Esse mês, escutei novamente uma história; dizia mais ou menos assim… Alguém observava o sofrimento de uma lagarta para sair do seu casulo, em toda dificuldade que enfrentava em caminho à sua transformação. Querendo ajudar, a pessoa lhe auxiliou quebrando o casulo. Esse ato, embora cheio de boas intenções, todavia, fez com que a lagarta ficasse eternamente naquela condição, rastejando como antes. Seria a força para quebrar o casulo que desenvolveria suas asas e lhe permitiria voar, como uma borboleta.
Essa é uma historinha meio autoajuda e que pode ser interpretada de vários jeitos. Inclusive a primeira vez que a ouvi não gostei nada dela, pois achava que fomentava o egoísmo e o individualismo. Podia dar a impressão de que a “moral da história” era a de que não devemos ajudar os outros, de que devemos deixar que se esforcem sozinhos, de que não somos responsáveis pelos sofrimentos alheios e de que atrapalhamos se nos envolvemos.
No entanto, ao ouvi-la após anos, a mesma história ganhou um novo significado para mim. Na primeira, a olhei a partir de uma perspectiva externa, da pessoa que observa e se compadece com o sofrimento do outro. Agora, no entanto, a perspectiva era totalmente diferente, era interna. Aquilo que pensava ser o outro, na verdade, era eu. Havia me tornado aquilo que antes somente concebia como outro. O que considerava alteridade era, de fato, identidade.
Às vezes, nas fases mais altas dos jogos de videogame, você chega num momento em que é chamado a lutar com uma versão espelhada de si mesmo. Ao mesmo tempo em que esse personagem lhe é idêntico, com os mesmos golpes, fraquezas e potencialidades, é um outro que lhe quer destruir. De certo modo, escrever e pensar sobre mim, tem sido assim; um contato e enfrentamento com áreas e sentimentos antes obscuros, me levando a pensar questões para além de mim mesmo. E, nessa condição, o egoísmo ganha novas cores.
Embora ainda tente sugerir meus gostos, desejos e interesses, eles já não importam tanto. O egoísmo que me acompanha é a culpa de não ter ajudado mais os outros quando pude. Por ter sucumbido ao conforto e as facilidades da minha condição. Por ter permitido me deixar escravizar pelas regras que me permitiam continuar ganhando. Olho para todos as pessoas que me ajudam e penso como posso deixar a vida delas mais fácil para me ajudar? Controlar meu peso? Beber mais água? Fazer os exercícios? Quando podia fazer sozinho, por que não fiz mais por elas? A culpa transforma o outro no eu.
A partir da mudança de perspectiva, a nova “moral da história” é que quando a ajuda é externa pode ser prejudicial. Ou mera obrigação que lhe auxilia a passar para uma nova fase, dentre as opções daquilo que uma pessoa acredita ser o melhor para você. E esse melhor está geralmente na sua capacidade de adequação ao que é considerado normal. Indica algo em um estágio inferior e que deveria ser superado por alguma forma superior. É mera evolução!
No entanto, quando essa mudança é interna, ela pode ser realmente transformadora, adicionando novas cores e comportamentos à palheta. A autoajuda torna-se autoestima; a servidão torna-se potência; o egoísmo torna-se culpa; o eu torna-se também o outro. A questão não está apenas em cumprir as expectativas externas, as quais você precisa se adequar para ser aceito. Diz respeito a dar condições para todos se transformem sozinhos; é sobre virar a mesa e mudar as regras do jogo. É o que chamam de empoderamento. Não é mera evolução: é revolução!