Recentemente, ações entre profissionais da saúde de Esclerose Múltipla buscam integrar cuidados paliativos em suas práticas. Quando a maior parte de nós escuta o termo “cuidados paliativos”, se algo nos vem à mente, provavelmente são medidas tomadas no final da vida para aliviar o sofrimento e maximizar o conforto. Porém, os cuidados paliativos são uma abordagem que pode ser benéfica para qualquer pessoa que sofra devido a uma condição de saúde, seja ela recém-diagnosticada ou de longa data. E está sendo cada vez mais aplicada também entre os provedores de cuidados com a Esclerose Múltipla (EM).
De 2005 a 2014, a porcentagem de pessoas com EM nos Estados Unidos, que receberam cuidados paliativos aumentou de 0,2 para 6,1%, de acordo com um artigo publicado em dezembro de 2018 no Journal of Clinical Neuroscience.
Mas, como mostram os números acima, a maioria das pessoas com EM ainda não tem acesso significativo a cuidados paliativos, e ainda há muitos equívocos tanto de médicos como pacientes sobre o que os cuidados paliativos envolvem, e como eles se aplicam à EM. Neste artigo iremos falar sobre o que os cuidados paliativos significam no contexto da Esclerose Múltipla, quando e como podem ser úteis e como podem ser incorporados ao plano de tratamento.
O que significam cuidados paliativos para Esclerose Múltipla?
Os cuidados paliativos descrevem uma abordagem para a prestação de cuidados de saúde, em vez de qualquer tipo específico de tratamento. Embora não haja uma definição precisa, os especialistas concordam que significa tratar mais do que apenas aos sintomas. “Como manter a qualidade de vida? Esse é realmente o ponto central do que são os cuidados paliativos”, diz Rachael Stacom, enfermeira e vice-presidente sênior de saúde da população do Independence Care System, na cidade de Nova York. “Trata-se de conforto e alívio do sofrimento.”
“A maneira como eu explico é olhar para cuidados ‘centrados na doença’ versus ‘centrados na pessoa’”, diz Benzi Kluger, MD, especialista em cuidados neuro paliativos no UCHealth University of Colorado Hospital e professor de neurologia na University of Colorado School of Medicine em Aurora.
“Nos cuidados centrados na doença, o foco principal sempre será o paciente, ou seja, uma pessoa definida por sua doença”, diz o Dr. Kluger. “Enquanto nos cuidados paliativos, o foco principal está nas pessoas que podem definir sua doença” e o que é importante para elas – incluindo não apenas o paciente, mas também familiares e cuidadores.
Uma abordagem de cuidados paliativos, enfatiza Kluger, significa “ajudar as pessoas com sintomas médicos, mas também com emoções difíceis – coisas como tristeza, culpa, solidão, esgotamento do cuidador”. Essa abordagem pode ser adotada por diferentes profissionais de saúde em relação à EM, incluindo neurologistas, médicos de cuidados primários e enfermeiras, e não requer nenhum treinamento especializado em medicina paliativa.
Além do que é conhecido como cuidados paliativos primários – onde a abordagem faz parte da rotina dos cuidados com a EM – também existem programas de cuidados paliativos especializados para pessoas com EM avançada que precisam de serviços extras focados em aliviar uma grande carga de doença e obter o suporte ideal para o cuidador.
Quer seja fornecido como parte do tratamento de rotina da EM ou como um programa especializado, o cuidado paliativo significa que os profissionais de saúde e os pacientes discutam o que esperam realizar juntos e o que esperar ao longo do tempo. “Nosso objetivo é ajudar as pessoas a antecipar se as coisas estão piorando e ter conversas abertas e honestas sobre o declínio funcional”, diz Kluger, em vez de focar apenas em tratamentos médicos destinados a retardar a progressão da doença.
Quando os cuidados paliativos podem ajudar na Esclerose Múltipla
A médica Rachael Stacom ajuda a supervisionar um programa de cuidados de longo prazo baseado na comunidade para pessoas com deficiências físicas, muitas das quais têm EM. Mas ela diz que os cuidados paliativos podem ajudar as pessoas com esta condição muito antes de se inscreverem em um programa como o dela.
“Para pessoas com uma doença neurológica potencialmente progressiva, o sofrimento acontece logo no momento do diagnóstico”, diz ela. “Algumas pessoas pensam que ‘sofrimento’ é uma palavra muito forte, mas há uma quantidade significativa de estresse” que acompanha a EM em todos os estágios.
