Como funciona a atualização do rol de procedimentos e medicações na Agência Nacional de Saúde?

Em cima de uma mesa estão um estetoscópio preto, um tablet com a tela mostrando gráficos e papeis. Em cima, escrito em letras brancas e fundo laranja "Como funciona a atualização do rol de procedimentos e medicações da Agência Nacional de Saúde?"

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Tratamentos de doenças e tecnologias são avaliadas a cada dois anos pela ANS

Nesta reportagem, você ficará sabendo que:
– O rol de procedimentos e medicamentos obrigatórios oferecidos por planos de saúde é revisado a cada dois anos;
– Qualquer pessoa física ou jurídica pode participar do processo, desde que faça propostas de acordo com critérios técnicos;
– Apesar da transparência no processo de discussão, a lista da ANS apresenta algumas falhas;
– O rol de procedimentos e medicações começa a valer a partir de abril.

Todos os procedimentos, tratamentos e medicações que são contemplados pelos planos de saúde no Brasil são atualizados graças à Lei nº 9.656, de 1998. Intitulado ‘Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS’, torna público o direito assistencial dos beneficiários dos planos contratados a partir de 1º de janeiro de 1999, contemplando os procedimentos considerados indispensáveis ao diagnóstico, tratamento e acompanhamento de doenças. De acordo com o site da Agência, a última atualização foi realizada no dia 2 de janeiro de 2018.

Em 1 de abril deste ano, entram em vigor as novas coberturas obrigatórias aprovadas no dia 24 de fevereiro de 2021. São 69 coberturas acrescentadas ao rol, sendo 50 relativas a medicamentos e 19 referentes a procedimentos como exames, terapias e cirurgias.

Na avaliação do advogado Tiago Matos, do Instituto Oncoguia, ainda falta clareza para definir o que será considerado critérios técnicos e o que vai ou não ser incorporado. “Na oncologia, você tinha situações de tratamentos que tinham uma eficácia tão grande e mesmo assim não foram incorporados. Se é uma questão de custo ou não, precisa ter mais objetividade e criar mecanismos para comprometer os fabricantes a apresentarem uma proposta, registrada em cartório, sei lá, que se comprometam com o preço”, diz. Por outro lado, ele aponta a transparência no processo de atualização do rol da ANS como um ponto positivo: “Tudo foi transmitido, compartilhado, documentos expostos, reuniões transmitidas ao vivo e disponibilizadas depois para quem quiser ver. Acho que esse é um ponto positivo da ANS que deve servir de inspiração para outros órgãos”.

Apesar disso, existem contradições em relação a alterações de medicamentos para algumas doenças, como Esclerose Múltipla e Asma Grave, e diferenças nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDTs) de planos de saúde e do SUS para as mesas patologias.

Na lista de remédios de 2021 estão 19 antineoplásicos orais que contemplam 28 indicações de tratamento para diversos tipos de câncer; 17 imunobiológicos com 21 indicações para tratamento de doenças inflamatórias, crônicas e autoimunes, como psoríase, asma e esclerose múltipla; e 1 medicamento para tratamento de doença que leva a deformidades ósseas. Na lista dos procedimentos estão exames, terapias e cirurgias para diagnóstico e tratamento de enfermidades do coração, intestino, coluna, pulmão, mama e outras.

 

Você pode ter acesso ao documento com o rol atualizado dos procedimentos, que entra em vigor a partir de 1 de abril de 2021, clicando aqui.

 

Como funciona o processo de atualização do rol de procedimentos da ANS?

Na Saúde Suplementar, a incorporação de novas tecnologias, bem como a definição de regras para sua utilização, regulamentada pela Resolução Normativa nº 439/2018, é definida pela ANS a cada dois anos. Uma Diretoria Colegiada da ANS (DICOL) define um cronograma, fixando prazo para apresentação das propostas de atualização, mediante o preenchimento do formulário eletrônico.

Para o advogado Paulo Benevento, especialistas em Direito à Saúde, 24 meses é um tempo muito extenso para que haja revisão dos processos: “O ideal seria ter um ciclo menor, talvez um ano, ou a possibilidade de atualizações extraordinárias. Isso precisaria ser melhor disciplinado”.

A neurologista Raquel Vassão, do conselho científico da AME-CDD, entende que os esforços para operacionalizar as mudanças são muito grandes na ANS, mas concorda que o tempo para a definição dos procedimentos não está adequado. “A atualização a cada dois anos é um tempo muito grande e muito provavelmente foi moldada dentro das capacidades da agência e não o oposto”, enfatiza. A médica acrescenta: “Do ponto de vista assistencial, a maioria das doenças crônicas serão beneficiadas se as agências tiverem uma janela a cada seis meses para submeter as incorporações. Do ponto de vista prático, para o manejo dos pacientes, a cada seis meses você teria uma incorporação de tecnologia e, do ponto de vista operacional das empresas, também faria algum sentido”.

