EM E PATERNIDADE (PARTE VIII) – SOBRE DERROTAS E TRINCHEIRAS III

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Em uma guerra, a vitória é meramente uma possibilidade! Embora os exércitos mais treinados e com maior contingente tenham certa vantagem, nem sempre prevalece o que é lógico. Nem sempre ganhar dependerá unicamente do nosso esforço individual ou coletivo. Planejar, programar, antever são estratégias importantes, mas não garantem o sucesso de uma ação. A vida é mais complexa do que algo que possa ser resumido em uma simples relação de causa e efeito: faça x e terá y como resultado.

Sob uma estrutura escravizante, o mundo tentará lhe convencer que a derrota se deve a sua própria incapacidade de seguir corretamente as normas que lhe permitiriam vencer. Seja pela violência, seja pelo poder econômico, seja por um cargo etc., pessoas se colocam como superiores aos demais impedindo a autonomia e reforçando a dependência. Uma hierarquia é enfatizada e justificada subjulgando, inferiorizando e infantilizando o outro.

Nessas situações, questionam-se o cumprimento das normas, o quanto cada um foi mais ou menos domesticado nelas, mas não as normas em si ou aqueles que as aplicam. Todavia, não adianta jogar um jogo com um tabuleiro viciado, esperando melhor sorte. Se você não faz as regras do jogo, continuará à mercê de supostas autoridades e normas impessoais apresentadas como símbolos da eficiência burocrática. Às vezes, rebelar-se contra o jogo, não aceitar jogá-lo, é a única alternativa.

No entanto, às vezes temos de lidar com forças que nos parecem irracionais e que estão além de nossas possibilidades. Às vezes, precisamos lidar com situações de extrema desigualdade, em que o mundo nos coloca de joelhos, e a opção mais inteligente parece ser a submissão resignada. Apesar disso, como sugere o poeta russo Joseph Brodsky*, a obediência não precisa ser passiva, pode ser violenta.

Indo além da mera passividade, transforma aquele que se considera superior em uma figura ridícula, digna de riso; um espantalho que afugenta corvos, não em decorrência dos poderes que possui, mas pelo medo que os outros carregam em seus próprios corações. Em uma estrutura que se revela sem sentido, o mal é feito absurdo, tornando a vítima um agressor mental. As hierarquias existem verdadeiramente (desaguando em violências, agressões e sofrimentos físicos ou psicológicos), as dores e temores que sentimos são reais, mas a posição de inferioridade não é fixa e está definida a princípio.

Assumir esse papel não é fácil, pois pressupõe abrirmos mão de nossos confortos e convicções, para enfrentar um mundo que nos parece hostil, que não foi feito por nós e pra nós. E, conforme Brodsky, essa será sempre uma questão individual: é a sua pele que estará em jogo. Cada um sabe os seus limites e seria errado dizer faça isso ou aquilo. Entretanto, essa atitude devolve o tapa que você recebe, transformando a derrota não apenas em uma vitória moral do sujeito, mas existencial. Afinal, como disse o grande Rocky Balboaà la Sartre,, “não importa o quão forte possa bater, e sim o quanto pode levar golpes e continuar em frente”.

De certa forma, essa foi a minha escolha. Mas nem sempre foi assim. Isso foi algo que foi progressivamente construído, tornando-se mais forte após seu nascimento, Francisco. A EM pode ser uma estrutura escravizante, sem uma aparente lógica racional ou sentido, mas sempre poderemos ser aqueles que decidirão o que fazer com isso. Como diz uma frase que gosto muito do Jean-Paul Sartre: “não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você” ou em outras versões que aparecem na rede: “não importa o que a vida fez de você. Importa o que você faz com que a vida fez de você”. As dificuldades e facilidades acontecerão e passarão, o que importa, de fato, é a forma com que você lidou com isso.

Ao fim, toda prisão é apenas um limite ao corpo. Por mais que o mundo queira nos submeter física e ideologicamente, se não deixarmos, seremos imensos, maiores que as grades de qualquer prisão ou hierarquia. Aprender a perder, Francisco, pouco tem a ver com fair play ou em aceitar passivamente uma postura derrotista, é antes de tudo um meio para se libertar das regras que lhe garantiriam a vitória. Aprender a perder, Francisco, é não cair no engano de achar que só bater sem cessar será suficiente para impedir uma derrota.

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Bom, Francisco, termino aqui esses posts sobre paternidade e sobre o que eu gostaria de lhe ensinar. É até irônico eu falar isso, pois muitas dessas coisas eu aprendi com você, nessa missão de ser o escolhido para ser seu pai. Estou bem otimista com relação ao ano que vai se iniciar, mas confiança e otimismo não significam a ausência de medo. Me apavora a possibilidade de não conseguir sustentar o peso que verga sobre mim, os compromissos e a dureza das tarefas que assumo. Tenho uma certeza, que é uma sensação, na verdade, de que tudo vai dar certo. E, Francisco, certamente você tem a ver com esse sentimento. Sei que não percorro sozinho os passos dessa estrada e poderei contar com todos novamente em 2018. Espero não decepcionar àqueles que me ajudam a realizar meus sonhos e a cuidar de você. A eles, a você e à sua mãe, devo o melhor de mim. Força de continuar é o que eu mais desejo.

* Essas reflexões foram profundamente influenciadas pelo texto “Um discurso inaugural”, de Joseph Brodsky (1940-1996), que li diversas vezes, principalmente a partir de setembro, e que tenho adotado quase como uma filosofia de vida. Para quem se interessar, eu o postei integralmente aqui. Recomendo profundamente a leitura, tenho certeza que será uma das melhores coisas você que irá ler em 2017.

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