À medida que as mudanças climáticas alteram o ambiente continuamente de forma alarmante, os pesquisadores têm investigado o que isso significa para a saúde humana. Uma preocupação em particular tem sido a conexão das mudanças climáticas com o aumento de doenças autoimunes e suas comorbidades, bem como seu efeito em doenças autoimunes já estabelecidas.
As doenças autoimunes são condições em que o sistema imunológico do corpo ataca células e tecidos saudáveis, como a artrite reumatoide, lúpus, espondilite anquilosante, colite ulcerosa, doença celíaca, esclerose múltipla, psoríase, artrite psoriásica, doenças da tireoide e diabetes tipo 1.
Sinais de que a incidência de doenças autoimunes está aumentando
Um estudo conduzido por cientistas do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos e publicado na revista Arthritis and Rheumatology em 2020 demonstra que, ao longo de um período de 25 anos nos EUA, houve um aumento de 50% na presença de anticorpos antinucleares, o biomarcador mais comum de autoimunidade na população.
Doenças Autoimunes e Mudanças Climáticas: Qual a Conexão?
Atualmente, o planeta está passando por eventos climáticos extremos, secas, incêndios florestais, poluição do ar, ondas de calor, solo árido e perda de biodiversidade. Embora a pesquisa sobre o efeito desses eventos em pessoas com doenças autoimunes e naqueles em risco para essas condições ainda esteja em estágios iniciais, existem preocupações crescentes.
Como o Clima Pode Afetar seu Sistema Imunológico e sua Saúde?
6 maneiras pelas quais a degradação ambiental e o aquecimento global podem afetar as pessoas com doenças autoimunes.
- Redução da biodiversidade significa mais alergias e biomas menos diversificados
As mudanças nas estações e o aumento das temperaturas têm causado o desaparecimento de certa fauna e flora nativas, abrindo caminho para novas espécies não nativas. À medida que novas plantas e vida selvagem entram em cena, elas trazem novos antígenos consigo, o que pode levar as pessoas a desenvolverem novas alergias, conforme explicado por Xue Ming, MD, PhD, professor de neurologia na Escola de Medicina de Nova Jersey da Universidade Rutgers e coautor de um estudo publicado no International Journal of Environmental Research and Public Health. A perda de biodiversidade também pode afetar negativamente o bioma da pele e do intestino, com o potencial de aumentar o número de casos de doenças inflamatórias, autoimunes e neurológicas.
- A poluição do ar provocada por combustíveis fósseis e incêndios florestais pode aumentar o risco de doenças mediadas pelo sistema imunológico em 10%
A poluição do ar é um fator importante nas mudanças climáticas. Quando combustíveis fósseis, como petróleo e carvão, são queimados, o dióxido de carbono se acumula na atmosfera, causando o aumento das temperaturas. Um estudo publicado mais cedo neste ano na revista RMD Open concluiu que a exposição a longo prazo à poluição do ar estava associada a um “maior risco de desenvolver doenças autoimunes, em particular artrite reumatoide, doenças do tecido conjuntivo e doenças inflamatórias intestinais. A exposição crônica a níveis acima do limiar de proteção humana estava associada a um risco 10% maior de desenvolver diversas doenças mediadas pelo sistema imunológico.”
Vários estudos encontraram uma ligação entre níveis mais elevados de material particulado, a mistura de partículas sólidas e gotículas líquidas no ar, e a incidência de lúpus e artrite reumatoide. “É possível traçar uma relação entre as mudanças climáticas causando um aumento de material particulado e um aumento de doenças do tecido conjuntivo”, diz o reumatologista Thomas Bush, MD, um médico de medicina interna no Santa Clara Valley Medical Center na Califórnia, que frequentemente escreve sobre o tema das mudanças climáticas e saúde.
A poluição do ar causada por incêndios florestais pode ser ainda mais tóxica do que a fumaça comum, uma vez que as partículas vêm da queima de plásticos, pesticidas e outras substâncias mais complexas e prejudiciais. Um novo estudo publicado neste mês na revista New Directions for Child and Adolescent Research relata que crianças expostas a partículas de incêndios florestais têm marcadores elevados de inflamação e menor regulação autônoma cardíaca.
- Mudanças climáticas facilitam a propagação de vírus contagiosos
Infecções virais são um grande desencadeador de autoimunidade, de acordo com pesquisas publicadas na revista “Viruses”. Por exemplo, o vírus Epstein-Barr, membro da família do herpes, tem sido associado à doença de Graves e à doença de Hashimoto. “Infelizmente, as mudanças climáticas fizeram com que os vírus se comportassem de forma aberrante. Alguns vírus se espalham mais em climas mais quentes”, diz o Dr. Ming.
- Aumentam os insetos transmissores de doenças, aumentando o risco de infecções virais que podem desencadear doenças autoimunes
Doenças transmitidas por carrapatos, pulgas e mosquitos, conhecidas como doenças transmitidas por vetores, tornaram-se mais comuns devido às condições mais propícias para a disseminação e sobrevivência do vetor (o inseto) em climas mais quentes. Uma revisão publicada em 2018 na revista Journal of Autoimmunity constatou que muitas doenças transmitidas por vetores (incluindo dengue, vírus do Nilo Ocidental, doença de Lyme e malária) podem imitar os sintomas de doenças autoimunes, como artrite reumatoide e tireoidite autoimune. E se você já possui uma predisposição genética para uma dessas doenças autoimunes, uma doença transmitida por vetores pode potencialmente desencadeá-la.
