também maior multiplicidade de opiniões (possivelmente corretas).

McWhinney1 divide as bases da medicina de família em 4 quadrantes (table 1): o médico, o paciente, a doença e o sistema de saúde.

 

 

 

 

 

Cabe ao médico oferecer a melhor interação entre o doente (valores pessoais e expectativa) e a doença (fisiopatologia e anatomia) dentro do sistema de saúde em que eles atuam (figure 1).

Um foco extremo no paciente torna o atendimento excessivamente paternalista, um foco na doença muito técnico, um foco no médico um tanto egoísta e um foco excessivo no sistema muito impessoal. Acredito que o mesmo valha para a atuação em neurologia clínica e para o atendimento de pessoas com esclerose múltipla e outras doenças desmielinizantes, respeitando balizas culturais e políticas, pois a prática pode ser diferente em diferentes países do globo.

Tentarei ser técnico e humano em minhas postagens, aceitando sugestões de temas e sempre me balizando por informações científicas sólidas.

Nos vemos novamente em breve.

 

1. Developing the Knowledge Base of Family Practice Kurt C. Stange, MD, PhD; William L. Miller, MD, MA; Ian McWhinney, OC, FPPC, FRCP Fam Med 2001;33(4):286-97 

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