Sobre o sentido. Ou por que tenho esclerose?

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Nunca me perguntei o porquê de eu ter Esclerose. Pesquisas demonstram que a incidência no mundo é de mais ou menos uma pessoa para 100.000. O que faz de nós, por sorte ou azar, um caso raro. No entanto, nunca fiz aquela fatídica pergunta: Por que eu?

Talvez porque fui uma criança atrapalhada e certinha, sempre achei que deveria andar correto, pois acreditava que se fizesse algo de errado seria descoberto. Todo mundo podia fazer errado, mas tinha uma certeza meio medrosa que se algo não iria bem, isso aconteceria comigo, justo na minha vez. Por isso, sempre me identifiquei com aquele poema de Camões: “Esparsa ao desconcerto do mundo”. (quem não conhece está ao fim).

O diagnóstico, pra mim, foi um alívio. Por mais estranho que isso possa parecer. No momento em que me disseram “você tem Esclerose Múltipla” não achei que ia morrer, não fiz cara de “e agora?”, não senti que me davam algo externo ao que me era próprio, uma cruz que a partir daquele momento precisaria carregar. Não, minha sensação foi um “ufa! Finalmente entendi porque ando desse jeito”.

Tá certo que já havia feito minha lição de casa no Dr. Google. Brinco que quando digitei todos os sintomas no buscador ele praticamente me disse: você quis dizer Esclerose Múltipla? Antes mesmo do diagnóstico médico oficial já havia aventado a grande possibilidade de ter EM. Então o diagnóstico não foi uma surpresa, mas uma constatação. Um “finalmente descobri!”

Mesmo assim, minha esclerose e meu diagnóstico são uma incógnita e aquela certeza foi ficando cada vez mais embaçada. Mas, apesar disso, nunca consegui ver um sentido ao fato de eu ter Esclerose. Já me perguntaram se conseguia perceber o plano divino que estava por trás de tudo isso. Qual era a minha missão na Terra? Por que algo tão ruim foi acontecer com alguém tão bom?

A resposta mais simples é: aconteceu porque eu tenho um corpo, sou humano. Sei que as pessoas precisam achar e dar sentido as coisas. Mas eu não. Pra mim, essa falta de sentido foi o que me salvou. Essa desimportância de mim, me fez bem. Ao invés de me dar o peso de uma missão divina ou o necessário entendimento redentor dos meus erros passado, deixei o fato nas costas do acaso. Há algum tempo vejo a vida como uma sequência de “absurdos”. Ter EM foi apenas mais um desses absurdos! E, por esse ponto de vista, a pergunta correta seria: por que não eu?

 

“Esparsa ao desconcerto do mundo”. Luís Vaz de Camões

Os bons vi sempre passar

No mundo graves tormentos;

E para mais me espantar,

Os maus vi sempre nadar

Em mar de contentamentos.

Cuidando alcançar assim

O bem tão mal ordenado,

Fui mau, mas fui castigado:

Assim que só para mim

Anda o mundo concertado.

 

Indicação de Leitura:

CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Editora Record. Rio de Janeiro – São Paulo, 2006.

 

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