- Tempestades frequentes podem levar a maior exposição à contaminação, mais problemas de saúde mental e menor acesso aos cuidados de saúde
A principal preocupação dos especialistas em saúde pública nessa área é que eventos climáticos severos possam resultar em piores desfechos de saúde, especialmente entre pessoas de baixa condição econômica. “Pessoas com menor renda são mais propensas a trabalhar ao ar livre, portanto, estão expostas a essas tempestades e partículas no ar. Além disso, podem morar em habitações precárias, ter menos condições de comprar ar-condicionados e provavelmente têm menos capacidade de lidar com as perturbações que ocorreram em seu ambiente”, diz o Dr. Bush. Ele também aponta que, em caso de falta de energia, tempestades e inundações, as instalações de saúde e as farmácias podem não ser capazes de abrir ou acessar prontuários médicos eletrônicos. Alguns medicamentos precisam de refrigeração, o que também é perdido nessas situações. Portanto, o acesso oportuno aos medicamentos necessários pode ser afetado.
“O racismo estrutural tem levado a desigualdades de saúde de longa data para comunidades que foram marginalizadas. As mudanças climáticas estão exacerbando essas desigualdades de saúde de longa data para as comunidades de frente – que são as comunidades atingidas primeiro e de forma mais intensa pelas mudanças climáticas”, disse Kristi White, PhD, professora assistente e psicóloga clínica de saúde na Faculdade de Medicina da Universidade de Minnesota, em um comunicado de imprensa sobre um estudo publicado no Translational Behavioral Medicine em abril de 2022.
- Comorbidades Também São Afetadas
Se você tem uma doença autoimune, está em maior risco de desenvolver outra. Além disso, as doenças autoimunes podem vir acompanhadas de comorbidades, como doenças cardíacas, alergias e endometriose, que também são afetadas pelas mudanças climáticas. Ondas de calor, por exemplo, podem levar a uma maior taxa de mortalidade em pessoas com doenças cardíacas ou pulmonares. Primaveras mais longas com contagens de pólen mais elevadas afetarão negativamente as pessoas com alergias. “Não há motivo para que pacientes com doenças autoimunes e comorbidades não sofram da mesma maneira que qualquer outra pessoa com essas condições. Na verdade, acho que eles estariam um pouco pior, porque frequentemente têm uma combinação dessas comorbidades”, diz Bush.
Como Podemos Combater as Mudanças Climáticas para Reduzir os Riscos à Saúde?
Para começar, os efeitos das mudanças climáticas na saúde pública e pessoal precisam de mais estudos. Em um relatório publicado neste mês na revista “Proceedings of the National Academy of Sciences“, a equipe de pesquisa alertou que os efeitos das mudanças climáticas têm sido “perigosamente inexplorados”.
“Há muitas razões para acreditar que as mudanças climáticas podem se tornar catastróficas, mesmo em níveis modestos de aquecimento”, disse o autor principal Luke Kemp, PhD, pesquisador associado no Centro de Estudos de Riscos Existenciais da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, em um comunicado de imprensa.
Então, o que pode ser feito a respeito?
- Os profissionais de saúde precisam de mais treinamento. Os médicos desempenham um papel importante na influência do público sobre essa questão – portanto, eles devem receber mais treinamento sobre como disseminar informações para seus pacientes sobre como as mudanças climáticas estão afetando sua saúde, diz Bush. Muitas academias e escolas de medicina estão começando a assumir essa responsabilidade. A Escola de Saúde Pública Mailman da Universidade de Columbia, em Nova York, por exemplo, criou o Consórcio Global de Educação sobre Clima e Saúde.
- Advocacy é fundamental para promover mudanças. Embora líderes, como o presidente dos EUA Joe Biden e o presidente Lula, entre outros, tenham indicado preocupação e medidas ambientais em seus governos, existem muitas forças destoantes com lobby empenhado em barrar esforços para regulamentações que visam controlar a degradação ambiental.
- Faça a lição de casa sobre o clima e a saúde, e se envolva. Muito mais precisa ser feito. Se informe sobre a posição dos políticos e candidatos sobre a questão do clima e da saúde.
- Pressione governantes e representantes para que votem favoravelmente em relação ao controle climático e ecologia.
O Futuro (do Clima e da Nossa Saúde) é Agora
Ming diz: “Algumas pessoas acham que isso não as afeta, mas afeta todos os habitantes da Terra. Estamos criando novos tipos de doenças e condições sub-saúde. As pessoas não estão em um seu melhor estado de saúde devido aos comportamentos humanos que estão causando as mudanças climáticas. Precisamos levar a mensagem para casa de que todos têm que fazer a sua parte, porque isso nos afeta a todos agora, não apenas no futuro.”