Pior é que eu berrei. Berrei com o pior tipo de desespero do mundo. Meu silêncio, meu conformismo, minha aceitação, minha quase maturidade. Eu tenho a impressão que a hora que eu chorar, vai ser das coisas mais tristes do mundo.
(Tati Bernardi)
No dia 02 de abril, minha parceria com o inteferon beta 1a completou 4 anos de existência.
Fazendo uma conta aproximada, daquela primeira picada até hoje, foram cerca de 638 injeções aplicadas em diversas partes do corpo.
Coxas, nádegas, barriga, costas e braços receberam cada um por volta de 127 agulhadas introdutórias do "precioso líquido" em meu organismo.
Quando me refiro à preciosidade do medicamento, estou querendo ressaltar o quanto ele é valioso para quem dele necessita, como no meu caso, mas também o quanto ele é caro, financeiramente falando, a ponto de só me ser possível, assim como para muitos outros, fazer uso dele porque é fornecido pelo SUS, pois, caso não fosse, ele estaria muito aquém do meu orçamento.
Costuma-se dizer que a Esclerose Múltipla é uma doença cara, uma doença que não deveria acometer pessoas desprovidas de recursos, com o que sou obrigada a concordar, uma vez que, embora a medicação para controle seja recebida, em tese, gratuitamente do estado, a patologia autoimune necessita de cuidados multidisciplinares e outros remédios altamente onerantes.
Doença rara, complexa e cara…
Mas deixemos a parte financeira de lado por ora, porque hoje quero abordar a preciosidade de outro ângulo, o protetivo, que o interferon tem exercido sobre a evolução da EM em mim.
Eu iniciei seu uso exatamente 2 meses após ter recebido o diagnóstico e de lá pra cá tive alguns surtos que não deixaram sequelas graves. Na verdade, apesar de ter perdido um pouco de força e sensibilidade, eu caminho sem precisar, quase sempre, de apoio e tenho conseguido fazer quase tudo o que preciso na maioria dos dias, o que quer dizer que o meu "ouro líquido", como eu apelidei o interferon, está cumprindo seu papel desacelerador da progressão da EM.
Eu não consegui descartar nenhuma das seringas vazias. Tenho todas guardadas. Algumas se transformaram em arte bem no começo do tratamento e, as demais, terão o mesmo destino. Já elaborei, mentalmente, o projeto dos trabalhos que pretendo realizar com elas, o que tem me faltado é tempo para elaborá-los.
Me lembro bem das reações que meus trabalhos com as seringas provocaram nos observadores quando eu os expus nas redes sociais. Algumas foram bem antagônicas, denotando repulsa, suscitando críticas negativas. Outras foram de profunda identificação com o conteúdo de cada uma delas.
Transformei em arte sentimentos que me fizeram sofrer. Fiz arte com o que eu não consegui lidar de outro modo. A arte deu novo significado ao medicamento que me dava a sensação de adoecer mais a cada dose.
A primeira seringa, aquela que mantive em minhas mãos por um tempo que me pareceu infindável sem ganhar coragem para apertar o êmbolo, recebeu o "sangue" que latejava em minhas artérias e transformou-se no elemento chave da obra Solidão.
Bete Tezine, Solidão. Arte objeto, 2012.
As seringas das aplicações seguintes garanham o dourado do metal que deu nome à obra. Ouro líquido demonstra toda a preciosidade do interferon em minha vida.
Bete Tezine, Ouro Líquido. Arte objeto, 2012.
Bete Tezine, Ouro líquido (detalhe). Arte objeto, 2012.
Mais aplicações, mais seringas vazias. Uma caixa branca, um pedido de silêncio… Silêncio é o título da obra que aparece na abertura do post e que traduz o meu direito de escolha ou, talvez, de não escolha…
Para finalizar, quero deixar aqui uma frase de Nietzsche para reflexão: "temos a arte para não morrer da verdade".
Beijos carinhosos!