Há um diálogo atribuído ao escritor americano Ernst Hemingway, que parece resumir bem os desafios da vida:
“ – Quem estará nas trincheiras ao teu lado?
– E isso importa?
– Mais do que a própria guerra ”
Nem sempre venceremos. Às vezes, a vida nos coloca em uma situação de guerra, em que lados são separados e a vitória se apresenta apenas como uma possibilidade. No entanto, isso só será possível em uma situação em que já se esgotou todas as possibilidades de diálogo. A igualdade é ignorada, criando-se e fortalecendo-se uma hierarquia, uma diferença. Assim, acredita-se que o outro, por ser considerado perigoso, deve ser destruído.
Um lado não está disposto a perder nenhum centímetro de seus territórios, lucros, privilégios, direitos etc., para que todos possam ser iguais. Conversar se tornou impossível. A diferença não é aceita como elemento da diversidade, a própria forma em si, mas como uma matéria disforme, que deve ser corrigida e enquadrada em um único modelo de desenvolvimento. A paz se dá mantendo o resto em guerra.
Um conflito, seja ele no plano das armas ou das ideias, não significa nada em si. Como uma arma não dispara sozinha, projetando uma bala em um alvo; uma guerra não se dá sem que posições sejam tomadas. É preciso uma intenção que aperta o gatilho ou agride um outro propositalmente. Enquanto um lado luta pela escravidão alheia, por seus privilégios, o outro está disposto a lutar justamente em defesa de sua liberdade. E aí, numa situação de guerra inevitável, só nos resta as trincheiras. O que nos conforta é a certeza de saber aqueles que estão ao nosso lado.
Quando olho para o lado vejo pessoas que respeito, que levantam as mesmas bandeiras e lutam as mesmas lutas. Tenho muito orgulho daqueles que encontro nas trincheiras e caminham ao meu lado, amparados em sentimentos de respeito, igualdade, fraternidade etc. Ao contrário, quando olho ao outro flanco tenho vergonha das figuras que encontro, de seus comportamentos, da fragilidade de seus argumentos, dos sentimentos violentos e intolerantes que sustentam. Como diz o grande Darcy Ribeiro (lembrado por Juca Kfouri, que lançou o livro de memórias “Confesso que perdi”, #euquero), mesmo em minhas derrotas, odiaria estar ao lado dos vencedores.
Em alguma medida ser pai também é isso. Espero, Francisco, ser de alguma forma uma referência nessa jornada; nas trincheiras da vida, sabe. Talvez não tenha muito a oferecer, apenas minha vida. Falo metaforicamente, enquanto exemplo e referência, mas certamente aqueles que são pais e mães sabem muito bem o quanto essas palavras podem ganhar literalidade, se for o caso. Enfim, o quero dizer com isso é que essas trincheiras não são físicas, extrapolam os limites do tempo e do espaço. Mesmo aquelas pessoas que lhe são contemporâneas e estão em outros lugares ou não estão mais aqui podem estar ao seu lado, invisíveis enquanto ideias e inspiração.
Como pais, nossas lições são relevantes por toda uma vida, e após ela certamente (negativa ou positivamente), mas são ainda mais significativas na infância. Depois disso, nossos filhos assumem suas próprias trincheiras, traçam seus próprios combates. É petulante, aos pais, acreditar que os filhos os seguirão eternamente, assumindo os mesmos lados e as mesmas bandeiras. Às vezes, a partir de suas próprias experiências, é necessário justamente levantar-se e dirigir ao outro lado.
Todavia, apesar de termos nossas próprias lutas, nem sempre temos que ignorar a forma por seu conteúdo. Nem todas as discordâncias precisam se tornar guerras. Às vezes é necessário conciliar e reorganizar nossas convicções e certezas, tomando a própria diferença como fator de liga e união, como moldura para um quadro inacabado. A forma precisa do conteúdo para se mover e o conteúdo precisa da forma para se manter estável. Acima de tudo é necessário respeito! Valores de amor, igualdade, responsabilidade etc., podemos, eu e sua mãe, te ensinar para que você mesmo escolha suas próprias guerras, trincheiras e aqueles que vai querer ao seu lado. Haja o que houver, estaremos aqui!