Somos estrangeiros em nós! Descobri isso depois da Esclerose Múltipla, quando perdi 90% da minha visão. Após um longo tempo me dei conta de que nunca havia me visto. Curioso? Muito! Passei a juventude me achando esquisita, feia, gorda… Me via no outro que eu não curtia… Os lugares que eu frequentava, normalmente, tinham um defeito! As pessoas me definiam com uma única palavra: crítica! E eu achava isso o máximo… Eu curtia o que me depreciava e depreciava aquilo que eu poderia curtir… Mas isso era quando eu enxergava, antes da EM…
Perder a visão me trouxe ao encontro de um lado meu que eu não conhecia… De repente, comecei a achar a minha casa linda! Perguntava: essa parede era tão mau pintada… O que aconteceu com ela? milagre? A minha imagem no espelho ganhou um novo olhar… Caramba… um olhar que não vê? Não! Um olhar que aprendeu a enxergar de forma diferente. Deixei de focar nos detalhes e me deparei com um contorno incrível! A barriga lisa, não fazia diferença entre ter ou não os gominhos, e o bumbum? Aonde foram parar as minhas celulites? Eu me dei conta que quem pisava no chão, quando eu caminhava eram os meus olhos e não os meus pés! Andava de cabeça baixa e ombros caídos, invalidando a capacidade que meus pés tinham para dar conta do meu percurso. Meus pés foram à forra com os meus olhos depois que fiquei cega! Eles passaram a enxergar o caminho. Imaginem que eu tinha todas as cores a minha disposição e nem reparava nelas… e depois que o amarelo e o laranja passaram a ser uma única cor, também o marrom, o preto, o cinza, o azul escuro… me dei conta de como era incrivelmente linda a Acácia Dourada, na Primavera… E os amigos? TODOS ficaram lindamente lindos!!!! Bem, eu ficaria aqui descrevendo cada uma das coisas que eu passei a admirar de repente, mas a melhor delas foi, sem dúvida alguma, a mim mesma! Passaram-se quase cinco anos de total adaptação à minha nova realidade e eis que eu volto a enxergar aquele mundo dos detalhes… Nem tanto quanto antes, mas bem mais do que eu um dia imaginei que voltaria a enxergar.
Diante dos olhos azuis da minha mãe, que talvez eu nunca tenha elogiado até então, eu me perguntei: pra quê eu fiquei tanto tempo invisível daquilo que é tão belo? E fui além… Pra quê eu me tornei inaudível dos meus próprios sons internos? Pra quê eu me coloquei intocável da minha própria pele? Pra quê? Pra quê? Pra quê? Eu vos digo: Falta de permissão para eu viver as alegrias da vida.
Nossos olhos são incapazes de enxergar a nós mesmos. E sendo assim, ao virmos o outro nos percebemos no mundo. Quando eu vejo a beleza do outro é sinal de que consegui vir a minha própria beleza. Quanto mais eu vejo no outro alguma coisa, mais eu tenho dessa coisa em mim.
Pois é… Mesmo que eu me olhe no espelho de forma diferente, eu continuo “de pé do lado de fora da casa”… O olhar é como “um quase acidente que nós só podemos sentir enquanto ele desliza por nós.” Hoje, eu me pergunto: o que mais eu deixei no “quarto dos fundos”? O quem sou é apenas uma amostra daquilo que posso oferecer naquele momento. E se o meu melhor foi o lado negativo das coisas, é sinal de que foi assim que aprendi a sobreviver até aquele momento. Que bom que eu pude enxergar sem ver! Não tenho que ser do jeito que o outro espera, mas quantas vezes eu paro para olhar o outro no fundo dos olhos? É ali que nos encontramos. Mesmo quando nos falta a visão, podemos enxergar. Por sermos seres com o poder da criação, temos a capacidade de transcender. E essa foi a lição que a minha cegueira me deu: “Eu sou capaz de ir além. E isso só depende de mim. O detalhe encontra-se no todo; focar apenas no detalhe é deixar de perceber o entorno. Não passei a olhar o mundo como “Poliana”, mas que o meu mundo ficou muito mais agradável, delicado, elegante e bonito, ah… isso ficou… A minha hora de “espiar por trás da minha própria porta” chegou ao fim! A partir daquele momento eu decidi que eu entraria pela minha porta antes do outro, mas isso só foi possível pelo outro. Eu existo porque você existe! E isso é lindo demais… Deixei de ser o centro do universo!