A cannabis é uma planta que tem sido usada para fins medicinais e recreativos por milhares de anos. A pesquisa sobre cannabis e EM está em andamento em muitos países.
Potenciais benefícios da cannabis na Esclerose Múltipla
Vários estudos têm avaliado se terapias à base de cannabis podem ajudar a aliviar certos sintomas da esclerose múltipla. No entanto, a maioria desses estudos é com escopo pequeno, e os resultados muitas vezes variam de um para outro. Além disso, mesmo entre os participantes do mesmo estudo, frequentemente há uma variedade de respostas aos tratamentos com cannabis.
Revisões da evidência científica disponível geralmente apoiam a ideia de que terapias à base de cannabis podem ajudar a aliviar os sintomas de dor e espasticidade em pessoas com esclerose múltipla.
O efeito da cannabis em outros sintomas da doença ainda não é completamente compreendido. A seguir, há mais detalhes sobre o uso da cannabis para tratar sintomas específicos.
Espasticidade muscular
Múltiplos ensaios clínicos testaram produtos à base de cannabis que são ingeridos ou pulverizados na boca como um tratamento potencial para a espasticidade – um sintoma caracterizado pela rigidez muscular experimentada por até 90% dos pacientes com esclerose múltipla.
Esses ensaios geralmente descobriram que as terapias à base de cannabis não são eficazes na redução de medidas objetivas de espasticidade. No entanto, os tratamentos são consistentemente eficazes na redução dos sintomas de espasticidade relatados pelos pacientes.
Em outras palavras, as evidências sugerem que os tratamentos com cannabis não conseguem reduzir os processos físicos que geram espasticidade muscular, mas podem tornar esse sintoma menos incômodo para lidar no dia a dia.
Alívio da dor
Pessoas com esclerose múltipla podem ter dor neuropática – ou seja, dor causada por danos no sistema nervoso. Embora os efeitos variem e geralmente sejam pequenos em média, os estudos têm sido consistentes ao mostrar que as terapias à base de cannabis podem ajudar a aliviar esse tipo de dor na esclerose múltipla. Produtos à base de cannabis também podem ajudar a aliviar a dor causada por espasmos musculares.
No entanto, alguns profissionais de saúde permanecem cautelosos quanto ao uso da cannabis medicinal, com suas principais preocupações incluindo a ausência de diretrizes clínicas robustas, o potencial mau uso da cannabis medicinal e possíveis interações da cannabis com outros medicamentos.
Problemas na bexiga
Pessoas com esclerose múltipla frequentemente enfrentam problemas na bexiga, como micção frequente ou incontinência (perda de controle sobre a micção voluntária). Evidências de pequenos estudos clínicos sugerem que um spray oral à base de cannabis chamado nabiximols pode ajudar a reduzir a frequência urinária em alguns pacientes. No entanto, provavelmente não é eficaz para a incontinência.
Outros efeitos
Alguns estudos sugerem que produtos à base de cannabis podem ajudar a melhorar o sono e reduzir a fadiga em pessoas com esclerose múltipla. A cannabis também mostrou alguns benefícios relacionados ao sono para pessoas com distúrbios do sono na população em geral, embora os especialistas afirmem que o uso da cannabis como auxílio para dormir necessita de estudos adicionais.
A pesquisa também examinou se a cannabis pode aliviar o tremor em pessoas com esclerose múltipla, mas as evidências disponíveis sugerem que as terapias à base de cannabis não são eficazes para esse sintoma.
THC vs. CBD
A cannabis contém mais de 100 compostos biologicamente ativos chamados canabinoides. Os dois canabinoides mais conhecidos são o tetraidrocanabinol, ou THC, e o canabidiol, chamado CBD.
O THC é o principal componente psicoativo encontrado na cannabis – o que significa que essa molécula é principalmente responsável pelo efeito psicoativo comumente associado ao uso recreativo da cannabis. Além de seus efeitos psicoativos, o THC pode estimular o apetite e reduzir a náusea. Também pode melhorar o controle muscular para alguns pacientes.
O CBD não é psicoativo, portanto, não causa euforia, mas possui uma variedade de outros efeitos biológicos no corpo. Por exemplo, acredita-se que o CBD tenha propriedades antioxidantes, anti-inflamatórias e relaxantes para a ansiedade. Em certas formas de epilepsia, terapias baseadas em CBD mostraram ser eficazes na redução da frequência de convulsões. Para alguns pacientes, pode ajudar em condições de saúde mental, como ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).
