Consulta Pública aberta sobre proposta de incorporação de ofatumumabe em primeira linha de terapia para EMRR

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As contribuições vão até o dia 25/04.

Está aberta, até o dia 25/04, a Consulta Pública da CONITEC nº 12/2022, referente à recomendação sobre proposta de incorporação de ofatumumabe em primeira linha de terapia modificadora do curso da doença para o tratamento da esclerose múltipla recorrente. A recomendação preliminar da Conitec foi desfavorável à incorporação no SUS do ofatumumabe, apesar do medicamento ser uma opção de terapia de alta eficácia para EMR, que pode ser utilizada na abordagem com terapia altamente eficaz de forma precoce – a melhor estratégia terapêutica atualmente disponível. 

Para contribuir nessa Consulta Pública, clique aqui

Confira abaixo o posicionamento completo da AME:

“Em relatório de abril de 2022, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias em Saúde no SUS (CONITEC) emitiu recomendação preliminar desfavorável à incorporação no SUS de ofatumumabe em primeira linha de terapia modificadora do curso da doença para o tratamento da esclerose múltipla recorrente. 

De acordo com o relatório, a recomendação não favorável teve como justificativas o alto impacto orçamentário incremental projetado para a incorporação do fármaco, além da análise do horizonte temporal que apontou que um grande número de novas tecnologias para a indicação está ou estará disponível em um intervalo de tempo curto. 

Assim, de modo a esclarecer os pontos levantados pela CONITEC, gostaríamos de apresentar os argumentos clínicos para incorporação de ofatumumabe em primeira linha de terapia modificadora do curso da doença para o tratamento da esclerose múltipla recorrente. 

A esclerose múltipla é uma doença progressiva, neurodegenerativa, imunomediada e desmielinizante, levando a incapacidade neurológica não traumática em jovens adultos, e seu dano tecidual é restrito ao sistema nervoso central. (1) Estima-se que em 2020 havia 2,8 milhões de pessoas com esclerose múltipla no mundo, o que leva a uma prevalência global nesse ano de 35,9 casos por 100 mil habitantes. No Brasil, a prevalência estimada em 2020 foi de 19 casos da doença por 100 mil habitantes. (2) 

O fenótipo clínico da esclerose múltipla é heterogêneo e o curso da doença não é facilmente previsível. Ainda há dúvidas, como exatamente ocorre o dano ao sistema nervoso central e como se dá o acúmulo da incapacidade ao longo das décadas. (3) Entretanto, atualmente a esclerose múltipla é dividida em quatro fenótipos: síndrome clinicamente isolada, esclerose múltipla remitente-recorrente (EMRR), esclerose múltipla secundariamente progressiva (EMSP) e esclerose múltipla primariamente progressiva (EMPP). (4)

Além dessa classificação em relação à forma clínica, há uma que divide a doença por fases, sendo a esclerose múltipla classificada em progressiva ou recorrente. Assim, pacientes com os fenótipos clínicos CIS, EMRR e EMSP são agrupados como formas recorrentes da esclerose múltipla, ou também denominados como esclerose múltipla recorrente (EMR).Por acometer principalmente jovens adultos e ser altamente incapacitante, a esclerose múltipla tem importante impacto na vida de pacientes e cuidadores, levando a perda de produtividade e altos custos diretos e indiretos. (5–10). 

Dado seu alto impacto, ao longo dos anos foram feitos avanços com terapias modificadoras do curso da doença que reduziram o desenvolvimento de novas lesões, a frequência de surtos e o acúmulo de incapacidade. Entretanto, atualmente há cerca de nove opções de tratamentos desse tipo e que podem ser usados na EMR.  Todas as opções variam em termos de mecanismo de ação, eficácia, perfil de segurança e facilidade de uso. A disponibilidade de tantas opções terapêuticas acrescentou também maior complexidade na escolha do melhor tratamento para pacientes com EMR. (11) Duas estruturas de tratamento da esclerose múltipla vêm sendo desenvolvidas e implementadas ao longo dos anos. São elas a abordagem de escalonamento de terapias e a abordagem com terapia altamente eficaz de forma precoce, por vezes de acordo com o nível de atividade de doença. (11,12)

Na abordagem escalonada, após o diagnóstico, são administrados inicialmente medicamentos de eficácia baixa a moderada. Nesse caso, os pacientes são monitorados até que surjam evidências de surtos, incapacidade ou novas lesões no monitoramento da doença por ressonância magnética do sistema nervoso central, de maneira que se considere falha terapêutica, momento em que a terapia inicial é trocada e substituída por outra terapia modificadoras do curso da doença de maior eficácia. Este processo tende a se repetir no curso da doença, a medida que o tempo passa.  (11,12)

