No início de março, perdemos o meu sogro. Aos 94 anos, ele tinha alguns probleminhas de saúde que talvez pudessem ter sido contornados por anos, não fosse o Alzheimer que já o tinha levado embora muito tempo antes, deixando entre nós apenas o seu corpo cansado e um espectro triste do homem que ele era.
Embora “preparados” pela sua longa enfermidade, o evento foi traumático e transformador para todos nós. Eu o chamava de vovô, porque sua idade, 19 anos mais velho que o meu pai, permitia que fosse mesmo meu avo. E também porque era assim que eu o via, mais do que um sogro. Ele era gentil, amável, doce, engraçado. É claro que nossa convivência nem sempre foi pacífica, tivemos nossos embates, principalmente nos primeiros anos. Mas essa fase passou logo e depois foi ficando cada vez mais leve.
Os últimos anos.
Nos últimos 3 anos, fomos morar ao lado da casa deles, para ficarmos mais próximos e ajudar a cuidar dele e da vovó (sim, também chamo minha sogra de vovó), mas na época, eles necessitavam mais de companhia e supervisão e menos de cuidados. Isso intensificou muito nossa convivência e das crianças com eles. Quando a situação se complicou e os cuidados se fizeram mais necessários, eles foram morar com minha cunhada e nós voltamos pra nossa casinha.
Ele manteve-se bem, saudável quase todo o tempo. Uma ou outra intercorrência ao longo de todos os anos em que o Alzheimer avançava impiedoso. Mas quando precisou de internação em fevereiro, já sabíamos que não haveria retorno. Até porquê, aquela altura, já aguardávamos pelo seu descanso. Ele estava sofrendo e nem era capaz de se comunicar e dizer onde sentia dor ou qualquer outro sentimento. Estava doído demais vê-lo daquele jeito.
A fase final.
Foram 15 dias de internação. Levamos as crianças ao hospital para as despedidas. Foi sofrido demais pra elas, mas fizemos de acordo com a vontade delas. Depois disso, elas queriam voltar, mas não permitimos. Elas já haviam se despedido e viram ele ainda em condições de ser visto. Não precisávamos expô-las a mais sofrimento.
No seu último dia, passamos o domingo inteiro em compasso de espera. A nossa vida ficou meio que suspensa no ar, a espera da notícia que já sabíamos que viria. Quando veio, já na madrugada de segunda, foi avassalador. Um misto de dor e de alívio. Passamos o dia inteiro no velório. Todos os filhos, noras, genro e todos os netos presentes. Foi obviamente um momento muito triste, mas de uma união familiar que foi linda de se ver e sentir. Os netos mais velhos confortando os mais novos e eles todos juntos foi umas das cenas mais cheias de amor e ternura que eu presenciei nos últimos tempos. E essa foi a grande herança, a verdadeira fortuna que seu Mário nos deixou: a família que ele criou e amou até o fim. Temos nossas diferenças (e não são poucas), mas no fundo o que nos une é muito maior do que aquilo que nos divide. E isso não tem preço.
Agora, começamos uma nova etapa. Uma vida sem nosso vovô querido, uma vida onde a vovó precisa ainda de mais amor e compreensão. E uma vida que, poucos dias depois, mudou definitivamente com a pandemia e o distanciamento social imposto para nossa proteção.
Mas isso é assunto para outro post.