EM e Paternidade (Parte VI) – Desconfie da verdade. Ou Por quê?

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Particularmente, eu tenho aversão à ideia de verdade. Acho insensível, arrogante e autoritário, dizer possuí-la. Muita maldade já foi (e ainda é) praticada em seu nome. Um dos jeitos mais fácies de se tornar um escravo é justamente buscar sombra e conforto sob sua morada. A verdade é como uma armadilha, que o atrai para o fundo de uma gaiola.

Meu problema com a verdade não está no fato de ela ser a conclusão a qual se chega depois de uma longa investigação, mas sim quando é colocada no início; como uma certeza posta a princípio e que condiciona todo processo. Nesse caso, você já sabe a resposta a que quer chegar e adota um comportamento em diálogo com o que acredita.

Por ela, o mundo é dividido em duas metades: aqueles que sabem e aqueles que não sabem. E, se você está certo, o outro tem de estar logicamente errado. O resultado é sua transformação em uma lei moral. Uma convicção privada lhe dá a licença de proferir um julgamento e ser a régua que separa o joio do trigo. A complexidade da vida é simplificada e separada em lados opostos e em disputa: o bem e o mal.

O problema é que a verdade nega a experiência, tenta dar limites à diversidade. Julga-se que tal coisa é certa ou errada sem se questionar quem definiu assim, independe de contexto. Roubar é errado. Desobedecer é errado. Mentir é errado. No entanto, essa falta de contexto e essa tentativa de generalização coloca no mesmo balaio a mãe que rouba porque o filho tem fome e o político interessado em enriquecer ainda mais; a mentira contada para preservar a fragilidade de um doente e àquela que oculta uma traição. A violência do opressor é igualada à reação do oprimido.

“Quando eu uso uma palavra”, disse Humpty Dumpty num tom bastante desdenhoso, “ela significa exatamente o que quero que signifique: nem mais nem menos.” “A questão é”, disse Alice, “se pode fazer as palavras significarem tantas coisas diferentes.” “A questão”, disse Humpty Dumpty, “é saber quem manda — só isto.”  Alice Através do espelho .

A verdade não está solta por aí, esperando apenas alguém apto a capturá-la. É produto de um poder. Não tem a ver com um conhecimento real, só é preciso, como disse Humpt Dump a Alice, saber quem manda: um especialista, uma instituição, um parente, uma autoridade etc. No fundo, estão menos interessados na verdade do que em saber se “você sabe com quem está falando?” E, nesse sentido, questionar a verdade é questionar o poder e as condições que a sustentam. É por isso que “eles” são tão obcecados com a manutenção da verdade: seus privilégios dependem dela.

Assim, se afastar da verdade, era se distanciar do caminho correto. Tal perspectiva, liga a verdade automaticamente ao tempo, ao progresso. Mostra-se enquanto revelação. Acredita-se que quanto mais estudado, experiente ou revelado, mais você atinge o conhecimento verdadeiro e se afasta daqueles considerados ignorantes (sério, odeio essa palavra e todas as suas irmãs). O não seguimento daquilo que é considerado verdade é visto como doença, burrice, loucura, irracionalidade etc. Esse viés, a partir de uma concepção progressiva do tempo, igualmente cria atrasados, adiantados, subdesenvolvidos, desenvolvidos, lentos, rápidos etc. Nossa vida, da educação ao trabalho, está organizada assim.

O problema desse raciocínio é que tende a exterminar a diferença ao indicar um caminho único e exaltar a falta. Tal povo é apegado a práticas supersticiosas porque “ainda” não conhece a ciência. A pessoa tem EM porque “ainda” não fez tal tratamento. Tal indivíduo fala errado, porque lhe faltou estudo. Um termo diferente daqueles empregados por especialistas é visto como falta de conhecimento. O julgamento é sempre externo, descontextualizado, meritocrático e capacitista. É necessário atingir um ideal. Pouco importando as potencialidades, as diferenças, os contextos e os esforços pessoais.

Nada é bom ou mau, o pensamento é que faz as coisas assim. Hamlet (Ato II, cena ii) – William Shakespeare

Sou meio hamletiano nesse sentido. Não acredito que uma coisa seja, em si, má ou boa. Nós é que assim o fazemos, a partir de nossos valores, preconceitos, experiências etc. O que pensamos sobre algo acaba gerando comportamentos que o confirmam. Sempre que tentam me “capturar”  sob uma verdade abstrata, tendo a dar tons mais humanos a questão. Tento trazer a “verdade” do olimpo às comédias da vida terrena.

Prefiro a ideia de verossimilhança. Ou seja, se uma informação tem o potencial para ser um conhecimento verdadeiro. Todavia, isso transforma a verdade não em algo definitivo e já determinado, mas algo que sempre vai depender dos contextos, das condições e das pessoas envolvidas. A questão é: quanto conseguimos viver sobre incertezas; não sob um conhecimento certo, mas apenas provável?

Francisco, vivemos em um época estranha (que espero já ter desmoronado antes que você seja adulto e tenha idade para entender essas coisas), em que o desenvolvimento do senso crítico é tido como uma educação partidarizada. Se eu pudesse te dar uma dica pra vida é: não pare de fazer perguntas; não deixe de se questionar. Mesmo quando encontrarmos uma certeza que nos pareça adequada, são as perguntas que nos restituem o movimento.

 

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