A cadeira de rodas e eu: uma jornada de redescoberta
Jamais imaginei que um dia precisaria de uma cadeira de rodas. Como tantos outros, vivia minha vida sem perceber a preciosa habilidade de caminhar. Quando o equilíbrio começou a me faltar e a coordenação a se desalinhar, fui então confrontada com uma realidade inédita: a cadeira de rodas, que eu sempre associara a outros, tornou-se uma parte essencial de mim. Ela me oferece a segurança e a liberdade necessárias para realizar as tarefas mais simples.
Aceitar essa nova realidade foi, ainda é, um processo árduo. A cadeira de rodas, a princípio, parecia um símbolo de perda, uma representação tangível das habilidades que eu já não possuía. Lembro-me claramente do primeiro momento em que me sentei nela, sentindo um misto de alívio e tristeza. Alívio por poder me mover sem o constante medo de cair; tristeza por perceber que essa nova condição era um lembrete constante das limitações impostas pela esclerose múltipla.
Reconhecer essa nova versão de mim mesma diante do espelho foi uma batalha interna. Quem era essa pessoa que agora dependia de uma cadeira de rodas? A imagem refletida era ao mesmo tempo familiar e estranha. Sentia-me como se estivesse reencontrando uma velha amiga que mudara muito com o tempo, necessitando aprender a conhecê-la novamente.
A jornada de aceitação não é linear. Houve dias em que me sentia invencível, pronta para enfrentar qualquer desafio. Em outros, a frustração e a raiva dominavam, e eu me via lutando contra essa nova identidade. Aceitar a cadeira de rodas como uma extensão de mim mesma, e não como um inimigo, exigiu tempo e paciência. Foi necessário aprender a enxergar além da cadeira, perceber que ela não definia quem eu sou, mas, sim, me ajudava a viver minha vida da melhor maneira possível.
Paradoxalmente, a cadeira de rodas trouxe uma nova forma de liberdade. Com ela, redescobri a alegria de me mover sem medo, de participar ativamente da vida ao meu redor. Coisas simples, como ir ao mercado ou passear na praça, voltaram a ser possíveis. Cada pequena vitória, cada tarefa realizada, tornou-se uma conquista celebrada com o coração cheio de gratidão.
Ainda assim, seria desonesto romantizar essa experiência. Há desafios diários que só quem vive essa realidade compreende: os olhares curiosos ou de pena, as barreiras arquitetônicas, a constante necessidade de planejar cada movimento. A cadeira de rodas trouxe uma nova camada de complexidade à minha vida, exigindo adaptação e resiliência.
Mas, acima de tudo, essa mudança me ensinou a valorizar cada momento, a apreciar as pequenas coisas que antes passavam despercebidas. O simples ato de me mover, de estar presente, de viver plenamente, ganhou um novo significado. A cadeira de rodas, que eu tanto temia, tornou-se um símbolo de minha força, de minha capacidade de adaptação e de meu desejo inabalável de viver.
Hoje, ao olhar para trás, vejo não apenas as dificuldades, mas também o crescimento. A cadeira de rodas não é um fim, mas um meio pelo qual continuo vivendo minha vida. E, através dela, redescobri partes de mim mesma que jamais teria conhecido de outra forma.
A você, que lê estas palavras, deixo um convite: olhe para sua vida e valorize cada pequena coisa, cada simples movimento, cada momento de liberdade que muitas vezes passa despercebido. Porque a verdadeira força está em aprender a dançar com as mudanças, em encontrar beleza mesmo nas adversidades, e em seguir em frente, sempre com coragem e coração aberto.
Assim, seguimos juntos, cada um com suas lutas e suas vitórias, aprendendo a viver de maneira plena e significativa, não apesar das dificuldades, mas por causa delas.
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