Muitas pessoas com Esclerose Múltipla experimentam o que é conhecido como luto antecipado, diz ela – o que significa que estão sofrendo a perda de função que pode vir com a Esclerose Múltipla antes mesmo de ocorrer, de acordo com um artigo publicado na edição de julho-agosto de 2014 do Social Work Today.
Nesse contexto, cuidar paliativamente logo após o diagnóstico de EM significa discutir: “O que vai acontecer comigo? Vou acabar numa cadeira de rodas? Trata-se de dar espaço para que essas conversas aconteçam e entender o que essa pessoa valoriza”, diz ela. Kluger observa que muitas pessoas procuram um “roteiro” assim que recebem um diagnóstico de EM. “Eles não querem seguir em frente um dia de cada vez no escuro. Eles querem mais clareza sobre seu diagnóstico e o que esperar”, diz ele.
Mas mesmo se os cuidados paliativos não forem usados desde o início do tratamento da EM, eles podem ser úteis mais tarde, diz Kluger. “Conforme a condição progride, pode haver diferentes gatilhos para encaminhamento a um programa especializado de cuidados paliativos ou intensificação da abordagem de cuidados paliativos”.
Vários anos depois de ter EM, muitas pessoas estão lutando com dor ou fadiga, maior disfuncionalidade, perda de mobilidade ou planejando um futuro em que podem precisar de um cuidador, diz Kluger. Neste ponto, uma abordagem de cuidados paliativos pode se concentrar no gerenciamento de sintomas que se tornaram mais complexos e no gerenciamento de emoções difíceis.
Quando alguém tem EM avançada, uma abordagem de cuidados paliativos pode se concentrar em aumentar o apoio emocional, apoiar os cuidadores e fornecer ajuda domiciliar e outros serviços sociais. Se alguém está perto do fim da vida, também pode incluir cuidados paliativos. Em qualquer ponto deste continuum, alguém com EM pode se beneficiar de um programa especializado de cuidados paliativos – conforme descrito em um artigo publicado em outubro de 2015 no Multiple Sclerosis Journal – “se eles estiverem em um ponto em que o controle da dor ou da fadiga vai além do que seu neurologista principal se sente confortável”, diz Kluger.
Alguém com EM primária progressiva ou secundária progressiva pode optar por fazer de um programa especializado de cuidados paliativos sua principal “casa médica”, diz Kluger, já que pode não haver muito que um neurologista possa fazer por eles em termos de gerenciamento tradicional da condição.
Kluger descobriu que em todos os estágios da EM, os cuidados paliativos podem resultar em melhor controle dos sintomas, especialmente com dor e fadiga. Frequentemente, diz ele, os pacientes relatam uma melhor qualidade de vida quando iniciam uma abordagem de cuidados paliativos para seu tratamento.
Quando as pessoas com EM começam a conversar com seus médicos sobre seu futuro, “elas têm mais poder para assumir mais controle sobre as decisões de saúde” por meio de planos de cuidados avançados, preparando-se para possíveis hospitalizações e, eventualmente, organizando cuidados de fim de vida em um maneira que acharem adequada.
Obtendo acesso a cuidados paliativos para EM
Infelizmente, a maioria das pessoas com EM não recebe uma abordagem de cuidados paliativos por seus profissionais de saúde. “Os cuidados neuro paliativos são um campo relativamente novo”, explica Kluger, e mesmo que os médicos sejam receptivos à ideia de cuidados paliativos, isso não significa que eles ofereçam serviços especializados, como atendimento domiciliar.
Para que mais pessoas com EM tenham acesso a cuidados paliativos, será necessário “um esforço de todos para mover o campo nessa direção”, diz Kluger. “Eu realmente encorajo pacientes e familiares a conversarem com seus médicos sobre isso. Eles realmente veem a necessidade disso, muitas vezes mais do que os médicos.”
Rachael acredita que os cuidados paliativos não se popularizaram mais rapidamente porque, entre outras razões, “exigem uma mudança de poder, onde a pessoa passa a liderar o cuidado, em vez do profissional de saúde. E acho que é uma coisa difícil para nós fazermos como profisionais”, diz ela. Mas Rachael continua convencida de que os cuidados de saúde se moverão na direção dos cuidados paliativos, tanto para a EM, quanto para outras condições. “O cuidado centrado na pessoa é para onde a saúde está indo agora. Acho que, como prestadores de serviços de saúde, temos uma posição única para sermos parceiros e apoiar as pessoas a terem uma vida plena.”
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Tradução e adaptação: Redação AME – Amigos Múltiplos pela Esclerose
Fonte: Everyday Health
Escrito por Quinn Phillips, revisado por Dr. Samuel Mackenzie, em 5 de agosto de 2019.