“Considerando que nesse ciclo de atualização você tem uma janela temporal de submissão, o tempo para ter acesso a uma nova tecnologia é de mais de 1300 dias. Então, se uma nova tecnologia é registrada no dia seguinte ao prazo, só vai potencialmente entrar depois de 1300 dias. Só isso já mostra uma falha, algo que precisa ser ajustado. Isso pode ser feito na consulta pública da resolução normativa que pretende mudar o processo de atualização do rol. Vale reconhecer que a ANS já deu um passo para aprimorar isso”, afirma o advogado Tiago Matos, do Instituto Oncoguia.

Como e quem pode fazer propostas para o rol de procedimentos da ANS?

Tanto pessoas físicas quanto jurídicas podem encaminhar suas propostas. O Comitê Permanente de Regulação da Atenção à Saúde – COSAÚDE, de caráter consultivo, é um fórum que estabelece o diálogo permanente com os agentes da saúde suplementar e a sociedade.

Para fazer uma proposta de atualização, alguns requisitos estabelecidos pelo artigo 9 da RN nº 439/2018 são:

– Apresentação de um Parecer Técnico Científico (PTC) ou Revisão Sistemática com a descrição das evidências científicas relativas à eficácia, efetividade, acurácia e segurança da tecnologia em saúde em proposição;

– Um estudo de Avaliação Econômica em Saúde (AES) e Análise de Impacto Orçamentário (AIO) da proposta;

– E para a elaboração do PTC/Revisão Sistemática, da AES e da AIO, deverão ser utilizadas como referência edições atualizadas de diretrizes metodológicas do Ministério da Saúde elaboradas para cada um dos temas e disponíveis na biblioteca virtual da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC).

Como saber se um procedimento faz parte da cobertura obrigatória do plano de saúde?

O site da Agência Nacional de Saúde oferece uma ferramenta online para que os beneficiários possam pesquisar se um determinado procedimento faz parte da cobertura mínima que seu plano de saúde é obrigado a cobrir.

O link direto para a busca é o: http://www.ans.gov.br/planos-de-saude-e-operadoras/espaco-do-consumidor/o-que-o-seu-plano-de-saude-deve-cobrir/o-que-e-o-rol-de-procedimentos-e-evento-em-saude/consultar-se-procedimento-faz-parte-da-cobertura-minima-obrigatoria

O que foi atualizado para tratamentos e medicações para Esclerose Múltipla?

Jefferson Becker, do Comitê Brasileiro de Tratamento e Pesquisa em Esclerose Múltipla e Doenças Neuroimunológicas (BCTRIMS) avalia que o rol da ANS melhorou muito, mas há ainda algumas falhas. “Primeiramente, há medicações que não foram incluídas, como os fármacos orais, tais como o fingolimode, o fumarato de dimetila e a teriflunomida. Isso é um complicador também, pois, para alguns pacientes, essas medicações são consideradas necessárias”. Nesse caso, o neurologista explica que o paciente terá de acessar o SUS para conseguir essas medicações.

Ao mesmo tempo, na avaliação dele, as Diretrizes de Utilização de Terapia (DUTs) das medicações infusionais, como o natalizumabe, alentuzumabe e ocrelizumabe não estão de acordo com o esperado pela comunidade. “Há dois problemas principais: o natalizumabe foi deixado como terceira ou quarta alternativa de tratamento, não sendo adequado, pois o atraso no uso dessa medicação pode acarretar sequelas irreversíveis no paciente. Além disso, o ocrelizumabe e o alentuzumabe não foram considerados como alternativas ao natalizumabe e sim apenas na falha dele”, esclarece.

Bruna Rocha, vice-presidente da Crônicos do Dia a Dia (CDD), lembra que os pacientes tiveram conquistas na última atualização: “A gente conseguiu incluir o natalizumabe e um exame de antiaquaporina, que vale para NMO (Neuromielite Óptica) e esclerose múltipla, porque os planos de saúde, em geral, só autorizam os medicamentos injetáveis. No ano passado, foi feito pedido para todas as tecnologias injetáveis e orais. Pedimos todas! A ANS entendeu que, se o sistema público já tem todas as terapias, a saúde suplementar deveria ter também”.

Paulo Benevento acrescenta que, no rol anterior da ANS, o natalizumabe era indicado quando o paciente com esclerose múltipla já tinha feito o uso de betainterferona e glatirâmer: “Então, havia dois medicamentos que necessariamente deveriam ter sidos usados anteriormente, ou seja, a pessoa só conseguia acessar o natalizumabe, se tivesse utilizado esses dois medicamentos antes. O rol atual ampliou os medicamentos precedentes ao natalizumabe, utilizado em quarta linha. Antes, o paciente precisava usar betainterferona, glatirâmer, na primeira linha, na segunda, fumarato de dimetila, na terceira linha, fingolimode e, enfim, natalizumabe, na quarta linha”, destaca o advogado, apontando um retrocesso nesse quesito.

Na análise dele, colocar o fingolimode antes do natalizumabe cria um problema relevante: “Isso porque o fingolimode é um medicamento de uso oral e não está coberto pelos planos de saúde. O artigo 10, inciso 6, da lei dos planos de saúde prevê que medicamentos de uso domiciliar não fazem parte da cobertura do rol de procedimentos e medicamentos obrigatórios. A exceção são quimioterápicos orais”. O especialista em Direito à Saúde ressalta que uma eventual incorporacao do fingolimode seria ilegal. “Então, a ANS criou uma obrigação de o paciente usar um medicamento que pagará do próprio bolso, como condição de acesso para uma medicação que é coberta e incorporada, que é o natalizumabe. Isso cria uma fragmentação no sistema de saúde suplementar”, alerta.

