Em negociação com o mundo…

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A arrogância do indivíduo moderno nos fez acreditar que nossa ação era independente de tudo e todos. Bastava pensar e executar o que foi pensado, conforme nossas expectativas. No entanto, a experiência de uma doença nos mostra que não é bem assim: um simples caminhar pode ser algo difícil e que exige estratégias e reflexões. E por isso, estamos sempre em diálogo com as nossas condições no momento e as atitudes e respostas dos outros conosco. Como disse no post anterior, estamos sempre em “negociação”. Essa é a palavra-chave para pensarmos a disponibilidade de nossas ações.

Mesmo que você não tenha nenhum problema de saúde e possa “a princípio” agir livremente, a negociação é constante. Viemos a um mundo que já existia. A realidade está dada e mesmo que não concordemos com ela, estamos em constante interação com o que está aí e que já nos é conhecido. É com isso que temos que lidar. Seja sozinho, seja em multidão, temos que administrar medos, euforias, ansiedades, dogmas etc., e que já existiam antes mesmo de nós. Nossa ação tem que obrigatoriamente dialogar com isso, formando, conformando ou deformando o mundo a nossa volta.

No nosso caso, a Esclerose Múltipla é só mais um elemento dessa realidade que nos foi colocada. Não pedimos pela EM, assim como não pedimos o uso dos talheres na mesa ou a utilização de roupas em público. Mas, em alguma medida, interagimos com essas coisas. Podemos até subverter essa ordem, é uma escolha. Todavia, enquanto no primeiro caso, “o comer com as mãos”, sem o uso de talheres, pode lançar sobre nós alguns olhares de asco, no outro, andar pelado por aí pode nos levar à prisão. São as escolhas e pactos feitos pela sociedade.

Aquilo que nos parece natural hoje, foi decidido pelos homens e mulheres do passado e que herdamos junto com o mundo em que vivemos. E por serem escolhas, nada nos impede de propor e tentar outros modos de vida. Nossa “vantagem” é essa. O que a esclerose nos dá, acredito, é uma forma de olhar as coisas por uma outra perspectiva. É um distanciamento obrigatório da vida como a conhecemos, para em seguida perceber que o que fazíamos e percebíamos como natural na verdade não o é. A realidade que conhecemos não foi feita por nós e para nós. Exige interação. Seja para negar ou aceitar o que já está posto, nossas ações têm consequências e precisam ser pensadas.

Sob esse ponto de vista, um simples sair de casa, para uma pessoa com deficiência, pode ser visto como uma diversão ou uma atitude política. O foco inicial pode ser a diversão (ir a um bar), mas pode se tornar político quando o estabelecimento não está preparado para nós, as calçadas no caminho são ruins ou as pessoas se surpreendem com essa atitude. Não estou dizendo que isso é culpa dos donos do bar, dos responsáveis pelas calçadas ou daqueles que olham admirados; às vezes simplesmente não precisavam pensar nisso antes. E é difícil lutar por direitos sem mostrar a cara, oferecendo, inclusive, frequentemente a outra face. E para mudar o mundo, caso esse seja o objetivo, transformando o que existe em um lugar mais receptivo, precisamos interagir e negociar com ele, o aceitando ou questionando. Mas, enfim, essa é mais uma escolha. O que você deseja?

 

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