Esclerose múltipla e vacina contra covid-19: o que você precisa saber agora

Imunizantes são seguros para pessoas que convivem com EM e não estão relacionados ao aparecimento da condição, mas a Covid-19 pode, sim, desencadear surtos 

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Por Fernanda Simoneto, da Redação AME/CDD

 

As principais sociedades médicas ligadas à esclerose múltipla são categóricas: os benefícios da vacinação contra covid-19 superam qualquer efeito adverso relacionado à vacina. Um dos maiores especialistas no tema, o neurologista Gavin Giovannoni, professor na Escola de Medicina da Universidade Queen Mary, em Londres, abordou o tema em sua newsletter. Isso porque uma das leitoras escreveu a ele afirmando ter certeza que o seu diagnóstico de esclerose múltipla (EM) estava relacionado às vacinas de covid-19. 

Para esclarecer a dúvida, Giovannoni citou quatro estudos disponíveis e afirmou que não ser possível estabelecer essa relação. “É comum que as pessoas diagnosticadas com EM examinem os eventos recentes de sua vida buscando por um culpado”, afirma o pesquisador. “Muitas pensam que a covid-19 em si ou a vacina causaram a doença. Mas os dados discordam disso”, conclui.

De acordo com Giovannoni, 70% das pessoas com EM apresentam lesões cerebrais anteriores à infecção e/ou à vacinação. A esclerose múltipla é uma doença desmielinizante, na qual o sistema imunológico ataca a bainha de mielina, região que recobre os axônios e é responsável pela transmissão dos impulsos nervosos. Esse ataque das células gera lesões inflamatórias que aparecem nos exames. 

Além disso, ao contrário da outra suspeita da leitora, a esclerose múltipla não estava entre as doenças que tiveram seus riscos aumentados pela infecção por covid-19. Dados de diferentes pesquisas clínicas abordadas por Giovanoni demonstram aumento no registro de outras doenças autoimunes, como a artrite reumatoide e a espondilite anquilosante, mas não da EM. 

“As formas de doenças desmielinizantes que apareceram após a covid-19 tendem a ser manifestações não típicas de EM, como a neuromielite óptica, a neurite óptica e mielite transversa”, afirma a neurologista Raquel Vassão, consultora da ONG Amigos Múltiplos pela Esclerose (AME). 

A especialista explica que dois fatores podem estar relacionados a esse avanço: a tendência do corpo em elevar a temperatura corporal após o contato com o vírus e o processo inflamatório desencadeado pela infecção.  

Um dos estudos analisados por Giovanoni, publicado pelo periódico The Lancet em 2022, indica que os infectados pelo covid-19 apresentaram chances quase três vezes maiores de desenvolver artrite reumatoide, quando comparados aos não infectados. Para a espondilite anquilosante, a chance é 3,21 vezes maior. 

Em nenhuma das pesquisas analisadas pelo neurologista, no entanto, foi constatada chance dos pacientes desenvolverem a EM depois da infecção por covid-19 ou mesmo após a dose do imunizante. “Quando você olha para as bases de dados, não é possível ver um aumento nos casos de EM depois da vacina contra covid-19 ou depois da infecção”, reforça Giovannoni. 

Outro estudo destacado pelo pesquisador traz uma relação entre a vacinação ou infecção por coronavírus e recaídas dos pacientes que já possuíam o diagnóstico da EM. Mas Giovannoni alerta para um possível viés de publicação, que é a tendência de pesquisas que estabelecem relações positivas serem publicadas com maior frequência do que aqueles com evidências negativas. Essa diferença na quantidade de materiais publicados pode tornar tendenciosos os resultados disponíveis para análise. 

A neurologista Raquel Vassão concorda com a avaliação de Giovannoni. Segundo ela, é possível que os riscos apontados pelo estudo sejam maiores do que o correspondente na realidade. 

De qualquer forma, a conclusão final dos pesquisadores é de que a vacinação segue como a melhor estratégia de cuidado contra o coronavírus. 

“A vacinação contra covid-19 pode gerar algumas recaídas nos pacientes com EM, assim como a própria infecção com o vírus. Mas os benefícios de se vacinar superam os riscos”, conclui o estudo produzido por um grupo de pesquisa em neurociência da Universidade de Isfahan, no Irã. 

A orientação dada tanto por Giovannoni quanto por Vassão é corroborada por outras instituições médicas. A Sociedade Nacional pela Esclerose Múltipla (MS) lançou um documento com orientações sobre a vacinação. Assinado por especialistas de diferentes países, a cartilha reafirma que as pessoas com a doença sejam vacinadas contra o coronavírus. “Os riscos promovidos pela covid-19 superam largamente o risco de efeitos colaterais relacionados à vacinação”, escrevem os especialistas.

Histórico de desinformação sobre Covid-19

Parte da desconfiança em relação à vacinação pode ser atribuída à  contraindicação de outros imunizantes para pessoas com EM. É o caso da vacina contra a febre amarela – no caso, ela usa versões atenuadas de vírus vivo, o que, em indivíduos com o sistema imune afetado, aumenta o risco de efeitos adversos graves. Além disso, esse tipo de vacina pode, em situações específicas, provocar uma resposta do sistema imune que favoreça um surto da EM. 

Acontece que nenhuma das vacinas desenvolvidas para a covid-19 utiliza a tecnologia de vírus vivo atenuado. Da Coronavac ao produto da Pfizer, todas possuem formas distintas de estimular o corpo a levantar suas defesas contra o Sars-CoV-2. 

Um estudo alemão publicado em 2019 pela Academia Americana de Neurologia analisou o histórico de cerca de 223 mil pacientes, sendo 12 mil deles com EM. Os especialistas buscavam identificar qualquer possível relação entre a vacinação e a ocorrência de EM. A conclusão foi que nenhum imunizante está relacionado ao aparecimento da doença. 

Tratamentos não devem ser interrompidos

Além da orientação acerca da vacinação, a Sociedade Nacional pela Esclerose Múltipla (MS) orienta as pessoas a não interromperem os seus tratamentos para receber o imunizante, apenas quando houver orientação médica para isso. 

Verdade que as chamadas Terapias Modificadoras da Doença (DMTs) – grupo de medicamentos modernos que controlam a inflamação da bainha de mielina e contêm a evolução do quadro – podem reduzir a eficácia da vacina. Mas mesmo assim as vacinas irão garantir algum grau de proteção. De acordo com dados publicados no periódico BMC Neurology, cerca de um terço das pessoas diagnosticadas com EM fazem uso das DMTs

A neurologista Raquel Vassão pondera que aqueles que utilizam algumas medicações específicas precisam tomar a vacina em um determinado tempo para terem uma melhor resposta. “É preciso respeitar um intervalo de algumas semanas entre a vacina e as medicações, mas cada indivíduo deve ser orientado pela sua equipe”, orienta Vassão. Entre os medicamentos que precisam de ajuste estão o ocrelizumabe, a cladribina e o alentuzumabe. 

“É importante deixar claro que as vacinas de covid não têm contraindicação para as pessoas com esclerose múltipla”, conclui a médica. 

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