EM e Paternidade (Parte I) – Próximo aos anjos

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Alguns autores da Idade Moderna definiam em duas as formas de entendimento: a humana e a angélica. Homens e mulheres precisavam de uma narrativa com começo, meio e fim, conheciam cronologicamente.  Os anjos conheceriam de maneira direta e total, como em uma imagem ou conceito; algo já acabado, definido e definitivo. Não sei, mas ser pai talvez seja isso, se assemelhe aos anjos.

Durante a gravidez da Bruna, só pude ter acesso ao que ela sentia por meio do que me contava (algo que escrevi em um post no blog dela). No entanto, com o nascimento do Francisco algo mudou. Alí se dava um amor que independia de conteúdo, de uma narrativa; Era um conceito completo; filho. Não havia conjugações ou tempos verbais, era só  o verbo no infinitivo: SER, AMAR, AGRADECER etc. Lembro-me que quando a médica disse: “Já estou vendo a cabeça, na próxima contração ele nasce”; me emocionei profundamente e pensei: “cara, daqui a alguns instantes conhecerei o meu filho”.

Quando vi o Francisco no colo da Bruna, todo miudinho, ainda sujo, mexendo os olhinhos, uma emoção me tomou o peito e os olhos. Certamente esse foi, pra mim, o momento mais emocionante. Depois, como me contou e escreveu em um relato sobre o parto, fiquei sabendo que a Bruna se emocionou bastante quando me viu entrando na sala de parto com ele no colo depois de participar das primeiras medições e cuidados pós parto.

Mal sabia ela que o Francisco, ali, tinha me dado superpoderes. Quando me entregaram e o colocaram no meu colo nem passou pela minha cabeça os diversos vídeos que gravei para o EM e o bebê descrevendo o medo que tinha de não conseguir segurá-lo. Como uma criptonita às avessas, ganhei poderes que não tinha. Apesar de todo stress, ansiedade e emoção do momento, não senti nada. Embora não conseguisse dispensar a cadeira de rodas, parecia que a EM tinha ficado do lado de fora do hospital. Só chegando em casa, senti todos os travamentos e dores musculares. Mal conseguia me mexer.

Viemos pra casa, mas o efeito Francisco parece ter persistido. Às vezes, quando acordo cheio de dores, olhar pra ele parece ser um alívio. Me dá uma força que nem imaginava possuir e que continua com o passar dos meses. Sei lá, tenho uma “pira” meio pessoal, uma espécie de jogo que jogo comigo mesmo e com o Francisco, que acompanharei simultaneamente seu desenvolvimento: quando conseguir pegar e soltar as coisas também farei; quando conseguir se virar sozinho também virarei; quando conseguir se sentar sozinho também sentarei.

Tenho focado nos exercícios como se fosse uma promessa ao Francisco. Sei da imprevisibilidade da doença e pode ser que chegue ao fim do ano tão ruim ou pior que dezembro passado. Se assim acontecer, talvez me arrependa de ter empenhado inutilmente um tempo nos exercícios, que poderia ser usado com ele. No entanto, me parece o certo a fazer no momento.  Além disso, sei que não tenho tempo a perder. Se quiser continuar com meu joguinho, talvez em menos de um ano o Francisco já estará de pé e arriscando passos desajeitados. Será que conseguirei seguir a mesma evolução? De qualquer forma, já estou pintando livririnhos para colorir e unindo blocos de montar. Esses são exercícios de T.O. para motricidade fina, mas serão uma ótima oportunidade para brincarmos juntos.

Sabe, Francisco, 2016 foi um ano difícil. Publicamente foi um ano de muito ódio, intolerância e insensibilidade às dores dos outros, justificados pela manutenção dos privilégios de alguns. Privadamente, senti que piorei muito da EM, ficando ainda mais dependente.  No entanto, 2016 foi o ano em que você nasceu. O que encheu de esperanças um velho que permanecia no limiar entre o realismo e o pessimismo. Tenho grandes expectativas para 2017 e para a nossa jornada.

 

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