A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde abriu consulta pública para avaliar a incorporação da cladribina oral para tratamento de esclerose múltipla remitente-recorrente altamente ativa até o dia 14 de agosto; para participar, clique aqui.
O Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) da Esclerose Múltipla estabelece o natalizumabe como primeira opção de tratamento para casos de EMRR altamente ativa. Em caso de falha, o alentuzumabe é o medicamento de segunda linha disponível no SUS. O natalizumabe deve ser administrado a cada quatro semanas, na veia, em ambiente hospitalar, o que gera dificuldades relacionadas à infusão e uma maior necessidade de monitoramento dos pacientes, uma vez que podem ocorrer efeitos adversos graves.
Esse quadro seria diferente com o manejo da cladribina, já que a apresentação oral dela facilita a administração, que é feita pelo próprio paciente, com no máximo 20 dias de tratamento nos dois primeiros anos, envolvendo menor carga de monitoramento e de custo operacional. Conforme a bula, após a conclusão dos dois ciclos de tratamento, não é necessário utilizar a cladribina no terceiro e quarto anos.
A Conitec divulgou um parecer preliminar desfavorável à incorporação da cladribina para tratamento de pacientes com esclerose múltipla remitente recorrente altamente ativa no SUS. Esse tema foi discutido durante a 119ª Reunião Ordinária da Comissão. “Os membros do Comitê de Medicamentos da Conitec consideraram que as evidências apontaram a eficácia do medicamento, mas não demonstraram que há superioridade ao natalizumabe, já disponível no SUS. Além disso, predominaram incertezas relacionadas aos aspectos econômicos”, diz a nota da Comissão.
No ano de 2022, a cladribina oral foi avaliada pela Conitec, relatório nº 748, e ficou entendido que “não havia evidência suficiente de que a cladribina oral fosse similar ao natalizumabe e que, mesmo com a nova proposta econômica do demandante, ainda era incerto o impacto orçamentário do SUS”, e foi recomendado a não incorporação da cladribina oral para o tratamento, de primeira linha, da EMRR altamente ativa.
O que dizem os pacientes
Um homem, de 36 anos, ouvido pela equipe técnica da Comissão, relatou que descobriu a doença após apresentar uma neurite óptica que “praticamente lhe deixou cego do olho esquerdo”. No caso dele, a EM foi classificada como altamente ativa, por causa da existência de outras lesões e porque a avaliação médica concluiu que, antes do diagnóstico, já havia ocorrido dois surtos em um período de seis meses.
A primeira indicação que recebeu foi para uso do natalizumabe, disponível no SUS. Antes de iniciar o tratamento, porém, precisou fazer um exame para detectar infecção pelo vírus JC, com resultado positivo. O médico explicou que o uso do natalizumbe em pessoas infectadas pelo JC poderia provocar o surgimento da LEMP, doença que ao longo do tempo costuma levar à incapacitação.
O especialista indicou a cladribina, que começou a ser utilizada em março de 2022. No relato, a pessoa fez comparações entre o uso dessa medicação e o natalizumabe. Uma das situações que mais chamou atenção, já que o tratamento ainda precisa de mais um ano para saber de sua eficácia no caso dele, foi a qualidade de vida nas atividades diárias. Isso porque, com o natalizumabe, ele tinha a necessidade de ir todos os meses a um ambiente específico, possivelmente pelo resto da vida, para fazer a infusão. A cladribina, por outro lado, exige
apenas a realização de dois ciclos anuais de cinco dias, por meio da ingestão de comprimidos.
Ele disse que o paciente crônico “sonha com a cura” e a cladribina, segundo a percepção do paciente, é o medicamento que “mais chega perto disso, inclusive com um conforto psicológico”. Do ponto de vista profissional, o homem, que é professor de escola pública, disse que, com o natalizumabe, “teria de se afastar do trabalho por um dia todos os meses e isso traria prejuízos tanto em termos de planejamento quanto do aprendizado dos alunos”.
Até o momento, ele não sofreu com efeitos adversos e as ressonâncias recentes mostraram que a doença está inativa.
O que dizem os especialistas
A neurologista Raquel Vassão, do conselho científico da AME, afirma que a cladribina é uma medicação de autoeficácia, inclusive reconhecida pela própria Conitec. “E é uma medicação que pode facilitar muito a vida de várias pessoas que vivem com EM. Eu trabalho em um grande centro de referência do SUS em Belo Horizonte e a cada dia mais a gente não tem mais espaço para pacientes que precisam de infusão de natalizumabe, que é a opção em primeira linha para pessoas que têm a doença de mais alta atividade”, relata.
