Número de medicamentos inovadores duplicou em cinco anos

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A entrada de medicamentos inovadores não tem parado de crescer. A polêmica dos preços dos fármacos para a hepatite C colocou pressão nos governos e reacendeu um debate: há limites para o que podemos ou estamos dispostos a pagar? Os especialistas acham que é hora de procurarmos novos modelos.

O número de novos medicamentos aprovados nos últimos cinco anos para os hospitais do Serviço Nacional de Saúde de Portugal praticamente duplicaram. Em 2010 tinham sido introduzidos 13 e no ano passado foram 23. Paralelamente, a despesa quase triplicou, de pouco mais de 50 milhões de euros para 142 milhões em 2014, indicam os dados da Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed) apenas até Setembro. Os medicamentos inovadores transformaram-se numa verdadeira dor de cabeça para os orçamentos de todos os governos. O caso mais recente da hepatite C, com os novos fármacos a gerando polêmica devido ao elevado preço, isto pode ser apenas o princípio de um problema que promete atingir dimensões insustentáveis no futuro, alertam os especialistas de várias áreas ouvidos pelo PÚBLICO.

O número de doentes aumenta, multiplicam-se as inovações, dispara a despesa, e vêm aí os medicamentos feitos sob medida para cada um. Como se resolve esta equação? Não há uma resposta única. Mas todos acreditam que a negociação com as farmacêuticas a nível europeu é o mlehor caminho a seguir – apesar da tentativa falhada com a hepatite C. O próprio presidente do Infarmed, após o acordo para os medicamentos desta doença com a norte-americana Gilead, advertiu que estamos perante o “princípio de um inferno”, com uma luta de “David contra Golias” – em referência ao poder da indústria farmacêutica.

No Reino Unido, tentou-se controlar os gastos fixando um teto de despesa por cada ano de vida ganho. “As pessoas dizem que a vida não tem preço, mas o NICE [organismo que faz as avaliações] calcula um valor de cerca de 30 mil libras por ano ajustado pela qualidade de vida”, lembra o ex-coordenador para o HIV/sida, Henrique Barros. Em Portugal essa discussão tornou-se um tabu. O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida elaborou um parecer em 2013 a pedido do ministro da Saúde – que pretendia levantar uma opinião sobre a fundamentação ética para o financiamento dos três grupos de medicamentos que custam mais ao SNS. A alusão ao “racionamento implícito” que surgia no parecer foi fortemente vergastada.
Só na área do cancro, sintetiza António Vaz Carneiro, que dirige o Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência, existem atualmente “oito mil moléculas em estudo e em ensaios clínicos a nível mundial”. Em breve vão surgir tratamentos inovadores para as doenças degenerativas do sistema nervoso central e para as doenças raras, acrescenta o médico e professor da Faculdade de Medicina de Lisboa. Se nada for feito, avisa, o futuro será “um pesadelo”.

A lição da hepatite C

O recente episódio que culminou com o acordo para a disponibilização de dois medicamentos para a hepatite C em Portugal “vai-se repetir inexoravelmente, vai-se intensificar”, prevê Vaz Carneiro, que lembra que a indústria está “cada vez mais eficaz” e há medicamentos “extraordinários”. Mas como se resolve o problema dos custos? “Não será através do Ministério da Saúde. Temos de saber quanto estamos dispostos a pagar na saúde e deveríamos – os profissionais de saúde, a indústria, o público – ser capazes de nos sentarmos a uma mesa e encontrar uma solução minimamente aceitável”, acentua.
Há, porém, uma lição a aprender. Henrique Barros acredita que as pessoas “começam a perceber que, ou se trata a escalada dos preços, ou não ela não parará mais”. O médico pensa também que, ao contrário do Sofosbuvir e dos outros inovadores da hepatite C, que curam os doentes em mais de 90% dos casos, “a maior parte das drogas não são tão inovadoras, podendo no futuro ser mais cômodas e ter menos efeitos secundários”, ensaia. Mas com a medicina personalizada vai ser diferente, diz.
Na prática, pondera Vaz Carneiro, será necessário determinar, em cada uma das doenças e dos seus níveis de gravidade, o que é “clinicamente significativo”. O que tem acontecido é que “quem grita mais é tratado”, resume. “Como médico quero tratar toda a gente com tudo. Mas o doente não vai poder ter tudo”, avisa.

Uma posição que é corroborada pelo diretor clínico do Instituto Português de Oncologia de Lisboa. Para João Oliveira, “os preços nem sempre correspondem ao valor terapêutico dos medicamentos, mas sim à disponibilidade para pagar”. Comparativamente com o cancro, considera que os fármacos da hepatite C, onde a cura é possível, até têm um preço acessível. “No cancro não são tão eficazes ou são dados durante períodos de tempo muito grandes e a soma disso é muito cara”, explica, dando como exemplo um grupo de 90 doentes que custaram, em 2014, dois milhões ao IPO e que não ficam curados. Mas esperam-se mudanças com a aposta em fármacos que atuam na imunidade das células neoplásticas.