Por isso, a AME-CDD e o BCTRIMS entraram com um recurso administrativo, apontando uma incongruência no escalonamento de tecnologias para EM. “É possível prever, de antemão, que parte da demanda pelo fingolimode será absorvida pelo Sistema Único de Saúde e outra parte será atendida, mediante judicialização, o que denuncia, em ambos os casos, a fragmentação do cuidado e a inadequação do modelo assistencial introduzido pela RN 465/2021”, diz um trecho do documento.

Outras contradições apontadas no tratamento da EM no novo rol da ANS

A vice-presidente da CDD, Bruna Rocha, enfatiza que é uma contradição o fato de medicamentos orais não terem entrado na atualização e vai além: “Outra contradição é que a gente tem lutado para mudança do PCDT para que não tenha linhas de tratamento para esclerose múltipla, para que médico e paciente consigam escolher o tratamento conforme o nível de atividade da doença, a rotina de vida do paciente. A ANS acabou copiando o PCDT antigo, que preconizava essas linhas de tratamento e a gente acaba tendo uma perda que as pessoas terão de ir pela saúde suplementar e começarem por terapias que não são consideradas primeira linha, não são consideradas boas para pessoas que têm alta atividade da doença”.

A neurologista Raquel Vassão concorda, mas ressalta: “Do ponto de vista de saúde pública, não faz sentido termos protocolos diferentes no privado e no público, mas entendo que são capacidades financeiras diferentes. Porém, pensando em saúde pública na ponta, no final, dá pra juntar os esforços da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde) e de toda a cadeia que se envolve com isso e fazer um bom trabalho. E, de certa maneira, que não consuma todo o recurso que a gente tem e que as melhores estratégias farmacoeconômicas sejam adotadas e que façam a diferença na vida das pessoas”, conclui.

O que foi atualizado para tratamentos de Asma Grave?

No último ciclo, que se encerrou em 24 de março de 2021, a Agência Nacional de Saúde Suplementar avaliou tecnicamente 215 propostas, destas, seis propostas de incorporação de medicamentos biológicos para tratamentos de Asma Grave. A Diretoria Colegiada da ANS decidiu incluir a Asma Grave Alérgica e a Asma Grave Eosinofílica dentre as doenças listadas na diretriz de utilização da terapia (DUT) imunobiológica subcutânea. Com isso, alguns critérios específicos foram estabelecidos para o tratamento destas patologias, mediante utilização dos medicamentos biológicos omalizumabe, mepolizumabe e benralizumabe.

A inclusão da doença na DUT da terapia imunobiológica foi recebida com entusiasmo pela comunidade científica e por associações de pacientes, uma vez que os medicamentos biológicos incorporados realmente oferecem possibilidades relevantes de tratamento para pacientes acometidos por Asma Grave. “Porém, a despeito deste inegável avanço, a forma como a doença foi incluída na diretriz de utilização enseja preocupação a pacientes e prescritores, uma vez que a prática clínica e os subsídios científicos mais autorizados não oferecem respaldo à segmentação radical do tratamento imunobiológico, em função dos fenótipos descritos”, frisa o advogado Paulo Benevento.

Preocupadas com a situação, a CDD, Fundação ProAr, a Associação Brasileira dos Portadores da Doença de Hunter e outras Doenças Raras (Casa Hunter) e a Federação Brasileira das Associações de Doenças Raras (FEBRARARAS), entraram com um recurso administrativo pedindo a revisão da diretriz de utilização da terapia imunobiológica subcutânea.

“A forma como a Asma Grave foi incluída tende a acarretar limitações indevidas de acesso às tecnologias incorporadas, por parte de portadores de formas mistas da doença. De fato, a complexidade do processo inflamatório relacionado à Asma Grave pode acarretar a sobreposição de fenótipos e biomarcadores, caracterizando um overlapping de indicações para alguns subtipos da doença, circunstância que evidencia a inadequação conceitual da redação atribuída à DUT”, diz um trecho do documento.

A associação dos anticorpos monoclonais incorporados aos fenótipos alérgico e eosinofílico não deixam margem à prescrição customizada. “Concluímos que os pacientes acometidos por patologia que apresenta características mistas encontrarão obstáculos indevidos de acesso aos medicamentos, o que, prospectivamente, constitui prenúncio de ampliação do espectro da judicialização”, alerta o requerimento.

O posicionamento é compartilhado pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), a partir de subsídios vindos da prática clínica. As entidades defendem que o acesso à terapia imunobiológica deve ser regulado por uma diretriz de utilização ampla, que inclua todos os asmáticos graves e todos os imunobiológicos disponíveis, sob a rubrica única da “Asma Grave”, a exemplo do que ocorre com a Artrite Reumatóide e a Doença de Crohn.

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