Era já pertinho do natal. Não costumo ser muito exata, mas vá lá: era 17 de dezembro. Um dezembro mais ou menos igual a todos os outros dezembros que eu tinha vivido nos últimos 4 anos. As calçadas e ruas completamente brancas. As pessoas, em sua maioria, vestindo casacos pretos. Às vezes, vermelhos, cinzas ou brancos, mas em sua maioria pretos. Não se veem roupas amarelas, verdes, com bolinhas, muito coloridas ou qualquer coisa do gênero nessa época do ano. Mas ninguém parecia triste. Todos andavam meio apressados, mais por hábito do que por frio. Apesar da neve, dezembro não é um mês particularmente frio. Muitas pessoas tinham mesmo um ar simpático. Esse ar natalino – com toucas, luvas e cachecóis – que a gente via nos filmes da sessão da tarde. Mas eu destoava de todos, seja porque andava lenta, muito lenta com meu barrigão de 5 meses, seja porque estava triste, muito triste com o que tinham acabado de me contar. Como num drama de novela, meu filho de 15 anos tinha uma doença incurável. Mas, como assim esclerose múltipla? Como assim, eu entendi direito? A senhora quer dizer “multiple sclerosis?” “Oui, sclérose en plaques”, em francês. Era muito nome pra uma coisa só. Uma coisa só que de repente caia sobre mim, sobre meu filho, sobre meu marido ali comigo naquela hora, sobre minha família aqui e tão longe, no Brasil. Era essa coisa, um nome horrível que eu não queria pronunciar em nenhuma língua, que eu não conhecia e não queria ter conhecido assim, desse jeito, de sopetão, arrasando minha vida, minhas esperanças, se abatendo assim sobre meu outro filho que ainda não tinha nascido, sobre minha filha de 10 anos na escola, tadinha, nem sonhava com o que estava acontecendo… E sobre meu filho. Meu filho que eu amei antes mesmo de nascer. Meu filho tão inteligente, tão cheio de planos, com tantos sonhos, nem ainda uma namorada… Meu filho que queria conhecer o mundo, que queria mudar o mundo também, resolver os problemas do Brasil. E, então, Deus, foi por isso que você me deu esse filho, esse outro que tenho agora na barriga, esse outro que eu não esperava, foi por isso que você me deu esse filho? Porque você vai me tirar meu filho? É por isso? Mas Deus não parecia me escutar. Eu andando tão lenta atravessando a rua, as lágrimas caindo, entrei no shopping pra pegar o carro. Não sei se Deus me escutou, mas me enviou um grupo de adolescentes barulhentos, todos mais ou menos da mesma idade do meu filho, rindo e falando alto, a alegria contagiante de quem sabia que o futuro lhes pertencia. Então invejei os pais daquelas crianças. E pensei de novo: por que meu filho? E tive inveja, muita inveja. Pensei que nunca mais ele sorriria ou andaria correndo e falando alto como eles. E porque não queria carregar outra dor comigo, implorei com todo meu coração: nao quero ter inveja, Santo Deus! Uma voz pareceu, então, que me dizia: cada um tem sua dor (igual ao anjo que falou pela boca da minha filha quando ela tinha uns três anos). A voz me acalmava. E não era mais inveja o que eu sentia, era um consolo. Quis entender que tudo ficaria bem. Meu filho voltaria a andar sem parecer um velhinho de 80 anos que tinha acabado de ter um AVC. Continuaria a fazer seus castelos no ar e a cantar “I wanna be a billionaire so freaking bad…” E talvez, mesmo nesse pior momento da minha vida, eu soube que tudo, tudo ficaria bem.
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Ver alegria e esperança
Ver alegria e esperança… Depois de um tempo, os traumas cicatrizam, mas a tristeza não respeita calendário. E, quando a gente menos espera, reaparece num