O especialista reconhece que o problema de preços é global e que os “climas emocionais” da discussão não ajudam, mas rejeita soluções como a apresentada pela Escola Nacional de Saúde Pública que num estudo propunha a criação de um fundo para financiar inovadores. Insiste numa negociação europeia. Garante que no IPO não têm tido grandes problemas em aceder aos fármacos, até porque encontraram uma solução: trocam informação com a indústria e acabam por conseguir ter as coisas mais cedo. No futuro, acredita que é preciso mudar culturas. “Há progressos marginais e todos somados são importantes. Mas tem havido uma dimensão de esperança muito maior do que a da efetividade”.
Número recorde de aprovações
A pressão da inovação repercute-se nos medicamentos aprovados . A Food and Drug Administration, organismo que regula o sector do medicamento nos Estados Unidos, aprovou 41 fármacos em 2014, maior número desde 1995. A Agência Europeia do Medicamento, normalmente mais seletiva, deu luz verde a 40. A imuno-oncologia e a terapia genética são os avanços mais recentes.
Em Portugal, desde 2007 passou a ser obrigatória uma avaliação económica prévia dos medicamentos de uso exclusivo hospitalar. Até essa data, cada unidade negociava diretamente. Com a mudança, só os medicamentos em que o valor pedido corresponde de facto a um ganho para o doente merecem luz verde. O comportamento nas aprovações tem sido oscilante. No caso dos de uso hospitalar, em 2007 entraram apenas dois. O número subiu até 2009, mas desde essa altura caiu até chegar aos 7 em 2013, com laboratórios, doentes e hospitais a queixarem-se da demora.
O Infarmed refere que o prazo médio de aprovação caiu para 50 dias, mas, juntando-se as aprovações de processos que já vinham de outros anos, a média chega aos 300 dias. Atualmente, “a grande maioria dos novos medicamentos em avaliação prévia são da área da oncologia, existindo também medicamentos para o tratamento do VIH, esclerose múltipla e medicamentos para tratamento de doenças do foro hematológico”. O regulador escusou-se a adiantar valores concretos de tratamentos.
O presidente da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma) confirma que a entrada de inovadores tem sido “um processo moroso em Portugal”, mas a percepção é de que “no último ano houve uma clara melhoria”. Sobre os preços, João Almeida Lopes rejeita que sejam desproporcionais e lembra que “são uma revolução no tratamento de doenças que, até hoje, considerámos incuráveis”.
Nas áreas, antecipa a oncologia como aquela em que existirão mais inovadores. “São uma mudança radical. Resultam de uma investigação tecnologicamente mais complexa”, explica, frisando que permitirão através da cura poupar noutros procedimentos. Como solução, garante que os laboratórios estão disponíveis para explorar novos modelos de financiamento que contemplem a partilha de risco. Exemplo disso é o acordo da hepatite C, que prevê que o Estado só pague se os doentes ficarem de facto curados.

Das motos para os aviões

Mas os problemas não se colocam só na oncologia. No caso das doenças reumáticas, os medicamentos biológicos foram os mais significativos a inverter o curso destas patologias – encabeçadas pela artrite reumatóide. O diretor do Serviço de Reumatologia do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, Jaime Branco, reconhece que a entrada de fármacos por vezes demora, mas sem problemas maiores. O preço anual com o tratamento de um doente oscila entre os 5000 e os 8000 euros, valor que deve ser multiplicado pelos anos que o doente viva.

Jaime Branco não antevê a chegada de nada disruptivo. Mas lembra “mesmo a chegada de semelhantes é um ganho, porque um fármaco só é eficaz durante um certo de tempo e deixa de ser tolerado e é preciso mudar”. Mas os preços continuarão a ser elevados pois os biológicos “são mais complexos”. “Comparar os biológicos com os antigos é como comparar uma moto com um avião. Estas moléculas são direcionadas para focos específicos do processo inflamatório. É como se fosse um tiro de carabina em vez de uma caçadeira”, ilustra.

Na esclerose múltipla, o ano de 2015 vai ser de mudança, mas nada como na hepatite C. “Ainda não são medicamentos curativos, são medicamentos que atrasam a doença”, explica a neurologista Maria José de Sá, que preside à comissão organizadora do Congresso Internacional de Esclerose Múltipla, que terá lugar no Porto a 27 e 28 de Fevereiro, e que tem a entrada da inovação como um dos painéis principais.

A médica do Serviço de Neurologia Centro Hospitalar de São João estima que o tratamento mensal de uma pessoa com esta doença desmielinizante fique abaixo dos 2000 euros. Mas, como nas doenças reumáticas, o valor é multiplicado por décadas. Em 2014 chegaram à Europa três tratamentos inovadores que acredita vão mudar o tratamento da doença neste ano em Portugal. Dois são fármacos orais de primeira linha (até agora só havia injetáveis para o primeiro tratamento).

Nas patologias mais antigas e com mais doentes as preocupações são semelhantes. Na diabetes, a doença com maior prevalência em Portugal, os inovadores são “promessas que demoram cinco a dez anos a concretizar-se” e muitos servem basicamente “para melhorar a qualidade de vida”, enfatiza José Manuel Boavida, médico e diretor do Programa Nacional para a Diabetes.

Aqui, o modelo é diferente do de outras doenças: “As pessoas acreditam que são as mais interessadas no tratamento e passou-se-lhes para a mão o poder de se injetarem com uma droga que pode matar, a insulina”. A insulina foi uma revolução, quando apareceu, em 1921. Nos últimos anos, tudo mudou com a área da biotecnologia que procura a cura. Até lá, investe-se na investigação da insulina inerte que só se torna ativa quando há subida de açúcar no sangue e em dispositivos como o pâncreas artificial, adianta Boavida. É uma das grandes promessas, mas antecipa-se um preço elevado e pressão sobre os governos. Por isso, “é melhor termos a discussão sobre como se enfrentam estes desafios do que não termos”, aconselha. E rapidamente.

 

 

http://www.publico.pt. Traduzido livremente. Imagem: Creative Commons/PÚBLICO.

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