Do dicionário:
atrofia
s.f. (1642)
1 bio falta de desenvolvimento de corpo, órgão, tecido ou membro
2 pat diminuição de peso e volume de órgão, tecido ou membro por nutrição insuficiente das células ou imobilização
3 fig. debilitação ou perda de alguma faculdade mental ou de um dos sentidos
4 fig. definhamento ou degeneração de instituições, sentimentos etc.
Dentro de uma faculdade de medicina ou discussão científica consideramos atrofia com a falta de desenvolvimento de um pedaço do corpo humano ou sua redução de tamanho e/ou função após ter se desenvolvido normalmente. Uma pessoa que nasce com um braço menor como, por exemplo, bebês que foram expostos a alguns químicos enquanto dentro do útero de sua mãe, tem atrofia deste braço. Uma pessoa que tenha doença renal crônica, quando faz um ultrassom de abdome, esta com os rins de tamanho reduzido, descrito no laudo como atrofia de rins.
Nem sempre a atrofia de um determinado órgão ou tecido é decorrente de doença. Por exemplo, o útero e ovários da mulher sofrem atrofia após a menopausa, nossos ossos encolhem, nossa pele perde elasticidade e o cérebro também perde tamanho/volume ao longo da nossa vida. O cérebro humano tem, em média, 1.500 g de peso e com variação de 1.000 a 1.500cm3 de volume, distribuídos entre substancia cinzenta, onde estão os corpos dos neurônios, e substância branca, onde estão os axônios, a verdadeira rede de “fiação” e conexão das células nervosas.
O cérebro humano adulto “encolhe” cerca de 0,1 a 0,3% ao ano a partir dos 20-30 anos de idade, evidente em estudos de tomografia ou ressonância magnética de idosos, onde o laudo vem descrito como “atrofia” e o médico simplesmente comenta, de forma correta, “esta normal para idade”. Entretanto, em algumas doenças, como na esclerose múltipla (EM), esta taxa de perda de volume é maior, variando de 0,5 a 1,3% ao ano de acordo com o tipo e gravidade da EM, e isso representando um pouco o dano cerebral continuo que a doença provoca, independente do paciente ter novos sintomas ou não.
A perda de volume cerebral, ou atrofia, se correlaciona com muitos sintomas. Quanto maior a atrofia (menor volume cerebral), mais fadiga, pior dificuldade de deambular, maior o agravo cognitivo, e muitos outros sintomas. Quanto maior o tempo de doença, maior a taxa de atrofia, assim como pacientes com as formas progressivas tem mais atrofia quando comparados a pacientes com formas remitentes recorrentes, especialmente se recém diagnosticados. Isso não significa que a perda de volume cerebral é causa destes sintomas, mas sim que o dano silencioso da doença leva e perda de neurônios e a atrofia que mensuramos em exame de ressonância é a consequência final.
Praticamente todos os medicamentos disponíveis para tratar a forma remitente recorrente da EM interferem neste processo e reduzem a taxa de atrofia cerebral até quase 0,4 a 0,8% ao ano, valor até próximo do normal. Alguns medicamentos exercem influencia maior, basicamente por serem mais potentes na doença como um todo, e outros menos, pois o uso de medidas de perda de volume cerebral é recente, então os estudos clínicos de antes de 2010 praticamente não usavam esta avaliação, e logo não existem muitas informações sobre atrofia para medicamentos mais antigos, mas não significa que não influenciam de forma positiva neste desfecho.
E aí você, paciente, se pergunta porque não usamos esta medida no dia-a-dia. Medir atrofia não é fácil, depende de um protocolo padronizado de ressonância magnética, de se realizar o exame sempre no mesmo local e no mesmo aparelho, softwares específicos e alguém treinado em operá-lo. Além disso existem vários fatores que influenciam na medida, como idade, grau de hidratação, uso de corticoide, medicamentos concomitantes e até mesmo fase do ciclo menstrual. Sim, ciclo hormonal. Ora, uma mulher não se sente “inchada” em fases do ciclo menstrual? Isso acontece por retenção de líquidos e influencia o volume de órgãos internos também, logo, a mesma mulher se realizar um exame de ressonância magnética cerebral com avaliação pormenorizada de volume pode apresentar discretas diferenças se o exame for realizado em fases diferentes do ciclo menstrual. Por estas razões esta medida tem um valor muito importante no ambiente de pesquisa e em estudos clínicos, mas não é prática no dia-a-dia do clínico.
O conhecimento das pesquisas sobre como a atrofia cerebral avança na EM tem sido muito importante para melhorar nossa compreensão da doença, entender um pouco porque cada paciente é muito diferente e único, avaliar melhor o desenvolvimento de medicamentos e até abrir campo para estudos de novos medicamentos. Mas, no dia-a-dia de um clínico em sua mesa de consultório, as medidas tradicionais como um bom exame neurológico, avaliar as queixas novas dos pacientes, número de surtos e número de lesões na ressonância, sejam elas que captem contraste ou não, ainda são os pontos principais para a decisão de manutenção ou troca de um medicamento.
E como você pode ajudar a evitar maiores taxas de atrofia cerebral? Sabemos que mais importante que o peso e volume do cérebro são sua conexões. Pessoas mais inteligentes não necessariamente tem cérebros maiores, mas melhores conexões. E como desenvolver mais e melhores conexões? De uma forma bem prática: cuidando bem do seu corpo. Sabemos hoje que pessoas que praticam atividade física regular, realizam atividades cognitivas regulares, como ler, desenvolver um hobby, ir ao cinema, estudar, entre outros, comem bebem sem exageros, dormem bem toda a noite, não fumam nem usam drogas e sabem controlar o estresse do dia-a-dia, desenvolvem melhores conexões e “reserva funcional” cerebral, e portanto em momentos de sobrecarga e adoecimento, estes “cérebros” sofrem menos e duram mais anos e com melhor funcionamento. Bora sair de casa um pouco?