Controlar os efeitos da Esclerose Múltipla no corpo e impedir seu avanço para evitar sequelas é possível com tratamentos direcionados e com o uso de medicamentos específicos. No Brasil, o PCDT (Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas), embora não contemple todos os remédios disponíveis nos mercados internacionais, estabelece procedimentos e lista os produtos que podem ser usados no País.
Esse PCDT é uma conquista importante, fortalecida pela nova cobertura obrigatória dos planos de saúde, em vigor desde janeiro deste ano, que incluiu o natalizumabe no rol de tratamentos cobertos por essas empresas.
Há, no entanto, em nosso País, um sério problema de abastecimento dos medicamentos para Esclerose Múltipla pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A situação é muito grave e foi denunciada pela AME no estudo organizado pelo Observatório da EM.
Nossa pesquisa comprovou falhas em metade da distribuição dos remédios em 12 estados brasileiros, com atraso de um a três meses na entrega de Avonex, Betaferon, Copaxone, Fingilomode, Rebif (22 e 44) e Tysabri, ou a ausência constante de ao menos um dos remédios nas prateleiras.
Os impactos dessa interrupção constante do tratamento para quem convive com a Esclerose Múltipla são preocupantes e precisam ser acompanhados o tempo todo.
“A literatura internacional considera que mais de 80% de uso do medicamento é adequado para tratamento de uma doença crônica, mas o ideal é que esse tratamento seja sempre completo e jamais interrompido sem planejamento”, explica o neurologista Denis Bernardi Bichuetti, professor adjunto da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e parceiro da AME.
“Para interferon e glatiramer, a interrupção por algumas semanas no ano pode não trazer malefício, porque esses medicamentos acumulam efeito no organismo’, diz Bichuetti.
“O natalizumabe, por sua vez, deve ser aplicado a cada quatro semanas. Sabemos que, após seis semanas da última aplicação, ele começa a perder efeito. Em algumas pessoas, esse atraso ou essa interrupção não planejada podem provocar o chamado ‘efeito rebote’, que é um retorno mais grave da atividade de doença”, destaca o neurologista.
“O mesmo vale para o fingolimode. Apesar de ser um medicamento de uso oral e domiciliar, se a pessoa ficar mais de 15 dias sem tomar, precisa voltar ao hospital para uma internação, o que chamamos de ‘procedimento de primeira dose’. Isso porque esse início de uso pode gerar queda de pressão e arritmia”, afirma o professor.
“Além disso, após 30 dias sem uso do fingolimode, também há risco de rebote”, completa o especialista.
O presidente executivo do Comitê Brasileiro de Tratamento e Pesquisa em Esclerose Múltipla e Doenças Neuroimunológicas (BCTRIMS), o neurologista Jefferson Becker, alerta que a interrupção no tratamento de qualquer doença provoca o retorno de seus sintomas e sequelas.
“No caso da Esclerose Múltipla, essa falta de tratamento pode ter consequências muito severas, como surtos mais graves e desencadear incapacidades que podem se tornar permanentes”, ressalta Becker.
“Em casos da EM emitente recorrente, sabemos que, quanto mais crises a pessoa tiver, maior será a chance de evolução para um quadro progressivo”, diz o neurologista. “Fazer o tratamento mais precoce possível e o mais completo possível é determinante para o prognóstico do paciente”, define o presidente executivo do BCTRIMS.
JUSTIÇA – O Ministério Público Federal (MPF), por meio de suas representações em São Paulo e no Paraná, ajuizou uma ação civil pública contra o governo federal para exigir do Ministério da Saúde a regularização imediata da distribuição de remédios para Esclerose Múltipla pelo SUS em todo o País.
A ação abrange o fornecimento de diversos tipos e dosagens dos medicamentos Betainterferona, Fingolimode, Glatirâmer e Natalizumabe, respeitando o cronograma trimestral estipulado na Portaria de Consolidação nº 02/2017 (normas sobre políticas nacionais de saúde do SUS), inclusive para manutenção do estoque de segurança.
Uma das bases do processo é o estudo da associação Amigos Múltiplos pela Esclerose (AME), publicado em dezembro do ano passado no Observatório da Esclerose Múltipla.
Texto: Luiz Alexandre Souza Ventura.