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A melhor viagem é aquela que você reconhece as suas fragilidades, mas não perde nenhuma paisagem. 

A penúltima vez que eu atravessei o oceano em direção a Portugal foi em junho de 2017. No ano de 2019, planejei, comprei passagem, mas os acontecimentos surpresas da Esclerose Múltipla chegaram como um furacão. Novo surto, paralisia facial bem expressiva (falha terapêutica) e os planos mudaram. Eles deram lugar à troca da medicação, à chegada da pandemia no início de 2020, na qual um vácuo, ou melhor, um abismo surgiu à minha frente: Isolamento social, medicação complicada que não deu certo, baixou os linfócito a ponto de me impedir fazer a aplicação da vacina da Covid-19.

Meu emocional oscilou como se eu estivesse em uma montanha russa constante, uma crise de ansiedade por dia. Para não cair no abismo que não foi criado por mim e, sim, pela minha condição de pessoa com uma doença degenerativa, crônica e autoimune, comecei a escrever como se não existisse amanhã.

O resultado?

Um livro de muitas páginas, histórias compartilhadas entre meus pares de patologia, através das quais pude recuperar minha saúde mental e me tornar escritora. O que parecia o fim, era apenas um recomeço.

Voltando às viagens. Elas foram a cereja do bolo! A metade do livro é sobre elas, vivenciadas antes e depois do diagnóstico. Memórias de Uma Vida EM Movimento porque a vida de uma pessoa com 62 anos (quando comecei a projetar o livro) já tem histórias reais para contar.

Neste ano, 2024, eu precisava fechar um ciclo, voltar a Portugal, autografar os livros para meus amigos lusitanos, vivenciar a liberdade de quem foi vítima das armadilhas que a pandemia nos fez cair. Então, organizei a viagem com meu marido, mas consciente que agora eu já tenho 65 anos, ele 71, uma EM entre nós. Pintou o medo.

Corpo forjado pelo pilates e por caminhadas, mas sabendo honestamente que a minha cabeça estava em descompasso com o corpo tão bem cuidado, principalmente com o “empurrão” mensal do Kesimpta. Mesmo assim, decidimos partir para o outro lado do oceano e aconteceu, com os meus gatilhos de ansiedade surgindo aqui e acolá.

O que levei comigo nessa viagem?

Levei na bagagem coragem e alegria. No pescoço, o Cordão de Girassóis – Recomendo muito, ele me tirou de filas enormes, ida e volta, além de trazer proteção e o respeito das pessoas que o reconhecem.

Vamos aos gatilhos de ansiedade?

O primeiro

Logo na partida do Brasil. Quase duas horas com a aeronave no solo por problemas técnicos. Eu olhava para os lados e todos os passageiros
“normais” e tranquilos, lendo, dormindo assistindo filme… mas eu ali estática, com a boca seca, coração palpitando, vontade de fazer xixi, morrendo por dentro (a claustrofobia em alta). A minha agonia só abrandou quando me encontrei acima das nuvens.

O segundo

No Santuário de Nossa Senhora de Fátima, aconteceu um episódio digamos que bem simples, mas que despertou em mim um gatilho gigante com choro, desespero e agonia que só os ansiosos de carteirinha sabem exatamente como acontece. Estar sem comunicação devido a Internet. Marcar um horário para o encontro no lugar X e a pessoa chegar uma hora depois, tranquilo e calmo… mas pediu tantas desculpas! E eu um trapo, me sentindo culpada por ter provocado tanta tempestade em um lugar sagrado. Juro, acendi velas, rezei, estava bem. Mas, de repente, “surtei” sem controle por um medo sem motivo.

O terceiro

Lisboa, noite de Santo Antônio, a cidade lotada de turistas e moradores locais, transportes reduzidos (com exceção do metrô), mas o que fizemos? Resolvemos ir do hotel para o centro de ônibus. Trânsito congestionado. Paramos a uma distância tão imensa do restaurante de sempre, o Trigueirinho, vocês não fazem ideia do que estava por vir.

–  “Podem seguir a pé, o Carris não vai mais lugar algum”, disse o motorista.

E lá vamos nós, da Estação santa Apolônia até nosso destino. Havia dois caminhos: Beira Rio Tejo a uma distância de cinco navios de cruzeiros atracados um atrás do outro ou cortar caminho pelas ruas ladeirosas e com milhões de escadarias, além de muita gente na festa do Santo Padroeiro.

Escolhemos o segundo caminho e não foi nada fácil. Entrei em pânico, queria andar e não achava fôlego, misericórdia! Não conseguia pensar, só acompanhar a multidão e achar um solo sem declínio. Uma prova de fogo.

Mas Sobrevivi.
Tomei vinho.
Dancei.
Mas não me recuperei ainda do trauma. Está na hora de voltar para terapia!

Fiquem espertos, porque não é só a medicação do humor que funciona. É o conjunto de tudo o que se possa agregar no tratamento da saúde mental. Para gatilhos, só basta sair da sua zona de conforto.

O melhor da viagem foi reencontrar minha escleroamiga Telma Teles e sua família Filipe e Inês. Os melhores abraços, a melhor tarde regada a sorvete na Beira da Ria de Olhão.

Voltar ao ponto de partida.
Aos lugares que nos abraçam.
É sentir novamente a brisa.
É enxergar graça por onde passa.
Sentir o poder da chegada e da partida.

Suzana Pereira Gonçalves, escritora de João Pessoa, PB. Com o diagnóstico de esclerose múltipla há 14 anos.

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