No último post, trouxe o exemplos das Paralimpíadas, da AACD e do ensino superior para mostrar o quanto é importante a presença da família no enfrentamento de uma doença ou deficiência. Cada sucesso individual é uma conquista coletiva, que não pode ser explicado na lógica da autorrealização.
A família foi a primeira a acreditar enquanto a sociedade tinha poucas expectativas desses sujeitos. Indo além, podemos dizer que, às vezes, a família foi a primeira a negar a lógica social e essa ideia de que a pessoa tem que ser alguma coisa. E em vez de ficar correndo atrás de um “ideal”, se preocupou com o hoje: o que faria bem à pessoa no cotidiano.
No entanto, a família, como toda instituição social, é perpassada por discursos e culturas que nem sempre estão em harmonia com o paciente. Essa relação nem sempre é fácil e certas atitudes podem prejudicar mais do que ajudar. Alguém, por exemplo, amparado em uma perspectiva progressista e especulativa, pode exigir uma produtividade impossível e achar que você está fazendo corpo mole quando bater uma fadiga. Alguém utilizando um discurso religioso pode apontar a doença como um castigo ou sua não cura como falta de fé. Posições que, às vezes, machucam e causam sofrmentos. Querem achar um sentido que explique para si a doença do outro. Eu sigo bem sem o sentido.
Assim como é mais fácil depois que aceitamos o diagnóstico, o mesmo é para os nossos familiares. Ninguém deseja ter uma doença, mas sua negação pode ser um processo extremamente dolorido para os dois polos dessa relação; a pessoa diagnosticada e seus familiares. O que está em jogo é o quanto estamos disposto a abandonar um ideal frente à realidade que se apresenta. Amamos um parente idealizado sobre uma imagem de perfeição ou amamos a pessoa de carne e osso diante de nós, com todas as suas dificuldades, tempos próprios, instabilidades e adaptações? A força e presença da família podem tornar as coisas muito mais fáceis, nem que seja pela mera curiosidade de saber como estamos.
Mas, também temos responsabilidade nessa relação. Não adianta nada a família te apoiar e ajudar, se você mesmo não aceita o fato de não conseguir fazer certas coisas como antes. Às vezes é necessária uma reforma ou adaptação que é proposta pela família e recusada por nós. Eu mesmo já dificultei o uso de utensílio (na lógica do “eu não preciso disto”), sobrecarregando aqueles que se dispunham a ajudar: é necessário cuidar do cuidador.
Como disse em outro texto, o aprendizado é contínuo. Não precisamos de um conhecimento escolar, teórico e mastigado para aprendermos como lidar com uma doença específica. Ao contrário, podemos aprender com a experiência dos outros. Seja em livros, filmes ou blogs encontramos relatos de indivíduos que podem ter enfrentado situações parecidas, sendo uma ótima ferramenta para ensinar e auxiliar a se viver com uma enfermidade, tanto o doente quanto seus familiares.
Pegando o meu próprio caso, não vejo como conseguiria ter a vida que tenho sem o auxílio familiar. Sou muito grato por todos aqueles que me ajudam; do auxílio a exercícios a acompanhamento em aulas e consultas etc. Sei que a construção da minha vida é um esforço coletivo, não uma realização pessoal. Como um quadro pintado a várias mãos, minha vida é uma composição colaborativa, em que cada um imprime sua “digital”. E, quando penso no que sou, hoje, fico extremamente contente em saber no que vocês me tornaram. Espero não decepcioná-los.
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Todos os blogueiros esclerosados que escrevem aqui têm histórias incríveis envolvendo suas famílias em seus blogs pessoais ou aqui na AME, de aceitação ou não. Então, se quiserem saber mais sobre o tema vale à pena dar uma fuçada. No entanto, gostaria de sugerir especialmente o blog da Geisa, nossa mãe de esclerosado, para uma outra perspectiva que não da pessoa com EM.
Além disso, coincidentemente, o tema do “Qualidade Vivida” desse mês é família. É interessante também dar uma olhada no vídeo.