THC, CBD e outros componentes da planta de cannabis interagem com o corpo e entre si. Consequentemente, os efeitos de qualquer produto à base de cannabis dependem muito da concentração específica dessas moléculas. Além disso, produtos com composições diferentes provavelmente terão efeitos diferentes.
Os produtos à base de cannabis podem conter canabinoides extraídos da planta, ou podem usar canabinoides sintéticos – moléculas fabricadas em laboratório com atividade biológica semelhante.
Diferentes Variedades
A planta de cannabis é originalmente nativa da Ásia Central, mas ao longo dos milênios, os seres humanos a cultivaram em todo o mundo. Práticas de reprodução seletiva produziram mais de 700 variedades diferentes de cannabis, cada uma com características botânicas e bioquímicas únicas. Há algum debate entre os botânicos sobre se algumas variedades de cannabis devem ou não ser classificadas como espécies separadas.
Atualmente, as variedades de cannabis são em sua maioria agrupadas em duas subespécies – Cannabis sativa e Cannabis indica – com base na composição dos canabinoides e no efeito sobre o corpo. Um terceiro grupo inclui variedades resultantes de combinações de cepas indica e sativa. Suas características são únicas:
- Variedades indica geralmente têm uma proporção mais alta de CBD para THC e são comumente descritas como causadoras de um “barato corporal”, com sentimentos de relaxamento e sonolência.
- Variedades sativa geralmente têm uma proporção comparativamente maior de THC para CBD e são frequentemente descritas como causadoras de um “barato cerebral”, com sentimentos de estimulação energizada, alerta e criatividade.
- Variedades híbridas geralmente estão em algum lugar entre indica e sativa em termos de perfil de canabinoide e efeito.
É importante notar que os perfis individuais de canabinoides e os efeitos podem variar substancialmente entre as variedades do mesmo grupo e até entre plantas da mesma variedade.
Além disso, como cada paciente possui uma combinação única de sintomas da doença, preferências e estilo de vida, não há uma variedade ou grupo de variedades que seja globalmente melhor como tratamento para pessoas com esclerose múltipla. Os pacientes devem conversar com seus médicos para determinar o que pode funcionar melhor dadas suas circunstâncias individuais.
Tratamento com cannabis para a esclerose múltipla
Produtos à base de cannabis podem ser consumidos de várias maneiras: fumados ou vaporizados e inalados, ingeridos, pulverizados na boca ou aplicados na pele. Diversas formulações foram exploradas na esclerose múltipla. É importante anotar que não existe ainda tratamento regularizado para EM com base em Cannabis. As principais formas de consumo são: inalação, comestível ou sprays orais.
- Inalação: Embora alguns estudos tenham examinado produtos à base de cannabis fumados ou vaporizados como uma terapia potencial na esclerose múltipla, fumar qualquer coisa pode causar danos aos pulmões. Portanto, as formulações inaladas geralmente não são recomendadas para fins médicos.
- Comestíveis: Como o nome sugere, refere-se a formas de cannabis destinadas a ingeridas. Estes podem ter várias formas, incluindo gomas de mascar, doces, produtos assados ou cápsulas. Vários ensaios clínicos examinaram os efeitos do uso de um extrato oral de cannabis (EOC) – uma formulação comestível com concentrações controladas especificamente de canabinoides – para tratar a esclerose múltipla. Os EOCs demonstraram aliviar os sintomas relatados pelos pacientes de espasticidade e dor na esclerose múltipla.
- Sprays orais: Um spray oral à base de cannabis chamado nabiximols, que contém uma mistura quase igual de THC e CBD, foi estudado em numerosos ensaios clínicos de esclerose múltipla – e constatou-se que alivia significativamente sintomas como espasticidade, dor e problemas na bexiga. A terapia é aprovada no Brasil para tratar a espasticidade relacionada à esclerose múltipla. É comercializado sob o nome Mevatyl.
Riscos do uso de cannabis na esclerose múltipla
O uso de produtos à base de cannabis pode causar efeitos colaterais indesejados e desagradáveis. Em casos raros, esses efeitos podem ser perigosos. O perfil de segurança específico de cada um depende do produto em questão, da dose e do método de administração. Efeitos colaterais comuns associados a produtos à base de cannabis, conforme relatado em ensaios clínicos de esclerose múltipla, incluem:
- Tontura ou vertigem
- Diarreia, náuseas e/ou vômitos
- Infecção do trato urinário
- Boca seca
- Fadiga ou sonolência
- Dor de cabeça
- Desorientação ou atenção prejudicada
Tradução e adaptação Redação AME
Original publicado em Multiple Sclerosis News Today em outubro 2022