Para Alice, com carinho

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Para mim é simpático a ideia de que a minha companheira de vida queira nomear sua Esclerose Múltipla de Alice. Simpático porque ignoro o sentido que a ela atribui e prefiro relacionar com a personagem de Lewis Carroll. Se na literatura os caminhos que se abrem parecem absurdos, a tal ponto que o autor – matemático – tem o prazer de fazer sua personagem torcer à lógica até que se torne uma ficção, não poderíamos também adotar esta fórmula para encantar a nossa própria vida?

Suponhamos que todos nós temos uma doença autoimune. Sem nos darmos conta, a cada três dias – é o caso de Alice – temos que nos medicar por algum sintoma, como dor de cabeça, enjoo etc. Os anos vão passando e as dores tornam-se uma estranha conhecida que não pertence mais a nós. É como se esta outra, fosse tão íntima quanto um órgão do nosso corpo.

Se essa hipótese fosse possível, a de que não há autossuficiência, tendo que lidar com nossa imunidade à vida, ou seja, de que a morte é a única certeza, então poderíamos suspender todas as outras verdades e subvertê-las, tal qual faz Alice. Qual delas? Tanto faz.

Mas é lógico que é pura ficção. Considerando então a hipótese de que não é verdade, daí precisaríamos aceitar as dores e as doenças como algo real que nos acomete. Mesmo assim, estar acometido por uma doença é somente uma porta desconhecida que se abre. Mas o que se pode fazer com ela? Para alguns, pode parecer uma entrada gigante e o que virá jamais poderá ser enfrentado, já, para outros, pequena demais para entrar, restando ignorá-la e fazer de conta que ela não existe – talvez resistência para suportar uma mudança radical na vida. Então, poderíamos pensar, existe uma porta moderada, nem pequena demais e nem grande e assustadora? Vai saber.

Às vezes que tive a oportunidade de ouvir o médico de Alice, seja em consulta ou em palestra, fui surpreendido com falas sobre a dificuldade de fechar o diagnóstico da EM e, mais ainda, de que não há um marcador biológico que se possa dizer que isto é a doença. Ou seja, o que os médicos têm em mãos são as causas da EM, mas ela em si é resultado de uma interpretação. Não seria essa ausência da própria EM um motivo para subverter o sentido assustador que corriqueiramente somos tomados ao saber que temos a doença ou que um ente querido a tem?

Ora, se a causa é causa de uma interpretação, isto me parece digno de uma doença de Alice. Se a realidade se apresenta dura demais, nada melhor do que subverter o sentido que se poderia dar à ela e, assim, nada melhor do que criar um novo caminho. Quem sabe, inventar um codinome sem esquecer de reinventar a própria vida. 

* José Isaías Venera

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