 Já na abordagem com terapia altamente eficaz de forma precoce, após o diagnóstico, faz-se ol uso deste tipo de tratamento, de alta eficácia. Essa estratégia é baseada na incerteza sobre a evolução da doença e na capacidade do médico em prever como essa evolução e o tamanho do dano se dará ao longo do tempo. (11,12)

Apesar das duas abordagens serem utilizadas, a escalonada possui algumas limitações importantes, principalmente relacionadas ao subtratamento. Em estudos que avaliaram o uso de glatirâmer e betainterferona 1a por cerca de 13 e sete anos, respectivamente, indicaram que parcela importante dos pacientes tratados evoluíram para EMSP, apesar do tratamento. (13,14) No estudo que avaliou a betainterferona 1a, 19,7% dos pacientes evoluíram para EMSP em 5.3 anos (IC 4,6 a 6,1 e 23,9%, 19,7%, 12% 3 6,1% progrediram para Expanded Disability Status Scale (EDSS) 4, EDSS 6, EDSS 6,5 e EDSS 7, respectivamente. (13) No estudo que avaliou glatirâmer, 38%, 18% e 3% dos pacientes evoluíram para EDSS 4, EDSS 6 e EDSS 8, respectivamente, e a probabilidade de desenvolvimento da EMSP foi de 35% em 5,4 anos (± 2.2. (14) Destaca-se que glatirâmer, dimetil fumarato, interferonas, e teriflunomida são fármacos de eficácia baixa a moderada e utilizados na abordagem escalonada. (15)

De fato, é importante destacar que no passado, a abordagem escalonada era essencial uma vez que as terapias de mais alta eficácia disponíveis não apresentavam um perfil de segurança adequado, comprometendo o risco-benefício do uso delas precocemente. Entretanto, atualmente sabe-se as terapias modificadoras da doença de alta eficácia disponíveis, como ofatumumabe  (16), têm um perfil de segurança que não diferem muito dos medicamentos de eficácia baixa a moderada, o que permite seu uso de forma precoce. (16,17) Além disso, sabe-se que a segurança de terapias modificadoras do curso da doença é reduzida com a idade, levando principalmente ao aumento no risco de infecções, o que é mais um motivo para o uso das melhores terapias disponíveis de forma precoce. (18) Uma coorte populacional que comparou tratamentos de alta eficácia precocemente versus escalonamento tradicional de terapias demonstrou que mesmo que os pacientes selecionados para terapias de alta eficácia precocemente tivesse um EDSS médio mais alto no baseline do que naqueles que receberam terapia em escalonamento,  em 5 anos, o EDSS dos que trataram com mais eficácia precocemente era mais baixo que os de escalonamento, denotando a importância de tratar com mais eficácia precocemente(19). 

Atualmente, a primeira linha de tratamento do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) do Ministério da Saúde publicada em 2022 é composta por tratamentos de eficácia moderada, como betainterferonas, glatirâmer, dimetil fumarato e teriflunomida, o que permite que apenas a abordagem escalonada seja aplicada no Sistema Único de Saúde (SUS). (20) Tal abordagem, apesar de ter sido útil no passado em um cenário com opções terapêuticas restritas, conforme apontado acima é extremamente limitado e leva ao subtratamento dos pacientes com a doença. Neste contexto, há uma necessidade médica não atendida no SUS para que sejam disponibilizadas terapias de alta eficácia já no começo do tratamento da EMR, possibilitando a implementação da abordagem com terapia altamente eficaz de forma precoce.

O ofatumumabe é uma opção de terapia de alta eficácia para EMR e que pode ser utilizada na abordagem com terapia altamente eficaz de forma precoce. Em seus ensaios clínicos randomizados (ECRs) de fase III, duplo-cego, double-dummy (ASCLEPIOS I e II), a eficácia e segurança de ofatumumabe foram avaliadas frente a teriflunomida, um fármaco disponível no SUS e usado na abordagem escalonada pela sua eficácia moderada. (15,16,20) 

Nesses estudos, o desfecho primário, taxa anualizada de surtos favoreceu significativamente o ofatumumabe frente a teriflunomida. No ASCLEPIOS I, a taxa anualizada de surtos ajustada foi de 0,11 no braço ofatumumabe e de 0,22 no grupo teriflunomida (diferença: -0,11 [intervalo de confiança {IC} 95%: -0,16 a -0,06]; p-valor< 0,001). De forma similar, no estudo ASCLEPIOS II, as taxas apresentadas foram 0,10 e 0,25, respectivamente (diferença: -0,15 [IC 95%: -0,20 a -0,09]; p-valor< 0,001). O desfecho secundário progressão da incapacidade sustentada em três meses foi avaliado de forma conjunta para os dois estudos, e indicou que o risco de progressão da incapacidade sustentada em três meses foi 34% menor como uso de ofatumumabe que com o uso de teriflunomida (hazard ratio [HR]: 0,66 [IC 95%: 0,50 a 0,86]; p-valor = 0,002), uma vez que a proporção de pacientes com progressão da incapacidade sustentada em três meses foi de 10,9% no grupo ofatumumabe versus 15,0% no grupo teriflunomida. (16)

