Na última semana de setembro, membros do Comitê Brasileiro de Tratamento e Pesquisa em Esclerose Múltipla e Doenças Neuroimunológicas (BCTRIMS) e integrantes da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) se reuniram em audiência com representantes da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC) para apresentar e discutir um Consenso Brasileiro de Tratamento da Esclerose Múltipla, proposto pelas duas entidades, que poderá ser acatado para a atualização do atual Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas (PCDT).
Para entendermos melhor essa nova proposta, entrevistamos o Dr. Jefferson Becker, neurologista e atual presidente do BCTRIMS. Dr. Jefferson deixou claro, primeiramente, que o Consenso Brasileiro de Tratamento da Esclerose Múltipla, elaborado pelo Comitê não é o novo PCDT, mas uma forma como os neurologistas especialistas em EM entendem como deve ser o tratamento da doença, baseados nos conhecimentos atuais, embasados em pesquisas científicas e nos protocolos de outros países.
O Consenso se diferencia do atual PCDT em algumas principais questões, destacadas pelo médico:
– tratamento de acordo com o fenótipo do paciente e não mais divisão em linhas de tratamento e com escalonamento das terapias; o objetivo é tornar o tratamento mais individualizado, de acordo com as novas tendências mundiais;
– separação dos pacientes em casos de alta e baixa atividade da doença; isso é fundamental, pois permite que os casos mais graves sejam tratados de forma mais adequada e mais rápida, podendo, por exemplo, iniciar o tratamento com natalizumabe, alentuzumabe ou fingolimode em casos de EM agressiva;
– permissão para que o tratamento inicial possa ser escolhido entre um grupo de medicamentos recomendados para os casos leves ou entre outro grupo de tratamentos recomendados para os casos agressivos; desse modo, não haveria mais a necessidade de iniciar o tratamento com as drogas imunomoduladoras tradicionais, nem a obrigação de fazer a primeira troca, quando necessário, de betainterferona para glatirâmer ou vice-versa; além disso, pacientes que, em algum momento da doença tenham aumentado a gravidade da mesma, poderão passar diretamente para um tratamento com fármacos mais ativos sem a necessidade de trocar para outro medicamento imunomodulador;
– inclusão de novos medicamentos, tanto os já aprovados, como os ainda não aprovados pela ANVISA (desde que tivessem a aprovação pelo FDA, dos EUA, ou EMA, da Europa, ou que tivessem dados de ensaio-clínico fase III); foi feito a ressalva que os fármacos ainda não aprovados pela ANVISA só poderão ser utilizados no Brasil em pesquisas científicas ou em programas de acesso expandido com a devida aprovação dos Comitês de Ética locais e das agências reguladoras até que esses medicamentos tenham a aprovação completa da ANVISA;
– liberação de tratamento para casos iniciais (síndrome clínica isolada de alto risco) e casos progressivos com e sem atividade; foi deixado claro que os casos primariamente progressivos ou secundariamente progressivos sem surtos aguardam a aprovação do Ocrelizumabe pela ANVISA;
– complementação do tratamento dos surtos, incluindo além da metilprednisolona IV, a corticoterapia oral, a plasmaferese e a imunoglobulina humana, potencializando a recuperação dos pacientes na vigência de um surto da EM.
Este consenso foi elaborado em várias etapas, como nos explicou Dr. Jefferson Becker:
“Numa etapa inicial, dois médicos do BCTRIMS fizeram uma ampla revisão da literatura mundial e elaboraram as bases do Consenso, assim como um protocolo inicial. Num segundo momento, essas informações foram repassadas para um pequeno grupo de neurologistas do BCTRIMS e do DCNI-ABN, que após lerem e discutirem todos os materiais, fizeram algumas modificações e sugestões ao protocolo original. Num terceiro momento, foram convocados os principais especialistas brasileiros em EM, de todas as regiões do país, para uma discussão presencial do Consenso, em São Paulo, no início de junho/2016. Durante essa reunião, com a participação de cerca de 40 especialistas, chegou-se ao protocolo definitivo que, posteriormente, foi apresentado e discutido durante o XVII Congresso Brasileiro de Esclerose Múltipla e de Neuromielite Óptica do BCTRIMS. No congresso, mais de 300 neurologistas que estavam de acordo com o Consenso assinaram um documento, corroborando com o mesmo. A última etapa do Consenso está em andamento e consiste na elaboração de um artigo científico que será publicado, preferencialmente, nos Arquivos de Neuro-Psiquiatria que é a principal revista científica brasileira de neurologia”.
Esse Consenso vem para melhorar o tratamento dos pacientes de EM, tratando todos de forma individualizada, o que pode ser muito positivo para um controle efetivo de evolução da doença, atendendo as necessidades de cada paciente. A proposta distingue a gravidade dos quadros dos pacientes recém-diagnosticados, permitindo, assim, que o tratamento medicamentoso seja individualizado. Hoje, obrigatoriamente, a mesma linha de tratamento deve ser seguida por todos os pacientes, havendo a troca apenas em caso de falha terapêutica. Além disso, a proposição das entidades contempla a inserção de novas medicações para o tratamento da E.M no Sistema Único de Saúde (SUS) e também defende a permanência de outras terapias que correm o risco de ser retiradas do atual protocolo. Essas recomendações podem ser aplicadas total ou parcialmente pelo órgão na atualização do PCDT.
Um novo Protocolo pode ser elaborado e as resoluções desse Consenso aplicadas a ele. A CONITEC irá avaliar esse Consenso, podendo ser utilizado ou não no novo PCDT de EM no Brasil. Para o Dr. Jefferson Becker, a reunião envolvendo BCTRIMS, ABN e CONITEC foi positiva e esclarecedora: “A CONITEC mostrou-se muito empenhada em entender os avanços no conhecimento científico da doença e das necessidades dos pacientes, deixando clara a intenção de, em breve, atualizar o PCDT”.
Redação AME – Amigos Múltiplos pela Esclerose