Bom dia, boa tarde ou boa noite, escleroamigue. Espero que esse texto te encontre bem!
Julho ainda não acabou! Então hoje o texto é todinho dedicado a nós mulheres negras latino-americanas e caribenhas.
Dia 25 de Julho é o dia da mulher negra latino-americana e caribenha. A visibilidade dessa data venha crescendo, principalmente com as discussões nas redes sociais sobre antirracismo, luta pela igualdade racial e vivências de pessoas negras, sobretudo mulheres. Mas vale ressaltar que a data é uma conquista advinda de um processo histórico.
No entanto, eu não tenho a intenção de sintetizar aqui, no meu humilde texto de poucas páginas e caracteres, milênios da nossa história. Mas a gente pode dar uma pincelada em fatos importantes de saber, que tal?
Bora lá?
Falar do Movimento de Mulheres Negras é falar sobre Movimento Negro, principalmente no Brasil. Para isso, penso que é crucial refletir com quem viu e participou da história enquanto ela acontecia. Vamos então dialogar aqui brevemente com Nilma Lino Gomes. De acordo com Nilma (2017), em seu estudo sobre o Movimento Negro Educador, podemos compreender Movimento Negro como:
[…] as mais diversas formas de organização e articulação das negras e dos negros politicamente posicionados na luta contra o racismo e que visam à superação desse fenômeno na sociedade. Participam dessa definição os grupos políticos, acadêmicos, culturais, religiosos e artísticos com o objetivo explícito de superação do racismo e da discriminação racial, de valorização e afirmação da história e da cultura negras no Brasil, de rompimento das barreiras racistas impostas aos negros e às negras na ocupação dos diferentes espaços e lugares na sociedade. Trata-se de um movimento que não se reporta de forma romântica à relação entre os negros brasileiros, à ancestralidade africana e ao continente africano da atualidade, mas reconhece os vínculos históricos, políticos e culturais dessa relação, compreendendo-a como integrante da complexa diáspora africana (Gomes, 2017, p.23-24).
A partir de sua própria trajetória, a professora realizou esse estudo debruçado em apresentar em seu pós-doutorado o caráter pedagógico do Movimento Negro enquanto agente educador social, político e cultural. Para ela, que foi Ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR 2015) e do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos (2015-2016) no governo da presidenta Dilma Rousseff, o Movimento Negro é Educador porque é produtor de conhecimento desde sempre. Ou seja, ele se educa e reeduca enquanto o faz também com a sociedade, seja reivindicando ou manifestando nas vivências e expressões culturais.
Considerei importante fazer brevemente esse diálogo, pois não posso falar de nós sem nós. Por isso, referenciar quem veio antes, abrindo os caminhos, nos contextualiza para relembrar que nossos passos vieram de muito longe. Então eu considero esse movimento fundamental para compreender os caminhos até aqui para seguir adiante.
O protagonismo das Mulheres Negras
Nesse processo de lutas históricas, claro, não podemos deixar de mencionar o protagonismo de Mulheres Negras em pautas fundamentais para a população negra como um todo, e o 25 de julho parte desse reconhecimento. A data do 25 de julho foi definida em 1992 como dia Internacional da Mulher Negra Afro-Latino Americana e Caribenha com a realização do 1º Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas na criação da Rede de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas, sendo sancionada pela Lei nº 12.987/2014, pela presidenta Dilma Rousseff, como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra Afro-Latino Americana e Caribenha.
Tereza de Benguela foi uma líder quilombola que viveu durante o século 18. Com a morte do companheiro José Piolho, a rainha se tornou liderança do quilombo do Quariterê ou Quilombo do Piolho, na região do Vale do Guaporé, no Mato Grosso. Pela liderança de Benguela, a comunidade negra e indígena resistiu à escravização até 1770.
Assim como Tereza, outras mulheres são importantes para a nossa história. Suas contribuições têm legado de coletividade, partilha, potência, tecnologia, resistência, inteligência, astúcia, minúcia, cuidado, amor… Angela Davis diz que “quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”. Sim, e não apenas porque somos base da pirâmide social, mas porque a maioria das questões pautadas por mulheres negras em movimento ao longo da história, em todo o mundo, são reinvindicações que beneficiam à toda sociedade. Nos preocupamos com o ambiente (que é espaço-território de todes); com a educação (para todes); com espaços políticos (com todes).
Exemplos no Brasil
À exemplo disso, no Brasil, a luta pela criação e consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) é uma história complexa, marcada por inúmeras lutas sociais e políticas. Entre as protagonistas dessa luta, os Movimentos de Mulheres Negras ocupam um lugar de destaque, desempenhando um papel crucial na promoção da equidade e na garantia de direitos no campo da saúde.
