Se você já tirou um tempinho para ler “quem sou eu” aqui no Blog da AME, notou que eu me apresento como “advogada esclerosada”. A advocacia é minha profissão, mas também é minha paixão e meu vício. E a Esclerose Múltipla, bem, essa é a irmã siamesa que a vida me deu… a gente divide o mesmo corpo e, a todo momento, ela tenta “invadir” meu cérebro, este que tanto uso para exercer minha paixão e profissão. E, além do cérebro, a EM toma conta das minhas mãos, da minha visão, da minha disposição, e por aí vai.
Esse casamento da advocacia com a EM aconteceu há 3 anos, quando eu já tinha 4 anos de advocacia e estava “a todo vapor”, em plena ascendência na profissão.
Como já contei para vocês no Post “O que te faz levantar da cama pela manhã?”, meu primeiro pensamento, ao ser diagnosticada com a EM, foi: “E agora? Como vou trabalhar?”. É que, quando fui internada para minha primeira pulsoterapia, eu estava totalmente paralisada do lado direito (minhas mãos e pernas não me obedeciam e até minha fala foi prejudicada), tinha visão dupla e vertigens. Além disso, como contei no último Post, tive um surto psicótico. Ou seja, a Esclerosinha tirou de mim (pelo menos por um período) todas as minhas ferramentas de trabalho.
Felizmente, depois de um tempo, tratamento medicamentoso, fisioterapia, psicoterapia e pilates (ufa!), meus sintomas iniciais foram desaparecendo, e a Esclerosinha se contentou somente com uma fadiga crônica, formigamentos e dormências nas minhas mãos e nos pés (estes últimos esporadicamente). Além dos efeitos colaterais do meu tratamento atual.
Mas a verdade é que, além de lidar diariamente com todos os desafios da advocacia, também tenho que contornar os percalços que a EM me trouxe, até porque, como todo bom esclerosado sabe, o estresse é gatilho de novos surtos.
E como um advogado evita o estresse, se é justamente com problemas que trabalhamos? Além dos problemas dos outros (e às vezes dos nossos próprios), lidamos diariamente com prazos, reuniões, audiências, burocracia, atendimento precário nos órgãos públicos, e por aí vai. Você já ouviu de um advogado que a rotina dele é tranquila? Eu não!
Mas com o tempo, venho percebendo que o segredo não é evitar o estresse, mas sim administrá-lo. E isso vale para qualquer profissão, inclusive dono(a) de casa, pai/mãe, filho(a), marido/esposa. Sabe por que digo isso? Porque, se você está vivo, você certamente se estressa! O problema é quando o estresse do dia-a-dia, e da profissão, ultrapassa o limite da normalidade, o que, inclusive, já ganhou nome: Síndrome de Burnout. (https://www.einstein.br/estrutura/check-up/saude-bem-estar/saude-mental/sindrome-burnout).
Antes da Esclerosinha entrar na minha vida, eu era a típica advogada estressada. Trabalhava cerca de 14 horas por dia; levava trabalho para casa e não parava nem nos fins de semana e feriados; me irritava com muito pouco (com o trânsito, a impressora que “comia o papel”, o cliente que chegava sem agendamento, a bateria do celular que acabava).
O diagnóstico da EM traz muitas coisas ruins, mas é unânime que, também, nos traz inúmeras coisas boas. Dentre elas, a que considero mais importante, é uma nova visão de vida. Aquele pensamento de que teremos tempo “depois” dá lugar para a certeza de que a vida é finita e breve, e que não podemos deixar para aproveitar depois. Junto com isso, a Esclerosinha me mostrou que meu corpo e minha mente PRECISAM descansar.
Hoje tento fazer (e pensar em) menos coisas ao mesmo tempo; tento não abraçar o mundo e dizer alguns “nãos” por aí; ao encarar os problemas, tento encontrar soluções ao invés de procurar culpados; tento relevar pequenos estresses (e logo esquecê-los); tento ser o mais organizada* possível em relação aos meus prazos e compromissos; tento ter horários certos para alimentação e descanso; e tento deixar os problemas do trabalho “trancados” dentro do escritório, quando vou embora no fim do dia.
Destaquei a organização, pois considero esse ponto muito importante. O diagnóstico abrupto de uma doença nos mostra que podemos falhar e que devemos ser substituíveis. Como advogada e esclerosada, procuro organizar meus compromissos e prazos de modo a não me sobrecarregar e, consequentemente, fadigar. Se, em um dia, tiver que trabalhar com mais intensidade e por mais tempo para cumprir um prazo, por exemplo, tento compensar no dia seguinte, dormindo um pouco mais e chegando mais tarde ao escritório. E além disso, sempre mantenho minha mesa, documentos e prazos, acessíveis aos meus colegas de trabalho, pois sei que posso falhar, e o trabalho não pode parar.
E eu disse tanto “tento” ali em cima, porque nenhuma mudança ocorre do dia para noite. E também não pode ser definitiva. Assim, como “cada caso é um caso”, como costumamos dizer na advocacia, cada dia é diferente para quem tem EM. Há noites em que vou dormir cedo, tenho uma excelente noite de sono, mas já acordo fadigada. Assim como tem aqueles extremamente quentes e estressantes, mas a EM sequer dá sinal de vida. Viver com EM é viver sem previsão, sem regras, e, por isso, temos que ser maleáveis e nos adaptar às situações conforme elas surgem.
Quem tem EM busca, diariamente, pelo equilíbrio de uma balança que nunca carrega os mesmos pesos. E, pensando bem, não é que essa é a saga da advocacia também?!