Rock and roll is the answer

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Pode ser um clichê, mas aceitemos que a música está sempre presente nas nossas vidas. Para fazê-las menos triviais. Para pertencer a um grupo, um país, uma geração, um movimento revolucionário. Para, pretensiosamente, transcender. Quantos já sofremos as febres epidêmicas da lambada, do bolero, do cha-cha-chá, o foxtrot e, alguns menos ortodoxos, do axé ou até do sertanejo universitário.

Eu sou portador de EM. E sempre gostei de punk rock.

Para os menos chegados, vamos dar uma pincelada histórica. Após a fugaz existência dos Sex Pistols e a precoce aposentadoria do The Clash, o movimento punk sobreviveu subterraneamente, em circuitos mais ou menos marginais, durante os anos oitenta. Há nomes importantes nessa década, aos dois lados do oceano. Na “década perdida” de Thatcher e Reagan, bandas dos dois lados do Atlântico, como The Exploited e Dead Kennedys, preservaram o espírito iconoclasta e contestatário. Também, a epidemia punk chegou à nossa América Latina. Nos anos noventa, algumas bandas um pouco menos agressivas, sobretudo americanas, tentaram um “revival” do movimento que sacudiu o mundo no final dos anos setenta. Da velha escola, a notável exceção sempre foram os Ramones, os inacabáveis brutamontes de Queens, NY, que se mantinham em cena ininterruptamente desde 1974.

Mas os Ramones não eram, de fato, inacabáveis. Em 1996, depois de uma memorável turnê pela América do Sul, a banda pendurou as chuteiras. E em abril de 2001, Joey Ramone, o desengonçado frontman, faleceu de um câncer linfático. Logo, passariam à eternidade, um a um, os outros três membros fundadores do grupo, Dee Dee, Johnny e Tommy. Nesse mesmo ano de 2001, comemoravam-se os 25 anos do lançamento do fundamental “Never Mind The Bollocks”, o célebre álbum dos Sex Pistols, pedra angular do movimento.

Aos 13 anos, o meu orçamento era sofrível, mas conseguia, a duras penas, juntar algumas moedas para comprar cassetes piratas e, eventualmente, ir a algum show das bandas do movimento underground em Lima. A natural rebeldia adolescente achava terreno fértil nessas bandas cujos nomes já descreviam bem a toada daqueles rebels without a cause. Grupos como Leuzemia, Psicosis ou Eutanasia proporcionavam esse heterodoxo fundo musical aos meus anos adolescentes na Lima que acabava de sair da ditadura de Alberto Fujimori.

Quem já teve a chance de ir a um show punk, sabe que a “dança” é o chamado “pogo”. O baile, se é que assim pode se chamar, consiste em um empurra-empurra acelerado, ao som anfetamínico das guitarras. Não é nada tão violento como parece, e o maior desafio é apenas se manter em pé naquele turbilhão. Embora possa parecer uma briga generalizada, trata-se mais de um símbolo de irmandade, de camaradagem, de pertência à liga universal do punk.

E qual a relação disso com a esclerose múltipla?

Dois anos atrás, visitando Lima, fui ao show da mítica banda punk argentina Los Violadores. Como portador de EM que sou, sei das minhas limitações, e não cometi a imprudência de entrar no pogo, como faria outrora indubitavelmente. Sentado num canto e bebendo uma cerveja, e cantando os hinos daquela banda dos anos da nefasta ditadura que assolou a Argentina, voltei, de um jeito mais discreto, a ser um punk.

Nestes obscuros dias em que a intolerância revigora-se nos quatro cantos do mundo, o punk, que em outras épocas apontou a artilharia pesada contra o desemprego e o jubileu da Rainha Elizabeth II, mostra-se ainda com uma vitalidade e atualidade surpreendentes.

Porque sempre há razões justas para brigar contra o establishment desequilibrado e doentio. Muito além da febril dança do pogo, sempre dá para voltar a ser adolescente, combativo, rebelde com causa, e protestar contra a injustiça, a desigualdade, a apatia.

Porque, finalmente, o punk não morreu.

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