A Esclerose Múltipla na construção da identidade.
Houve um tempo em que a Esclerose Múltipla (EM) era uma parte muito importante, eu diria até predominante, na construção da minha identidade.
A EM NÃO ME DEFINE, MAS ME IDENTIFICA
A partir do pré diagnóstico, quando tive meu primeiro contato com essa nova realidade em minha vida, naturalmente quis saber tudo o que fosse possível a respeito. A princípio por necessidade de informação, para saber exatamente com o que eu estava lidando. Na sequência, por necessidade de identificação mesmo: como viver minha vida a partir daquele diagnóstico, quem eram e como viviam outras pessoas com a mesma condição,
comunicação com pessoas capazes não apenas de compreender os aspectos técnicos da EM, mas de ter empatia com sentimentos, anseios e angustias que surgiram a partir daquele momento.
Foi por causa dessa busca que conheci muitas pessoas que transformaram meu círculo de amizades e de convivência como médicos, enfermeiros, outras pessoas com EM e outras pessoas com outros diagnósticos semelhantes ou completamente diferentes, porque eu tinha agora um outro olhar sobre questões que eu sequer enxergava antes.
ENTENDENDO E ADEQUANDO
Esclerose Múltipla é, numa definição simples, uma doença crônica, incapacitante e pode ser progressiva. Esta definição é por demais assustadora e a princípio e me fez perceber o quanto usufruía de privilégios antes do diagnóstico. Privilégios que nem sabia que tinha antes de já não os ter mais.
Mas o tempo é o senhor da razão, ou como diz minha mãe: “É no andar da carroça que as melancias se acomodam.” Com o passar do tempo, com acesso à informação, com a troca de experiências e vivências com outras pessoas que passam pelo mesmo, a gente vai se adequando.
Essa adequação é o que faz com que aquela definição deixe de ser tão assustadora, até porque ela não define todas as pessoas com esclerose múltipla. Isso é uma das primeiras coisas que se aprende: cada caso é único, cada pessoa reage de forma única e conceitos generalizados só servem para dar uma direção, porque somos indivíduos que tem necessidades individuais. E porque tudo vai mudando com o tempo, de acordo com o tratamento que se faz e mais uma porção de fatores que se manifestam de forma única também para cada um.
UM PARALELO COM A MATERNIDADE
Quando tive o diagnóstico, eu já era mãe de um casal de filhos adolescentes. Exercia minha maternidade de acordo com a necessidade dos meus filhos e até então era a maternidade o conceito predominante da minha identidade. Aí, menos de 2 anos após o diagnóstico, tive a primeira de duas gestações que resultaram em três crianças (gêmeas e mais uma menina) num espaço de 18 meses. A minha maternidade se transformou em outra.
Porque do primeiro filho eu era muito jovem, da segunda eu tinha a idade “certa” e mais experiência e finalmente, das outras três eu já tinha uma condição crônica que gerava mais preocupações, estava bem mais velha (tive o primeiro filho aos 17 e a última aos 38) e mais outros tantos fatores complicadores.
Agora, passados quase 17 anos desde o diagnóstico, passei por inúmeras fases da minha doença e tratamento e estou agora numa fase “estável”. Sem novas crises nos últimos 4 anos e numa condição física que poderia ser chamada de excelente se eu não estivesse ficando mais velha e já experienciando as agruras provenientes da idade. E tenho agora um casal de filhos adultos que nem moram mais comigo e 3 filhas adolescentes. Minha maternidade está diferente e em constante mutação.
CONCLUSÃO
Por esses motivos que passei a escrever cada vez menos aqui pra AME. Me tornei um tanto irrelevante. E digo isso sem mágoas, é só uma constatação dos fatos. Minhas vivências com a EM já foram bastante exploradas e não tenho novidades nesse aspecto da minha vida para contar. A predominância da Esclerose Múltipla na minha identidade, nesse momento da minha vida, diminuiu muito.
As pessoas que conheci por causa da EM continuam sendo importantes pra mim, muito mais agora, porque se entraram na minha vida por causa da EM, permanecem nela porque transcenderam a isso. Temos muito mais em comum do que apenas a EM. Tornaram-se amigos, irmãos.
Também a AME, apesar de minha pouca participação atual, tenho muito orgulho de fazer parte desse time. E tenho ainda mais orgulho de pertencer ao PRIMEIRO TIME – o que não tem relação com a qualidade das pessoas embora eu me sinta o patinho feio entre elas – o time dos pioneiros, aqueles que acompanharam o surgimento dessa iniciativa quando ainda era um tímido site agregador de informação. Não tenho mérito nenhum na transformação da AME no que é hoje, mas me orgulho de ter colocado um modesto tijolinho nessa construção.
E é por isso que vez ou outra ainda apareço por aqui. Porque amo essa “CASA” e ela também faz parte da minha identidade. E porque se a EM faz parte da minha identidade, com certeza sou muito mais do que isso e tenho mais coisas pra falar!