Em termos de segurança, em ambos os estudos a proporção de pacientes com qualquer EA foi similar entre os tratamentos (ASCLEPIOS I – ofatumumabe: 82,2% versus teriflunomida: 82,3%; ASCLEPIOS II – ofatumumabe: 85,02% versus teriflunomida: 86,1%). Os eventos adversos graves avaliados foram infecções, reações relacionadas à administração da injeção subcutânea e neoplasias. Tais eventos tiveram taxas similares entre os grupos de tratamento (ASCLEPIOS I – ofatumumabe: 10,3% versus teriflunomida: 8,2%; ASCLEPIOS II – ofatumumabe: 7,9% versus teriflunomida: 7,6%). (16) Tais achados indicam que as questões de segurança que levavam à preferência para a abordagem escalonada não ocorrem quando se compara ofatumumabe à teriflunomida, por exemplo, indicando que essa terapia modificadora da doença de alta eficácia possui um perfil de segurança similar a terapia de eficácia moderada disponível em primeira linha no SUS, além de apresentar uma eficácia significativamente superior. (16,20)

Nos ECRs ASCLEPIOS I e II, cerca de 40% dos pacientes eram virgens de tratamento e 60% já haviam recebido alguma terapia prévia, o que mostra sua adequação à demanda submetida à CONITEC que defende a inclusão de pacientes com EMR em primeira linha de tratamento. (16,21) 

Ainda, conforme discutido no relatório de recomendação da CONITEC, a meta-análise em rede de Samjoo e colaboradores (22) (que considerou os estudos (ASCLEPIOS I e II), indicou que ofatumumabe apresentou resultados significativamente melhores que as demais alternativas de tratamento atualmente disponíveis no SUS para o tratamento de primeira linha na análise da taxa anualizada de surto. Além de resultados numericamente melhores nas avaliações de progressão da incapacidade.

Neste contexto, a incorporação de ofatumumabe torna-se de extrema relevância pois permite que pacientes com EMR recebam em primeira linha uma terapia altamente eficaz, e tão segura quanto terapias já disponíveis em primeira linha no PCDT. (19) Além disso, a presença de ofatumumabe no PCDT permitiria o uso da abordagem com terapia altamente eficaz de forma precoce, que é a melhor estratégia terapêutica atualmente disponível.

A Associação de Pacientes Amigos Múltiplos pela Esclerose considera que:

  • A abordagem com terapia altamente eficaz de forma precoce, que é a melhor estratégia terapêutica atualmente disponível e que com as terapias atualmente disponíveis no SUS essa não pode ser implementada;
  • Ofatumumabe tem perfil de segurança semelhante a uma das opções disponíveis em primeira linha para pacientes com esclerose múltipla, além de eficácia significativamente superior;
  • A incorporação de ofatumumabe como primeira linha de tratamento para pacientes com EMR no SUS permitiria o uso da abordagem com terapia altamente eficaz de forma precoce, com um fármaco de alta eficácia e com segurança comparável às terapias já disponíveis no PCDT;

Com base no exposto, a Associação de Pacientes Crônicos do Dia a Dia, alinhada com o mesmo comprometimento da CONITEC dos últimos anos em oferecer medicamentos/tecnologias inovadoras para o tratamento da esclerose múltipla à população brasileira, solicita a avaliação dos dados aqui apresentados para a incorporação e ofatumumabe. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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  3. Kotelnikova E, Kiani NA, Abad E, Martinez-Lapiscina EH, Andorra M, Zubizarreta I, et al. Dynamics and heterogeneity of brain damage in multiple sclerosis. Meier-Schellersheim M, editor. PLOS Comput Biol. 2017 Oct 26;13(10):e1005757. 
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  20. Ministério da Sáude (Brasil). Secretaria de Atenção Especializada à Saúde. Secretaria de Ciência Tecnologia Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde. Portaria conjunta no1, de 07 de janeiro de 2022. Aprova o protocolo clínico e diretrizes terapêuticas da esclerose múltipla. 2022. p. 1–91. 
  21. Ministério da Saúde (Brasil). Secretaria de Ciência Tecnologia e Insumos Estratégicos. Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC). Relatório de Recomendação – Ofatumumabe em primeira linha de terapia modificadora do curso da doença para o tratamento da esclerose múltipla recorrente. 2022. p. 75. 
  22. Samjoo IA, Worthington E, Drudge C, Zhao M, Cameron C, Häring DA, et al. Comparison of ofatumumab and other disease-modifying therapies for relapsing multiple sclerosis: a network meta-analysis. J Comp Eff Res. 2020 Dec;9(18):1255–74. 

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