Na visão da especialista, essa população, que precisa tomar a medicação todos os meses no Sistema Único de Saúde, pode estar perdendo compromissos de trabalho e pessoais, por exemplo, comprometendo a rotina e diminuindo a qualidade de vida. Ela acredita, inclusive, que muita gente tem dificuldade em ter estabilidade no emprego por causa dessa dinâmica.
Raquel Vassão avalia que a cladribina oferece uma eficácia interessante, um conforto posológico. A neurologista chama atenção para outra situação: “Existe um grupo de pacientes que não poderia ser submetido ao tratamento com natalizumabe por causa de complicações como alto risco de LEMP e essas pessoas ficam sem opção, muitas vezes indo para a judicialização ou persistindo em medicações de baixa eficácia”.
O médico Denis Bichuetti, também do conselho científico da AME, enfatiza que todos os remédios para pacientes com esclerose múltipla aprovados para uso no Brasil devem ser disponibilizados para a individualização de tratamento. “Quanto mais opções, melhor fica a questão da individualização de tratamento. A cladribina em particular tem uma vantagem para uso no SUS, pois permite uma terapia de alta eficácia pelo menos nos primeiros dois anos sem a necessidade de um centro de infusão. Então, para algumas regiões do País que não têm locais para isso, é vantagem. A cladribina não é melhor ou pior do que outros medicamentos que a gente tem. Ela é mais uma opção para os pacientes que não tolerem ou tenham apresentado falhas com outros remédios possam ser tratados”, conclui.
O que dizem os demandantes
A solicitação de incorporação da cladribina oral ao SUS para o tratamento de esclerose múltipla remitente-recorrente altamente foi feita pela Merck S.A. A empresa apresentou um relatório detalhado para a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde.
O objetivo foi analisar as evidências científicas sobre eficácia do medicamento como primeira linha de tratamento visando avaliar sua incorporação no SUS como alternativa ao tratamento com natalizumabe. O documento faz uma metanálise de artigos científicos consolidados que comprovam a segurança do remédio para pacientes com EMRR altamente ativa, aponta para as vantagens em relação à qualidade de vida das pessoas, sobretudo sobre a periodicidade do tratamento, já que a população deixará de fazer a infusão sistemática nos centros de atendimento e passará a tomar comprimidos orais em ciclos anuais, desafogando o sistema de saúde como um todo.
Saiba como participar da consulta pública
A consulta pública para incorporação da cladribina oral ao SUS para o tratamento de esclerose múltipla remitente-recorrente altamente ativa vai até o dia 14 de agosto. Para dar opinião sobre o assunto e participar da consulta, acesse o portal da Conitec.
Posicionamento da AME
A AME discorda do posicionamento desfavorável da CONITEC quanto à incorporação de Cladribina Oral no SUS, uma vez que há evidências científicas de que Cladribina Oral possa ser uma opção terapêutica para pessoas com Esclerose Múltipla Remitente-Recorrente com critérios de alta atividade.
Atualmente, o Natalizumabe é a única opção pelo PCDT do SUS para uso em primeira linha em pessoas com alta atividade de doença, medicamento sabidamente eficaz, mas que necessita de infusões mensais e monitoramento de exames de sangue e ressonâncias magnéticas mais frequentes, pelo risco da complicação LEMP,(Leucoencefalopatia Multifocal progressiva), doença do sistema nervoso central que pode ocasionar quadros graves, e que, algumas pessoas, pelo risco mais alto dessa complicação infecciosa pelo vírus JC, podem ter contraindicação de iniciar o referido tratamento venoso. Além disso, é frequente recebermos relatos de pessoas que têm dificuldade de se manter em empregos de maneira perene, ou até mesmo de serem contratados, pela necessidade das infusões mensais de Natalizumabe e, consequentemente, as ausências mensais no ambiente de trabalho, dificuldade que, para pessoas em uso de Cladribina oral, não ocorreria, pelo uso oral da medicação, a ausência do risco de LEMP e menor nefessidade de monitoramento frequente com exames laboratoriais.
Acreditamos que ter mais esta opção no protocolo não apenas facilitaria a vida de pessoas com EM de alta atividade, trazendo mais qualidade de vida e tranquilidade, como também poderia desonerar os serviços especializados do SUS, que empenham pessoal, material e tempo para um crescente número de pessoas com necessidade de infusões mensais de Natalizumabe, reduzindo, consequentemente, tempo e pessoal para o cuidado das pessoas.