Quando a dor é do outro

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É incrível como certas pessoas têm a (nada invejável) capacidade de menosprezar a dor alheia e, isso, é uma habilidade tão inerente ao caráter delas que nem devíamos mais nos admirar com alguns tipos de atitudes e comentários de gente assim, mas nós ainda nos surpreendemos, ainda nos irritamos, ainda nos magoamos e, mesmo quando não é a nossa dor que não está sendo aviltada, somos capazes de sentir em nós o desrespeito sofrido por quem está passando por um momento doloroso.

A dor do outro não é menor que a nossa, nem a nossa é menor que a de outra pessoa. O que existe são gradações de um mesmo sentimento que nos toma quando somos obrigados a atravessar precipícios que nos açoitam tanto o corpo, quanto a alma… Precípicios causados por perdas de coisas valiosas para nós, como pessoas queridas, emprego, um objeto que nos trazia lembranças preciosas, documentos, saúde. 

Qualquer uma dessas perdas são imensuráveis para quem as sente e completamente incomparáveis, pois a dor é subjetiva, é particular e não dá para se medir em números, pois o que para mim pode ser algo simples, incapaz de causar maiores estragos, para outros pode ser um abalo nas estruturas de sustentação a ponto de lhes tirar até a vontade de seguir vivendo.

Ontem eu li um status de uma amiga virtual, dizendo que estava cansada de se ver desrespeitada em suas dificuldades impostas pela ELA (Esclerose lateral amiotrófica) com a qual convive e que, em um ato de extemo desespero, quis cometer suicídio, mas a tentativa foi, felizmente,  frustrada por seu pai. Suas palavras denotavam um desespero tão profundo, pois se conviver com a Esclerose Múltipla já não é fácil, eu imagino como seja conviver com a patalogia que ela carrega, que eu senti o tamanho da dor dela em mim. 

Porém, é óbvio que houve os insensíveis de plantão que, longe de a confortarem e fazerem com que ela voltasse a ver que, apesar de todas as dificuldades, a vida é algo tão valioso que não temos o direito de extirpar, mesmo que seja a nossa, a chamaram de louca e trataram do assunto como fraqueza, falta de fé e outras coisas do gênero. 

Daí, eu me perguntei, como o ser humano pode ser tão egoísta que não é capaz de se calar quando não pode acalentar uma alma que está carente, naquele momento, de palavras que restabeleçam sua energia para que ela possa continuar navegando pelo turbilhão de emoções que a doença impõe a ela, mesmo que por um mar bravio, revolto e repleto de ondas de incompreensão e desamor? Como as pessoas podem ser capazes de atirar ao precípicio, com palavras que não confortam, alguém que só precisa ser ouvida, compreendida e amparada? 

Realmente, cada dia mais, eu penso que os homens estão imergindo nas profundezas da falta de amor ao próximo e, o pior, muitas vezes em nome de uma pretensa sinceridade que, longe de resgatar alguém das sombras, o lança, sem piedade alguma, ao calabouço úmido e escuro, da falta de compreensão.

Quantas vezes já não nos vimos em situações para as quais parecia não existir saída, em que não encontrávamos mais motivação para prosseguir e que pensamos, mesmo sem ter tido coragem de assumir, em desistir de nós mesmos? A força de que somos dotados, tantas vezes se esvai por entre nossos dedos como a água que tentamos aprisionar em nossas mãos em vão e, resgatá-la ou não, quase sempre, é resultado de uma mão que se estende ou empurra, de palavras que confortam ou dilaceram, de um ouvido que escuta ou de uma boca que não mede palavras.

Eu já ouvi coisas que cortaram feito navalha, mas também já encontrei pessoas de alma doce que me deram o privilégio (sim, isto é um privilégio) de ser entendida no meu momento de fragilidade e desencanto, no decorrer da vida e, sobremaneira, nestes anos pós-diagnóstico de EM. Já fui comparada, menosprezada, criticada (destruitivamente), fragilizada, porém, já fui agigantada e, por mais surpreendente que possa parecer, todas as vezes que recobrei as forças para prosseguir caminhando, mesmo que cambaleante, mesmo que mancando, mesmo necessitando de apoio, aconteceram quando eu me dispus a estender meu escutar (pois, não basta ouvir, é preciso mesmo escutar) aos que estavam atravessando um momento de dor como eu.

Para a dor do outro não existem fórmulas milagrosas, pois se não somos capazes de medicar nossas próprias feridas na velocidade em que nos dispomos a receitar "remédios" para as feridas alheias, como podemos exigir do outro uma fortaleza de alma que nem nós mesmos temos?

Por fim, quero dizer que nós possuímos o dom de salvar ou destruir uma vida com as nossas palavras, portanto, valendo-me do título do post anterior, benditos sejam os que mantém a boca fechada quando não possuem nada de bom a dizer.

Beijos carinhosos!

 

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