A conjuntura política e social no final dos anos 1970 é marcada pelo fim da Ditadura Militar e reconstrução do Estado Democrático de Direito. Segundo Araujo e Teixeira (2022), nesse período destaca-se o Movimento da Reforma Sanitária (MRSB), que luta pela democratização da saúde junto às entidades orgânicas do Movimento Negro.
São esses agentes que demarcam o debate sobre saúde e combate ao racismo na Constituição Federal de 1988. Isso é o que sustenta toda a formulação e implementação de políticas voltadas à saúde pública no Brasil, especialmente da população negra.
Foi no início da chamada “terceira fase” do Movimento Negro Unificado (MNU) que as pautas por direitos sociais como educação, habitação, fim da violência contra a mulher e do genocídio da juventude negra tomaram corpo. Porém, não havia entre elas uma reivindicação específica sobre saúde.
Em 1980, a denúncia pública dos Movimento de Mulheres Negras sobre as práticas racistas na saúde deu visibilidade a diversas pautas. Tais como: as políticas de controle natalista, a não implantação da Política Nacional de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) e a falta de variedade nos métodos contraceptivos na rede pública.
Anos 90 e a consolidação das ONGs
São elas, mulheres negras, que, a partir dos anos 90 consolidam Organizações Não-Governamentais (ONGs), demandando e fortalecendo práticas políticas para a saúde das mulheres negras com suas próprias atuações, através de:
- Advocacia e Políticas Públicas: Movimentos como o Geledés – Instituto da Mulher Negra e a Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB) foram fundamentais na advocacia por políticas de saúde que levassem em consideração a realidade das mulheres negras. Eles pressionaram por programas específicos de saúde materna, combate à mortalidade infantil e doenças crônicas que afetam desproporcionalmente a população negra.
- Educação e Conscientização: Esses movimentos também desempenharam um papel vital na educação e conscientização das comunidades negras sobre seus direitos à saúde. Promoveram campanhas de informação sobre o SUS e os serviços disponíveis, empoderando as mulheres negras a buscar atendimento e exigir um tratamento digno e igualitário.
- Pesquisas e Dados Estatísticos: A produção e disseminação de dados estatísticos sobre as condições de saúde da população negra foram outras contribuições significativas. Pesquisas realizadas por esses movimentos ajudaram a evidenciar as desigualdades raciais na saúde, fornecendo uma base sólida para a formulação de políticas públicas mais justas e eficazes.
- Apoio e Rede de Solidariedade: Os Movimentos de Mulheres Negras também criaram redes de apoio e solidariedade fundamentais para o enfrentamento das dificuldades cotidianas. Esses espaços possibilitaram a troca de experiências e o fortalecimento das comunidades, promovendo uma saúde integral que vai além do atendimento médico e inclui aspectos emocionais e sociais.
Tudo isso incide diretamente para a promoção e ampliação de políticas públicas para a Saúde da população negra no Brasil.
Ainda em 1990…
Diversas mobilizações políticas aglutinaram o Movimento Negro em uma agenda antirracista também direcionada ao campo da saúde. Impossível não mencionar a Marcha Zumbi dos Palmares (1995) e a mobilização para a Conferência de Durban (2001). Além disso, houve uma Agenda de Compromissos “pós-Durban”, da qual o Estado brasileiro também foi signatário (Araújo; Teixeira, 2022).
Outro marco importante é que, desde 2006, o dia 27 de outubro é considerado o Dia de Mobilização Nacional Pró-Saúde da População Negra. Esta é uma iniciativa da Rede de Controle Social do Ministério Público cujo objetivo é fazer com que profissionais de saúde se atentem à Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, ao racismo e seu impacto sobre a saúde mental, além da ampliação da cobertura da saúde para negros/as, às desigualdades étnico-raciais e ao racismo institucional.
Mas adivinha quem está à frente dessa Rede? Se você pensou nas mulheres negras, acertou!
Ações da Rede de Controle Social
Em 2017, a Rede presenciou a instituição da obrigatoriedade e padronização da coleta da raça/cor no SUS nos sistemas de informação da saúde pública brasileira, em conformidade a Portaria nº 344, de fevereiro de 2017, do Ministério da Saúde. Essa foi uma resposta às lutas pela coleta de dados, de acordo com as categorias dispostas no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Logo após, a gestão de 2018-2021 do CNS teve em sua composição as conselheiras Jupiara Castro, da Fasubra; Altamira Simões, da Rede Lai Lai Apejo – Saúde da População Negra e Aids; Michele Seixas da Associação Brasileira de Lésbicas (ABL), Maria da Conceição Silva, da Unegro; e Ana Lúcia Marçal da Silva Paduello, da Associação Brasileira Superando – Lúpus, Doenças Reumáticas e Raras com participações ativas na preparação da 16ª Conferência Nacional de Saúde (8 +8), realizada em agosto de 2019.
