Por Bárbara
Desde o diagnóstico eu não havia tido mais surtos. Foram três anos de EM quietinha, sem evolução, lesões novas e as antigas algumas até sumiram. Tinha um baita orgulho de dizer que meu médico vivia brincando que precisava de uma lupa pra ver minhas lesões cerebrais.
Foram três anos em que nós convivemos super bem até que um domingo, acordei super tonta. Eu queria acreditar que era só a labirintite dando as caras de novo e repeti isso pra mim e pro mundo por três dias. Só que os sintomas foram piorando e lá dentro de mim eu sabia. Era a EM. Após a ressonância, rapidamente ficou confirmada a nova lesão no cerebelo e meus sintomas de equilíbrio e dificuldade para enxergar estavam explicados.
Na mesma velocidade que o surto apareceu, veio também uma culpa que eu não sabia explicar. Eu queria culpar algo ou alguém, afinal de contas, como pode três anos de silêncio desaparecerem em três dias? O que eu havia errado? Onde eu havia errado? Eu tinha me estressado, havia me faltado atenção em algum ponto, havia me descuidado. Era fato: o erro era meu.
Eu ignorei o fato de a Esclerose ser uma doença crônica e imprevisível. Ignorei que não dava pra explicar como e porque o surto havia aparecido. Ignorei que não havia o menor sentido em procurar culpados, mesmo que eles existissem, pelo simples fato de que isso não ia me ajudar em nada.
Entrei num processo de aceitar a doença novamente e entender que mais que a EM, a vida é imprevisível. A sensação de insuficiência diante do mundo foi um tiro no peito: era como se eu tivesse e pudesse abraçar tudo e todos, mas ninguém havia me pedido isso.
A impermanência é um conceito que muito me intriga. E eu tive que passar por um surto novamente para realmente entender o conceito dele. Nós estamos e não somos nada. Nadica de nada, mesmo. Entender e aceitar que precisava recomeçar de novo, que meu corpo pedia adaptações, que eu precisava passar por esse processo inevitável e sim, muito doloroso, me fez entender um pouco essa tal da impermanência.
A bem da verdade, isso deveria ser ensinado pra gente desde muito pequeninos. A gente aceita, se adapta, assim como nosso cérebro. Criamos novas rotas, caminhos, soluções, basta aceitarmos e brincarmos com a imensidão que nosso corpo nos dá.
A tudo a gente se acostuma. Só não podemos nos acostumar ao que nos faz mal, ao que nos machuca ou não nos acrescenta.
Então decidi entrar na bricadeira de ser impermanente. Aceitei o hoje, o agora, o momento, o estou. Eu não sou um surto. Estou em surto e ponto final.