No último dia 3, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) aprovou a liberação da venda de produtos à base de cannabis em farmácias, para uso medicinal, aqui no Brasil. Até então, os pacientes que tivessem a prescrição do uso de canabidiol precisavam do aval da ANVISA para importação. A nova regulamentação é temporária e tem validade de 3 anos, e entrará em vigor 90 dias após a decisão ser publicada no Diário Oficial da União. “A ANVISA resolveu dar uma autorização diferente para comercialização desses produtos, então não devemos, pelo menos por enquanto, chamar de medicamentos, são na verdade produtos a base de cannabis sativa. A regra da ANVISA também estabeleceu prazo de 3 anos para que as empresas que por ventura tenham a autorização sanitária para comercialização desses produtos migrem, aí sim, para a categoria de medicamentos.”, explica Renato Alencar Porto, ex-diretor da Anvisa e especialista em regulação sanitária.
Na mesma reunião, a proposta de cultivo de maconha pra fins medicinais no Brasil foi rejeitada – sendo assim, para entrar no mercado, os fabricantes precisarão importar o extrato da planta.
“É um grande avanço para incorporação de medicamentos a base de derivados da cannabis, seja CBD com ou sem THC, pois permitirá a regulamentação de sua circulação e, desta forma, maior transparência nas formulações de produtos e clareza em suas indicações e doses”, é o que afirma o Dr. Denis Bichuetti, neurologista e professor adjunto na disciplina de Neurologia na UNIFESP. E ainda acrescenta que “a regulamentação de produtos a base de cannabis é diferente de comercialização de cannabis para fins medicinais (planta ou derivados) e ainda mais diferente da permissão de consumo de cannabis para fins recreativos.”
Leia a resolução da diretoria colegiada na íntegra aqui.
Cannabis e EM
O único medicamento à base de Cannabis aprovado no país, o Metatyl, é utilizado no tratamento da Esclerose Múltipla, e seu custo chega a R$ 2.000,00. O médico explica que o principal uso da substância em neurologia clínica, em especial para quem vive com EM, é no tratamento de dor e espasticidade, sem ser a primeira opção, uma vez que não é isenta de efeitos colaterais.
“Não há evidências formais, até o momento, que o uso de produtos derivados de cannabis seja neuroprotetor, reduza surtos ou aparecimento de novas lesões em pessoas com EM”, completa.
Para ele, a decisão é positiva, mas é preciso ter atenção: “Mantenho a observação que devemos nos ater às indicações de prescrição, para benefício e segurança daquelas com a indicação correta de uso”.
Segurança do consumidor
A questão da segurança foi um dos pontos de atenção da Spectrum Therapeutics, divisão dedicada à medicina canabinóide da empresa Canopy Growth, em sua nota oficial divulgada: “A decisão da ANVISA é um avanço significativo para os pacientes e profissionais de saúde no Brasil e o crédito deve ser dado aos pacientes e grupos que defenderam a regulamentação. Além do foco contínuo na educação, a Spectrum Therapeutics irá agora revisar as novas regulamentações em detalhe e, uma vez que elas estejam em vigor, esperamos atender os pacientes brasileiros com a mesma qualidade e segurança dos nossos produtos à base de cannabis atualmente usados por mais de 100.000 pacientes em todo o mundo”.
Para Renato Alencar Porto, ex-diretor da Anvisa, a decisão é favorável para a proteção do consumidor. “Com a possibilidade das empresas pedirem a autorização para comercialização, a agência reguladora fará uma análise prévia dos produtos, o que garantirá a qualidade, segurança e eficácia desses produtos. Sem essa avaliação os produtos que eram importados pelos pacientes não sofriam qualquer avaliação da ANVISA, o controle era exercido somente pelos prescritores e pelos próprios pacientes que importavam por diversos canais”, comenta.
O acesso, segundo Porto, também será facilitado a partir da decisão, uma vez que os produtos chegarão de maneira mais conveniente e rápida para os pacientes. “Saiu-se de procedimentos de compra individual, quando uma autorização de importação poderia levar até 45 dias, para a situação em que o paciente poderá ir as farmácias/drogarias e comprar seu tratamento imediatamente após a prescrição.”
A previsão é que os produtos cheguem nas prateleiras no primeiro semestre de 2020, e sejam disponibilizados nas farmácias para uso nasal e oral, a partir de soluções oleosas, comprimidos ou líquidos. A comercialização acontecerá apenas em farmácias e drogarias sem manipulação, mediante receita médica controlada. “Os produtos com até 0.2% de THC serão objeto de controle com receituário tipo B, o que permite compra para até 60 dias. Já os produtos com concentração acima de 0,2% de THC terão controle por receituário tipo A, que permite a compra para até 30 dias. Neste último caso estamos falando de pacientes sem alternativas terapêuticas”, explica Porto.
Vale lembrar que a autorização é válida somente para terapias e outras categorias, como cosméticos, não estão autorizadas.
Giulia Gamba / Redação AME