Os anos de 2020 e 2021 foram marcados pela pandemia causada pela Covid-19. Logo, as atividades do Conselho Nacional de Saúde (CNS) foram remotas. Por sua vez, a Cippe estrutura a “Ocupação Preta” a partir de lives, debates e incursões sobre o desmonte das políticas de promoção da equidade. Assim, mostra-se o quanto isto foi prejudicial à saúde da população negra, que aumentou gigantescamente o obituário e adoecimento pela Covid-19.
Neste contexto, publicou-se a Recomendação CNS nº 29/2020. A Recomendação combate ao racismo institucional nos serviços de saúde no contexto da pandemia da covid-19.
Finalmente, em dezembro de 2021, o CNS realizou eleições. Pela primeira vez, duas mulheres negras foram eleitas para compor a Mesa Diretora no triênio 2021-2024. Em pauta: a 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental, e a retomada da preparação para a realização de 6ª Conferência Nacional de Saúde Indígena.
O SUS e a história que não te contam
A história do SUS é, em muitos aspectos, a história das lutas sociais no Brasil. Os Movimentos de Mulheres Negras foram fundamentais na construção de um sistema de saúde que busca ser verdadeiramente equitativo, um sistema que contemple a todes. E continuam sendo!
Essa contribuição não se limita à conquista de direitos, mas se estende à constante vigilância e mobilização para que esses direitos sejam plenamente garantidos. Então, reconhecer e valorizar esse papel é essencial para entender a importância de uma saúde pública inclusiva e justa para todos os brasileiros.
Por isso, é fundamental nós reverenciarmos e visibilizarmos a vivência das mulheres negras, homenageando, honrando e continuando seu legado: Ná Agontimé, Antonieta de Barros, Aqualtune, Theodosina Rosário Ribeiro, Benedita da Silva, Jurema Batista, Leci Brandão, Chiquinha Gonzaga, Ruth de Souza, Elisa Lucinda, Conceição Evaristo, Maria Filipa, Maria Conceição Nazaré (Mãe Menininha de Gantois), Luiza Mahin, Lélia Gonzalez, Dandara Palmares, Carolina Maria de Jesus, Elza Soares, Mãe Stella de Oxóssi, Marielle Franco, Clementina, Jovelina Perola Negra…..
Ah, pra fechar com chave de cobre, no time de blogueiras da AME integram mulheres negras que relatam o seu cotidiano com EM. Se você não conhece, trate de conhecer! Aline Souza – A Esclerosada Rara @aesclerosadarara; Mariana Moreira @mari.mmms, e essa tagarela que vos fala: a Jazz, Jéssica Teixeira Eugenio @jazzeflow.
Outras recomendações que visibilizam e se mobilizam em torno a intersecção entre raça, gênero e saúde da população negra:
Vidas Negras com Deficiência Importam – VNDI @vndi.brasil
Luciana Viegas – @lucianaviegas_
Ester Maria Horta de Paula – @ester_psi
Articulação Nacional de Psicólogas(os) Negras (os) e Pesquisadoras (es) – ANPSINEP – @anpsinep
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Silvio. Racismo estrutural. São Paulo: Jandaíra, 2021.
ARAÚJO, Marcos Vinícius Ribeiro de; TEIXEIRA, Carmen Fontes de Souza. Concepções de saúde e atuação do Movimento Negro no Brasil em torno de uma política de saúde. Saúde e Sociedade, v. 31, n. 4, p. e220246pt, 2022.
BATISTA, L. E.; BARROS, S. Enfrentando o racismo nos serviços de saúde. Cadernos de Saúde Pública, [s.l.], v. 33, n. 1, p. 1-5, 2017.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 992, de 13 de maio de 2009. Institui a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 maio 2009.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa e ao Controle Social. Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: uma política para o SUS. 3. ed. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2017. 44 p. ISBN 978-85-334-2515-6. . Acesso em 21.04.2022.
GOMES, Nilma Lino. O movimento negro educador. Saberes construídos na luta por emancipação. Petrópolis, RJ: vozes, 2017.
SILVA, Maria da Conceição; PADUELLO, Ana Lúcia Marçal da Silva; SANTOS, Altamira Simões dos. O papel das mulheres negras no controle social do SUS e na luta pela legitimação da Saúde da População Negra. 2022.